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Um voo sobre (a trágica) história do Brasil

Por Francisco Viana

Um voo sobre (a trágica) história do Brasil
Foto: Acervo pessoal

A peça Os pássaros de Copacabana tem dimensão internacional.  Não é boa, é excelente. Não é emblemática da história do Brasil. É mais que isso. É a própria crônica da exclusão. 

 

O ator Marcelo Praddo, 30 anos de carreira, num admirável monólogo, encarna uma transsexual que ensaia músicas de Ary Barroso para seu amante, um militar linha dura que não aparece em cena. 

 

O pano de fundo,à primeira vista, são os agitados dias iniciais do golpe de 1964.

 

Na prática, o ódio é o pano de fundo. Ódio aos comunistas, que são descartáveis como um lenço de papel, na ótica dos golpistas, embora representassem a vanguarda dos ideais brasileiros; ódio às reformas sociais que são combatidas como uma praga, também na ótica dos golpistas, como se não fossem indispensáveis à modernização social; ódio aos homossexuais e transexuais que representam o diferente, o desconhecido, a rebelião dos sentidos. 

 

Marcelo Praddo dança, canta, sofre. Domina a cena. É  onipresente. Não tropeça no texto( primoroso) de Gil Vicente Tavares, que assina a direção e a dramaturgia. Revelando o quanto nossa história é vazia e recheada de proconceitos. Um cemitério de reformas por fazer. 

 

O ponto de partida do personagem é um domingo de carnaval, simultaneamente data do aniversario de Carmem Miranda e da morte de Ary Barroso, nome célebre da Música Popular Brasileira. Invisíveis, as memórias do personagem vão sendo desvendadas: sua mãe, um vizinho comunista, o amante militar, a violência ... as esperanças que se despedaçam com o passar do tempo... Nada é sólido. Tudo se desmancha no ar. Com exceção do transsexual. Que enfrenta as tragédia de cabeça erguida e voa sobre  a história com altivez. 

 

No final, restam apenas o cárcere (talvez a simbolizar sua própria vida) e a morte de um comunista anônimo. E, claro, as memórias do personagem. Afinal, o que somos nós senão a nossa história? 

 

*Francisco Viana é jornalista e Doutor em Filosofia Política( PUC-SP)

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias