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Os Municípios podem legislar sobre o Uber

Por Karla Borges

Os Municípios podem legislar sobre o Uber
Foto: Acervo pessoal
A Constituição Federal (CF) é clara quando reza que compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte (art.22, XI). Entretanto, ela também dispõe que é competência dos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, além de organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial (art. 30, I e V). Sendo assim, para dirimir a questão do Uber, faz-se necessário, previamente, identificar se essa atividade equivale-se ou não a serviço público.

No Brasil não existe transporte individual de passageiros de natureza privada. Todo e qualquer serviço de transporte oferecido aos cidadãos de forma remunerada constitui pelo ordenamento jurídico pátrio serviço público. Convém esclarecer tal assertiva: não há qualquer impedimento para o transporte privado de pessoas, afinal é um direito, caracterizado, ainda, pela gratuidade, todavia, quando a legislação se reporta a transporte oneroso de passageiro, estar-se-ia diante de um serviço eminentemente público, passível de regulamentação de poder de polícia estatal. Se deste modo não fosse, o transporte clandestino jamais poderia ser combatido.

A Lei Federal 12.587/2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, confirma essa interpretação ao conceituar "transporte público individual" como o "serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas" (art. 4º, VIII).Essa definição se adequa perfeitamente ao Uber, que é uma atividade análoga a dos taxistas. Nesta seara, não se pode admitir que o setor privado seja capaz de estabelecer regras próprias sobre o deslocamento urbano de pessoas sem respeitar os ditames legais inerentes a atividade econômica, conforme preceitua o artigo 174 da CF.

Uma vez que o Uber presta um serviço remunerado de transporte de passageiros disponibilizado ao público através de aplicativo para realização de viagem individualizada verifica-se que ele está devidamente tipificado no artigo 4º da Lei 12.587/12 que impôs limites ao livre exercício da atividade econômica de acordo com a autorização prescrita no artigo 170, parágrafo único da CF. Desta forma, essa nova modalidade de transporte deve obedecer às restrições impostas pelo artigo 12 da lei de mobilidade que determina que esse serviço seja organizado, disciplinado e fiscalizado pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas.

A competência das cidades para regulamentar os serviços públicos locais está reconhecida constitucionalmente como um dos princípios asseguradores de sua autonomia administrativa (CF, art. 30, V). A única restrição é a de que tais serviços sejam de interesse local e o transporte intramunicipal o é. Caberá, portanto, à União a organização das diretrizes básicas sobre a política nacional de transporte (trânsito e transporte), mas aos Municípios todas as disposições legais de transporte local e demais serviços públicos de interesse local.

Muitos autores entendem que os entes municipais podem legislar sobre essa matéria para suplementar a legislação federal, desde que isso seja destinado ao interesse local e não contrarie as normas estabelecidas pelos outros entes.  É bem verdade que existem várias decisões do Supremo Tribunal Federal atestando o contrário: que lei estadual ou municipal sobre transporte afrontaria a competência privativa da União. Contudo, ela não é indelegável, como a competência exclusiva, sendo admissível conferir a possibilidade de regulamentação de assuntos específicos a outro ente por lei.

Conclui-se que para atender ao interesse local os Municípios podem legislar sobre o Uber por estar assegurado na CF no artigo 30, em que pese a competência privativa da União sobre transporte, até porque foi também disciplinado no artigo 4º da Lei Federal 12.587/12 essa delegação ao poder público municipal.  Embora o transporte de pessoas não remunerado seja livre, a partir do momento em que é cobrado, ele deixa de ser transporte de pessoas e passa a ser de passageiros, exigindo-se, neste caso concreto, autorização, permissão ou concessão do ente municipal por se tratar de serviço público por ele obrigatoriamente regulado.


* Karla Borges é professora do Instituto Latino-americano de Estudos Jurídicos – ILAEJ

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias