Uma breve reflexão acerca das recentes alterações tributárias
por Roberta Maia Broder

Nos últimos dias, a vida dos contribuintes tem estado bastante agitada com as recentes alterações feitas pelo Poder Executivo, bem como pelos curiosos posicionamentos do STF. Foi redução de IPI sobre armas - afastada pelo STF através de decisão liminar por entender inconstitucional; redução de alíquota do PIS e COFINS para gás de cozinha e diesel; majoração de alíquota de CSLL para pessoas jurídicas do setor financeiro, mudança na noção de faturamento para efeitos de integrar a base de cálculo de CPRB e o reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança de diferença de alíquota de ICMS para consumidores finais não contribuintes do referido imposto, que teve a surpreendente modulação dos efeitos para 2022.
Por óbvio que as consequências das alterações realizadas pelo executivo e entendimentos contraditórios do STF vão muito além da majoração ou redução da carga tributária ou da arrecadação, pois geram insegurança jurídica para os investidores e empresários que, além de afetados pela majoração dos tributos, observam a reiterada intervenção estatal em diversos setores da economia.
Em todos os casos as medidas de redução de tributos de alguns setores têm por justificativa a função extrafiscal. Explico: existem tributos que possuem função eminentemente arrecadatória, como é o caso do Imposto de Renda, Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Imposto sobre Serviços. Mas existem tributos que possuem função extrafiscal, ou seja, ele é cobrado a mais ou a menos para regular o mercado, seja para baratear o custo de um produto necessário para toda a população, quanto para desestimular o consumo de certos produtos.
Exemplo muito claro da função extrafiscal de um tributo é o IPI, o qual possui alíquotas maiores para cigarros e bebidas a fim de desestimular o consumo, por serem produtos danosos a saúde pela população, ao passo que as alíquotas para produtos de primeira necessidade são normalmente reduzida a fim de tornar o produto mais acessível para todos. Outros exemplos de impostos extrafiscais são o Imposto de Importação (II) e o Imposto de Exportação (IE).
No caso da redução da alíquota para zero do IPI sobre armas de fogo, o Governo justifica a extrafiscalidade com base do direito fundamental à segurança, entretanto, o Min. Luiz Edson Fachin, do STF, suspendeu a Resolução nº 126/2020 que zerou a alíquota sob a fundamentação de que “cabe ao estado diminuir a necessidade de haver armas de fogo, por meio de políticas de segurança pública”. Nesse contexto, cabe indagar se o STF pode afastar redução de alíquota do IPI por não considerar válida a motivação extrafiscal estabelecida pelo Poder Executivo, e essa resposta só iremos obter com o julgamento de mérito da ação em curso do STF.
Já a redução das alíquotas do PIS e da COFINS através do Decreto nº 10.638/2021 respeita a exceção ao princípio da legalidade expressamente constante no art. 27 §2º da Lei nº 10.865 e convalidada pelo STF em recente julgamento, mas ao prever sua aplicabilidade a partir de março acaba por violar o princípio da anterioridade nonagesimal (leis tributárias só podem vigorar 90 dias após a sua publicação), mas é óbvio que por se tratar de redução de tributos ninguém deve reclamar sobre a aplicação antes de vencido o prazo de 90 dias. Com toda certeza se fosse o caso de reestabelecimento de alíquotas já teríamos inúmeros contribuintes recorrendo ao judiciário para afastar a cobrança majorada antes de decorridos 90 dias da publicação do decreto.
Medida mais pesada e impactante e que tem função arrecadatória - até para compensar a perda de receita decorrente das reduções dos tributos incidentes sobre gás de cozinha e diesel - foi a majoração da alíquota de CSLL para as pessoas jurídicas do setor financeiro – instituições bancárias terão alíquotas majoradas de 15 para 25%, o que levou a uma completa instabilidade de tais empresas no mercado financeiro, com enorme oscilação negativa do preço das ações na bolsa de valores.
Nesse caso a majoração da alíquota se deu através da Medida Provisória nº 1.034/2021, que deverá ser validada pelo Congresso Nacional, submetendo-se ao princípio Constitucional da Legalidade. Também em respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal (eficácia apenas 90 dias a partir da publicação da lei), a CSLL com as alíquotas majoradas só serão exigidas a partir de 01 de julho de 2021.
Nesse ponto vale destacar que a Medida Provisória nº 1.034/2021 poderá ou não ser convertida em lei pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias prorrogáveis por mais 60 dias. Caso o Congresso não converta total ou parcialmente a MP em lei, os dispositivos não convalidados perderão a sua eficácia desde a data da sua publicação. Alterar a legislação tributária por Medida Provisória não nos parece um caminho acertado, sujeitando o contribuinte à insegurança jurídica que pode passar a sofrer com a alíquota majorada do tributo sem que seja aprovada em definitivo sua exação, como já aconteceu tantas outras vezes em nosso País.
E as surpresas para os contribuintes não param por aí, e o STF não para de inovar em seus julgamentos. Senão o que foi o recente julgamento da ADIN nº 5.464, através do qual o STF entendeu que a cobrança de Diferença de Alíquota do ICMS – Difal - envolvendo consumidor final não contribuinte pressupõe a existência de Lei Complementar Federal, sendo, portanto, inconstitucional a cobrança até aqui realizada, já que inexiste a LC até a presente data ? Entretanto, o STF modulou os efeitos para que as cobranças passem a ser consideradas indevidas apenas em 2022, ou seja, embora inconstitucional será mantida por mais longo período!!!
Assim, é de se concluir que nos últimos meses a segurança jurídica está passando longe do contribuinte, seja pela interpretação das matérias dada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelas incansáveis edições de leis e atos normativos que ora aumentam ora reduzem as alíquotas dos tributos; ora concedem benefícios fiscais (sim, a alíquota zero gera um grande benefício ao contribuinte), ora revogam os benefícios no reestabelecimento de alíquotas através de atos normativos infralegais.
Seja para o bem do contribuinte ou para o mal, a Constituição Federal deve sempre ser respeitada, a fim de garantir a segurança jurídica de nosso já tão confuso sistema tributário brasileiro.
*Roberta Maia Broder é advogada tributarista, sócia do Nogueira Reis Advogados, Mestranda em Direito Tributário Profissional pela FGV e especialista em negociação pelo Program on Negotiation da Harvard Law school
*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias
Notícias Mais Lidas da Semana
Podcasts

'Terceiro Turno': Abrimos na hora certa? A retomada das atividades em Salvador
Após um mês fechadas em uma tentativa de reduzir a contaminação pela Covid-19, as atividades econômicas não essenciais foram retomadas em Salvador e na Região Metropolitana nesta segunda-feira (8). Para justificar a reabertura, prefeitura e governo do estado dizem que os números indicam tendência de melhora da crise sanitária. No entanto, a volta das atividades acontece em um cenário ainda crítico da pandemia. Diante da situação ainda nada favorável, os apresentadores Jade Coelho, Mari Leal e Bruno Luiz discutem no episódio 72 do Terceiro Turno: “Reabrimos na hora certa?”
DESENVOLVIMENTO SALVANDO VIDAS
Ver maisFernando Duarte

ACM Neto indica tom para 2022: apostar no duelo entre 'novo' e 'velho'
Na última sexta-feira (9), o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), reuniu a imprensa da capital baiana para “matar a saudade”, segundo o discurso. Foram quase dois meses submerso após o episódio envolvendo a chegada do ex-afilhado João Roma (Republicanos) ao Ministério da Cidadania, que pressionou o presidente nacional do DEM como avalista de uma aproximação do partido com Jair Bolsonaro. A conversa bem informal apresentou alguns dos pontos a serem explorados até as urnas em 2022 e tentou mantê-lo como uma voz ativa na cena local.
Buscar
Enquete
Artigos
A fragilidade e letargia do sistema penal brasileiro
Ramón Gómez de la Serna, célebre e fecundo escritor espanhol, assim referiu-se a Franz Kafka: “Muerto precozmente, así se libró de que le dijesen las malas palavras de “si imita a si mismo”, pero que quede bien asentado para siempre que nadie se parece a FK. Solo se parece a FK el verdadero FK!!” Seguramente, e como bem dito no trecho acima, a ninguém é dada a dádiva de sequer parecer-se com Kafka. Igual sorte, contudo, não encontrou suas obras, uma em especial, “O Processo”, que pela vida foi, infortunadamente, imitada. Na citada obra literária temos Josef K., atônito protagonista de um romance que conta a história de um indivíduo que é processado sem saber o motivo, numa cristalina crítica ao sistema judiciário que, de forma autoritária, sem oferecer-lhe condições de defesa, ou ao menos conhecimento das razões da acusação, faz-lhe sucumbir à claustrofóbica exaustão. Já na vida real, ainda que se assemelhe à mais grotesca ficção, o protagonista, não de um romance, mas de uma verdadeira “via crucis” (uma vez que encarcerado por mais de 15 anos) é o Cícero, um nordestino, cearense, desumanizado sem que sequer houvesse um processo contra si, quase sem voz, não fosse a intercessão do Dr. Roberto Duarte, vocacionado advogado de Juazeiro do Norte-Ce, na mais verdadeira acepção da palavra.