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O comércio digital e as novas relações contratuais

Por Rodrigo Raiol

O comércio digital e as novas relações contratuais
Foto: Acervo pessoal

Cícero em 106-43 a.C. provocou um interessante debate estoico que perdura até a idade atual que assim dispõe: “Se um homem deliberadamente coloca à venda um vinho que está estragando, ele deve contar aos seus clientes?”. Questionamentos como este atravessam gerações e apoiam-se em regras, princípios, costumes e soluções éticas que buscam aproximar as relações negociais da máxima transparência.

 

A Sharia – a lei que regulamenta as transações e as finanças islâmicas – traz métodos e práticas comerciais da antiga sabedoria e tradição mediterrânea, baseada, também, na transparência das relações, primando que as partes em uma transação tenham a mesma incerteza frente a resultados aleatórios, ou melhor: “nenhuma pessoa em uma transação deve ter certeza sobre o resultado enquanto a outra pessoa tem incerteza.”

 

Navegando no tempo e chegando no fervor do mercado digital onde todos somos tratados de forma individualizada diante da capacidade de influenciar a sociedade, transmitir opinião e informação, notou-se que nós somos, verdadeiramente, o produto final da equação e que, portanto, carecemos de maior atenção. Somos o eixo de conexão para alcançar o sucesso dos negócios digitais que avançam nas redes.

 

O Marketing Digital agigantou-se no período da pandemia do COVID-19, momento em que os players do escalonamento alavancaram suas contas bancárias à infinidade de dígitos, alcançaram os mais variados extremos do país e, por fim, aumentaram em tempo recorde as suas esteiras de produtos nas mais variadas frentes. Esse crescimento representa o sucesso financeiro exposto nas redes, acompanhado de comportamentos altruístas que encabeçam estratégias de vendas no digital diante da crescente obsessão por prestígio e influência do sujeito comum que sonha com a autoridade que monetiza.

 

Nessas circunstancias, mal chega a surpreender que premissas contratuais não mais acompanham o célere movimento disruptivo em que vivemos, onde cada um de nós será um agente da mídia, formador de opinião e, sobretudo, alvo dos mais variados disparos de contratação e ofertas. Os imprecisos conceitos de vulnerabilidade do consumidor, por exemplo, sucumbem ainda mais na Idade Digital, uma vez que as grandes, pequenas e médias empresas estão cedendo espaço para um novo público, sedento por oportunidades, postos de trabalho, fama, sucesso e, principalmente, estimulados por experts que abraçam temas variados da sociedade para vender soluções renovadoras e sofisticadas.

 

Percebeu-se que o famoso B2C (negócio para o consumidor) que encabeça o e-commerce avança para uma nova técnica operacional de vendas na internet, ofertando ao público pessoa física ferramentas – suficientes ou não – aptas a impulsionar o sucesso que o sujeito almeja nas telas dos smartphones, promovendo a abertura de cursos que ensinam o interessado a se arvorar no mundo digital para vender seus conhecimentos, bastando que descubra seu talento – espécie de teste vocacional da modernidade. 

 

Essa dinâmica comercial que vem sendo aplicada e potencializada pelo sucesso das redes sociais traz para o âmbito jurídico novos e sequenciais desafios que crescem – também – em formato de escala, de modo que o sistema legislativo e pratica dos Tribunais não demonstram preparo para tamanha avalanche de contratações, os novos e simplificados instrumentos que darão azo as negociações e, por fim, seus desdobramentos finais que se esperam em um futuro próximo.

 

Uma das frentes que se pode enumerar, refere-se aos experts que ocupam o topo do mercado digital e o caráter versalista dos seus serviços, atingindo todos os públicos no intuito de promover o sucesso generalizado dos interessados atrás das telas. Os anúncios, portanto, perpassam pela ideia de que todo ocupante do mundo digital, munido de um celular e o mínimo de desenvoltura, poderá se promover na internet, lançando conteúdo diário passível de venda e, através de um manual meticuloso de convencimento, expectativa e conversão neste mercado, estará apto a embolsar dígitos inimagináveis.

 

Erico Veríssimo em Incidente em Antares dizia que “Quando os fins são bons, as vezes temos de fechar os olhos para a natureza dos meios”. É nesse ponto que o ordenamento jurídico ganha espaço ao notar o brilho da cobiça dessa nova economia inovadora e necessita proteger adequadamente os que flutuam em terreno fecundo para contratações em massa de info ou mega-produtos, assim como trazer segurança para os antigos e novos empresários que navegam em aguas ainda não desbravadas que merecem ser exploradas a fundo.

 

Sites de reclamação já apontam uma sequência de produtos digitais que falham na entrega, não respeitam o pequeno pedaço do direito de defesa do consumidor que ainda guarda fala nessas relações, apresentam contratos virtuais falhos e sem estrutura de segurança, quando os mecanismos de atendimento ao cliente acabam em burocracia sem o devido amparo e ajuste na lei pertinente.

 

Lado oposto, os empresários que estão migrando para o digital e aqueles entusiastas do futuro na nuvem devem correr para se adaptar. Parafraseando Walter Longo, “se antes tínhamos de andar para não ficar no mesmo lugar, agora temos de correr para não sair do lugar”.

 

Ademais, Circulando por outros ambientes ainda no tema digital e o direito, os estudos apontam que estamos à beira de uma revolução na quantidade de vagas que serão oferecidas em todos os mercados profissionais do planeta. As pesquisas indicam a geração de milhões de empregos globalmente oferecidos, de modo que os postos de trabalho também enfrentarão mudanças, sobrecargas de novas formas de contratações, de maneira que o ordenamento jurídico, também, deverá promover a ordem e harmonia desses acontecimentos.  

 

Mesmo em um remoer constante de uma ideia futura, é prudente dizer que os avanços atuais não se botam fora como a água suja de um banho. Se os consumidores são impacientes e seus padrões são implacáveis, quando esperam que as marcas saibam intuitivamente o que eles precisam e quando precisam, significa que os consumidores exigem criatividade na oferta dos serviços e não perdoam erros e, além disso, desejam manter seus dados pessoais resguardados.

 

Nesse paradigma contemporâneo e futuro, a Lei de Proteção de Dados (n° 13.709/2018) altera o marco da orientação civil da internet dos idos de 2014, trazendo nova roupagem para a proteção de dados dos contratantes, sobretudo no âmbito digital. O escopo – sem detalhar a legislação em comento – é disciplinar o exponencial crescimento de uma possibilidade nunca vivida de cruzamento de dados no país. Esse efeito exponencial de individualidade através de doação compulsória de dados é a condição primaria para as empresas elaborarem suas estratégias de comunicação, ou seja, estar-se-á diante de uma nova corrida do ouro que encontra-se, na medida do possível, protegida pela Lei de Proteção de Dados.  

 

O gentil leitor que chega ao fim desse arraial de informação, certamente questione o desfecho desse texto. A imbricada equação entre o mundo ultraconectado, legislação civil que resguarde as contratações virtuais que estão surgindo, assim como a orientação jurídica necessária para aqueles que atravessam esse portal com sede de explorador, refletem, ao nosso sentir, o desafio da modernidade.

 

A evolução da tecnologia foi muito mais rápida quando a comparamos com a nossa capacidade de definição e elaboração de valores éticos para guiá-la, assim como a parca oferta legislativa e jurisprudencial aptas a oferecer segurança para o mundo que se aproxima. O desafio é: Como daremos suporte jurídico a essa nova Era de ciência intensiva em dados? Citando Niall Ferguson em seu livro A Praça e a Torre, “se antes a sombra da torre protegia a praça, agora é o brilho da praça que ilumina a torre”. Eis, aí, o novo paradigma do operador do direito, fazer com que a antiga pirâmide volte a fazer sobra nas relações jurídicas que surgem.

 

*Rodrigo Raiol é advogado, especialista em Direito Civil e Consumerista

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias