Crime Político
“Marielle vive" dizem os slogans nas ruas do Rio de Janeiro e São Paulo. Mas Marielle está morta. E sua morte virou um símbolo político. Isso não a traz de volta à vida. A torna uma mártir, mas ela morreu e nada a fará reviver. Sua vida foi relevante, mas seria mais relevante ainda se não estivesse morta.
Essa sensibilidade é indispensável para que a violência seja combatida em todos os campos. Sem banalizações, nem romantismos. Morte é morte. O nosso erro no Brasil tem sido não punir os criminosos do regime militar. Com isso, construímos uma democracia nada democrática, sustentada na ilusão de que o pesadelo terminou.
Os fatos, no caso do assassinato de Marielle. A vereadora do PSOL, Marielle Franco, foi morta a tiros dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, na Região Central do Rio, por volta das 21h30 desta quarta-feira (14). A principal linha de investigação da polícia é a execução. Ela levou quatro tiros da cabeça.
Marielle, que era socióloga e nasceu e cresceu na favela, vinha fazendo duras críticas à polícia militar, clamando contra a morte de jovens negros e contra a onda de violência no Rio de Janeiro. Não há dúvida, foi um crime movido por razões políticas.
Marielle, que tinha mestrado em administração pública e coordenava a comissão de direitos humanos da câmara de vereadores do Rio de Janeiro, deixa uma filha de 17 anos. Mas quem lhe deu ouvidos? Crimes viraram roteiros no Brasil? O que aconteceu com os chamados “ justiceiros” que mataram em São Paulo, no Pará, Manaus e no Rio de Janeiro? O cenário de impunidades foi montado para crimes políticos.
Marielle era uma voz da favela - hoje chamada de comunidade, talvez para fugir da dura realidade do problema - , era uma voz contra a opressão. Sentia na pele dramas das carências da educação, transporte de assistência médica e da violência dos traficantes e do Estado. Sentia na carne a exclusão social. Não aprendeu a discerni-lo nos livros, mas nas adversidades do cotidiano.
Se recusava a pertencer às estatísticas e por isso buscava alternativas na política. Tinha esperanças no futuro. Recusava-se a acender a luz do carro quando entrava na favela e a dizer que nunca tinha matado ninguém quando saía. Não era uma escrava. Era altiva, uma rebelde. E como rebelde incomodava. Desejava a igualdade, não a exclusão.
E, por isso, morreu. Tem sido assim desde os anos de chumbo do regime militar. Na cidade ou no campo, os que discordam são perseguidos ou mortos. A democratização não mudou esse cenário de barbárie. É a luta de classes exibindo a sua face mais cruel. É isso não se resolve com intervenção militar, como sonha o Governo. Sim com diálogo e políticas sociais. Em poucas palavras: em uma democracia de verdade. A democracia brasileira cada vez mais mergulha na crise e se perde no labirinto das contradições. O assassinato - execução coloca o governo contra a parede. Como há intervenção militar no Rio de Janeiro, cabe ao govern o desvendar o crime. Houve repercussão mundial.
* Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia Política (PUC-SP)
* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias