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Contrastes: a cidade e a cidadã

Por Marta Castro Luzbel

Contrastes: a cidade e a cidadã
Foto: Acervo pessoal

Quando eu viajava com frequência, desenvolvi um hábito muito particular: no retorno para casa, sempre reservava meu assento do lado direito do avião.

 

O céu não tem ruas nem avenidas, mas os aviões seguem rotas pré-definidas. E quando a gente voa muito, sabe exatamente o caminho que a aeronave vai seguir.

 

Em Salvador, os aviões entram pelo subúrbio ferroviário e pegam a Avenida Paralela até chegar ao aeroporto. A depender do lado que estamos sentados, vemos duas cidades completamente diferentes.

 

Na direita, a orla, os bairros nobres com lindos prédios. Na esquerda, a periferia, o lixão. Eu escolhia a direita não só porque era mais bonito, mas também porque não queria ver a miséria, a pobreza. A miopia muitas vezes nos é conveniente.

 

O curso de psicologia arrancou minhas vendas. Fui exposta, escancaradamente, ao lado esquerdo da vida. Não que não fosse sensível ao social. O problema era o oposto: sou extremamente sensível e encarar a realidade muitas vezes é insuportável.

 

Nos meus onze anos trabalhando com Responsabilidade Social Corporativa, agora ESG, sempre preferi as ações na zona rural, onde havia pobreza, mas havia também dignidade. Na cidade, a miséria tira até isso das pessoas.

 

Ando navegando bastante e olhando a Bahia com meu novo olhar. Outro dia subi o Paraguaçu e, onde antes só via a natureza, hoje enxergo casebres sem reboco, sem saneamento, monumentos abandonados. Um descuido com as pessoas, com a cultura, com a história. Na baía de todos os Santos, não é diferente. A Salvador vista do mar tem os mesmos contrastes da Salvador vista do céu, porque somos contraste.

 

Eu costumava dizer: “se o interior está em paz, o exterior tanto faz.” Até que ouvi de minha cozinheira, que é super de bem com a vida, que precisaria abandonar sua casa, que ajudamos a arrumar, porque a milícia tinha tomado a comunidade dela e ela e as filhas viviam em clima de terror. Então, o interior é fundamental, mas exterior conta sim. E muito. Também aprendi isso na psicologia.

 

Estudos mostraram que os países nórdicos são os mais felizes devido a equidade econômica e social. Além disso, o frio excessivo estimula a reunião e a união das pessoas, a socialização e o suporte.

 

Salvador é mesmo bonita? É mesmo a terra da alegria?

 

Sim, somos as duas coisas: o belo e o feio, o rico e o pobre, a alegria e a dor, o sagrado e o profano, a sombra e a luz. Somos isso como cidade e cidadãos.

 

Sou a que tapava os olhos, mas sou a que ajuda quem trabalha comigo. Sou a que fecha o vidro no semáforo, mas que pode passar horas conversando com o ambulante na praia. Sou a que não vê televisão, mas que faz atendimento voluntário. Também sou contraste.

 

Nos exames de imagem, os contrates são usados para prover um melhor diagnóstico e tratamento. Estou pronta para ver a realidade sobre mim e sobre mundo a minha volta e para agir sobre ela. Viajo em breve e já reservei o assento do retorno, desta vez do lado esquerdo da aeronave.

 

*Marta Castro Luzbel é escritora, consultora empresarial e coach profissional

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias