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Uesc: fruto da nossa luta e patrimônio social da região

Por Wenceslau Augusto dos Santos Junior

Uesc: fruto da nossa luta e patrimônio social da região
Foto: Divulgação

A Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) completou ontem, dia 5 de dezembro, 30 anos de existência enquanto universidade pública. A instituição foi criada pela Lei Estadual nº 6.344 de 5 de dezembro de 1991.

 

Porém, a UESC não nasceu do acaso. Sua história carrega marcas indeléveis da vida de diversos protagonistas que, em cada momento histórico, acrescentaram um tijolo. Às vezes tijolo físico mesmo, às vezes tijolos políticos importantes, até porque uma universidade é construída, sobretudo, com pessoas, ideias e produção de conhecimento.

 

A UESC teve como embrião as três faculdades isoladas que existiam na região: a Faculdade de Filosofia de Itabuna (FAFI), a Faculdade de Direito de Ilhéus (FDI) e a Faculdade de Ciências Econômicas de Itabuna (FACEI). Em 1974, as instituições se uniram em torno da Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna (FESPI), que tinha como mantenedora a Fundação Universidade de Santa Cruz (FUSC), provida principalmente com recursos da taxa de retenção sobre a exportação de cacau recebida pela Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), que financiou a construção do campus em terreno doado pela família Nabuco.

 

A conjuntura favorável dos tempos de ouro do cacau possibilitou as condições para a edificação da estrutura física e manutenção dos salários de professores, servidores e custeio até o final da década de 1980, quando a crise da lavoura e o fim do repasse dos recursos da taxa de retenção de exportação de cacau geraram uma crise sem precedentes no financiamento da CEPLAC.

 

Até então a parte mais significativa dos custos era financiada com recursos repassados pela CEPLAC para a FUSC, sendo que uma pequena parcela era custeada com a cobrança de mensalidades dos alunos. Porém boa parte dos estudantes era beneficiada com bolsa integral.

 

Com a crise iniciada em meados da década de 1980, a solução encontrada pelos dirigentes da instituição foi transferir os custos decorrentes da ausência de repasse dos recursos da CEPLAC para as mensalidades. A reação dos estudantes foi enérgica, até porque houve aumento em torno de 300% nas mensalidades, levando a um marco importante: a famosa fogueira dos carnês, que foram queimados em uma histórica manifestação.

 

A partir daí, iniciaram os debates em busca de uma saída institucional para a crise. Alguns defendiam que a instituição fosse assumida pela CEPLAC, uma visão no mínimo ingênua, pois o problema decorria da crise da própria instituição mantenedora. Outros defendiam a federalização, porém a maré de privatizações já era uma realidade, bem como a redução do orçamento da União para o ensino superior, pressionada pela movimentação do capital internacional que estava interessado nesse mercado. Um pequeno grupo defendia a privatização, que também não tinha lógica, pois a maioria esmagadora dos estudantes era oriunda da classe trabalhadora e não tinha condições de arcar com os custos das mensalidades. A opção vitoriosa surgiu da experiencia e perspicácia dos comunistas que dirigiam o movimento estudantil desde a reconstrução, em 1982, após o período mais duro da ditadura militar.

 

Jovens à época, Davidson Magalhães, Gustavo Silveira, Fátima Freire e Renan Araújo haviam sido designados para construir o partido no Sul da Bahia. Além do movimento sindical, da luta pela reforma agrária e do movimento comunitário, o partido se concentrou em organizar o movimento estudantil. Davidson havia sido transferido do curso de Economia da Faculdade Frederico de Salvador para a FESPI. Depois, tornou-se professor e vereador em Itabuna. Ele era o principal cérebro que orientava o movimento estudantil. Dos nove presidentes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da FESPI, de 1982 até a conclusão da estadualização em 1991, apenas um não tinha relação com os comunistas. Pela ordem, ocuparam o cargo: Marina Silva, Joabes Ribeiro, Leonicio Guimarães, Jorge Barbosa, Déa Jacobina, David Pedreira, Cosme Nunes, Élvio Magalhães e Wenceslau Junior.

 

Tive a honra de presidir o DCE da FESPI no ano da estadualização. Na gestão anterior, presidida por Élvio Magalhães, que iniciou o maior e mais amplo movimento de massas da região, a campanha que teve como slogan “FESPI, ou estadualiza ou pifa! Não deixe esse coração parar de bater!”, participei como secretário de Imprensa e, na sequência, como presidente do DCE, continuamos a luta que culminou na vitória final em dezembro de 1991.

 

Jamais poderia deixar de registrar o papel de políticos como o deputado federal Haroldo Lima, o deputado estadual Luiz Nova, ambos do PCdoB, dos prefeitos de Itabuna e de Ilhéus, Ubaldo Dantas e Jabes Ribeiro, respectivamente, bem como de várias lideranças docentes e de funcionários da FESPI que atuaram bravamente na luta.

 

O então governador Waldir Pires deu o pontapé inicial, na luta dirigida por David Pedreira, quando assumiu os custos de manutenção, inclusive os salários de professores e técnicos, criou a Fundação Universidade de Santa Cruz (FUNCRUZ), fundação de direito público que substituiu a FUSC, fundação de direito privado, possibilitando o repasse de recursos do orçamento estadual para manter a instituição. Além de ter incluído na Constituição Estadual de 1989, no ato das disposições transitórias, a obrigação de criação da UESC.

 

Antônio Carlos Magalhães, após ser eleito governador, em janeiro de 1991, declarou em entrevista publicada nas páginas amarelas da Revista Veja “que não iria criar mais nenhuma universidade, pois a responsabilidade do estado da Bahia era com o ensino de primeiro e segundo graus e que o terceiro grau era responsabilidade da União”. Porém o movimento ganhou grande proporção e amplitude que pressionou o gestor a institucionalizar aquilo que já era uma realidade: o financiamento estadual da FESPI. Portanto, embora se comemore 30 anos de UESC em 5 de dezembro, em razão da promulgação da lei, a conquista da gratuidade ocorreu no Governo Waldir Pires em 1988.

 

Segundo informações extraídas da própria página da UESC, podemos constatar a grandiosidade alcançada e o futuro promissor que nos aguarda:

 

“Por essas características, a Uesc consolidou sua influência no cenário nacional e já acolhe estudantes dos 26 estados e do Distrito Federal. Tem convênios de cooperação científica com 37 instituições de ensino de 19 países, além do intercâmbio internacional de estudantes e professores. Isso é fruto do reconhecimento ao trabalho responsável e de qualidade realizado na instituição. O desempenho da comunidade acadêmica no ensino, na pesquisa e na extensão, nessas três décadas, fez a Uesc alcançar uma posição de excelência junto ao Ministério da Educação e a rankings internacionais, em uma escala ascendente. Segundo o levantamento realizado pelo THE (Times Higher Education) em 2021, a Uesc já é a segunda instituição de ensino superior mais importante no cenário da Bahia e ocupa o 87º (octogésimo sétimo) lugar entre as universidades latino-americanas.”

 

Diante do momento que atravessamos no nosso país, onde a negação da ciência, o preconceito, a violência e a orientação de cunho fascista que emana de um governo que não representa a maioria e a diversidade que caracteriza o povo brasileiro, é importante resgatar a história de luta de jovens estudantes que sonharam e conseguiram transformar em realidade uma universidade pública, gratuita e socialmente referenciada. Os atores que deram sequência à construção da instituição tiveram a capacidade de construir uma universidade que enche a todos nós de orgulho.

 

Parabéns a todos e todas que participaram da história de edificação da UESC! Parabéns ao Reitor Alessandro Fernandes que, mesmo diante da pandemia, tem realizado um trabalho de excelência à frente da instituição.

 

*Wenceslau Augusto dos Santos Junior foi presidente do DCE – FESPI/UESC (1991-1992), vereador de Itabuna (2004-2008), vice-prefeito e secretário de Planejamento e Tecnologia de Itabuna (2013-2016). Atualmente, é advogado professor do curso de Direito da UESC, assistente do diretor-presidente da Bahiagás e mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela Unifacs

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias