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Não estamos falando de drogas. Estamos mesmo falando de vidas

Por Wagner Coutinho, Luana Malheiro e Dudu Ribeiro

Não estamos falando de drogas. Estamos mesmo falando de vidas
Foto: Divulgação
Ao se posicionar contrário à legalização das drogas, em entrevista concedida nessa última segunda feira (21), o governador da Bahia, Rui Costa, defendeu posições que, infelizmente, refletem uma visão limitada, conservadora e pouco profunda dos debates mais importantes sobre as políticas de drogas e segurança pública no Brasil. É importante apontar, inicialmente, que a preocupação do governador, também nos aflige: a utilização de crianças, de forma degradante, no mercado ilícito de drogas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em sua Convenção 182, reconhece o tráfico de drogas como uma das piores formas de trabalho infantil. No decreto 6.481, de 12 de junho de 2008, o governo brasileiro aprovou a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), a partir das bases daquela convenção.
 
Quando o governador aponta que a legalização criaria “um exército de crianças e jovens a serviço de traficantes”, não consegue reconhecer que foi justamente a ilegalidade que promoveu essa situação, e que hoje precisamos combater. A relação com o tráfico ou o uso de substância psicoativa ilícita é uma das motivações, por exemplo, que interrompe a vida escolar: o próprio sistema educacional rompe o vínculo com aquela criança ou adolescente que, eventualmente, faz uso de algo ilícito, e não acolhe estes cidadãos e cidadãs quando estão em situação mais vulnerável. Essas condições também são causadas pela proibição e pelo estigma que cerca o tema das drogas.
 
É ingênuo apontar de forma superficial “quem realmente ganha dinheiro com isso” no conjunto “traficantes”: (des)identificado, sem cor, origem ou história. Parece não ter em mente que helicópteros circulam com meia tonelada de cocaína nos céus do Brasil sob a complacência do judiciário e quem realmente ganha dinheiro com o tráfico não sobe morro pra recrutar uma dessas crianças.
 
O “exército” de pessoas que participam do comércio varejista das substâncias tornadas ilícitas, tomadas como corpos matáveis pelos aparelhos da Segurança Pública e encarceráveis pelo Judiciário, e que no Brasil é nitidamente um corpo negro e jovem, não é criado pelas drogas: mas pela proibição. E esse exército existe, governador, infelizmente, e mantido por esse modelo de guerra às drogas.
 
Em número de homicídios, o Brasil apresenta índices piores do que todos os países em guerra – são cerca de 50 mil mortes violentas por ano em média, das quais se estima que 50% sejam relacionadas à guerra contra as drogas. É também o terceiro maior encarcerador de pessoas no mundo. Aqui, cerca de 30% das prisões estão relacionadas ao comércio de algumas drogas. E como prova de que a repressão não é a melhor estratégia para lidar com o tema, o consumo de algumas drogas não diminuiu no Brasil.
 
Apresentamos aqui esse texto como contribuição ao debate e que sirva para a reflexão. Para as demais transformações que acreditamos necessárias, temos apresentado nossa luta cotidiana. Contra o genocídio da juventude negra! Por uma outra política sobre drogas e um outro modelo de segurança pública.
 
Autores:
Wagner Coutinho
Vice-Presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas (BAHIA)
Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos - ABESUP
Rede Latino Americana de Pessoas Que Usam Drogas - LANPUD
 
Luana Malheiro
Rede Latino Americana de Pessoas que Usam Drogas - LANPUD
Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos - ABORDA
 
Dudu Ribeiro
Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas - INNPD
Plataforma Brasileira de Políticas sobre Drogas
Membro do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas e do Conselho Estadual de Juventude


 * Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias