Além de chorar os mortos, choremos pelos desempregados. Até quando?
por Olívia Santana

O anúncio de que a Ford encerrará suas atividades produtivas no Brasil, fechando suas três fábricas, Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE), foi como uma implosão dos sonhos de quem trabalhava na montadora de automóveis e tinha virado o Ano Novo com votos de esperança e expectativa de dias melhores em 2021. Mas, como nosso povo diz que notícias ruins aparecem juntas, os noticiários dão conta de que a Mercedes-Benz vai desativar sua fábrica de Iracemápolis, no interior de São Paulo, e que a Audi vai deixar de produzir o Audi A3 Sedã em nosso país.
Sabemos que o capital não tem pátria, tem conveniências lucrativas. Não abre mão de parques fabris que dão lucro. Não se concentra na Argentina, no Uruguai, mercados menores que o do Brasil, para perder dinheiro. Então, por que a Ford, e essas outras grandes empresas, estão saindo do Brasil?
O assunto é complexo. Os modelos tradicionais dos carros de passeio que conhecemos nas últimas décadas já não encontram mercados ascendentes, nem estáveis, mas decrescentes. O que aumenta no mundo, nesse setor, são os veículos elétricos e híbridos. O comentarista econômico Celso Ming diz que “a indústria automobilística mundial enfrenta uma revolução”. E que “o governo dos Estados Unidos tende a considerar os carros elétricos e autônomos como imposição regulatória descabida dos países europeus”, a partir do que a indústria americana está “atrasada no desenvolvimento dos veículos com nova tecnologia, caso da Ford e da GM”. E conclui: “a indústria norte-americana está perdendo batalha importante na guerra comercial”. Leve-se em conta que nessa macro movimentação entram em cena forças poderosas do Japão e Coréia e as mais poderosas das ascendentes no momento, as da China.
Devemos dar atenção a esses macros movimentos, para não cairmos nas simplificações grosseiras ao estilo Bolsonaro (“querem subsídios”, ah se fosse só isso) e para sabermos que nossas iniciativas, no sentido de fazer com que essas decisões voltem atrás tem chances diminutas.
Mas, se há os ingredientes referidos relativos a processos globais, há também os agravantes locais do país desgovernado que é o nosso, sem política industrial, sem estabilidade política, nem jurídica, que não investe em ciência, tecnologia e inovação e, para resumir, dirigido por um alucinado, cercado de lunáticos. Por aí entende-se a preferência dessas empresas pela Argentina, pelo Uruguai.
Chama a atenção que, diante de tudo isso, nenhum pronunciamento consistente do Presidente tresloucado. Suas declarações não passam de provocações e descaso.
O Brasil não investe no seu desenvolvimento industrial, não consegue segurar as empresas que se instalaram aqui, continua atrasado na vacina, na compra dos insumos para realizar uma campanha nacional de vacinação, enquanto mais de 200 mil vidas se esvaíram, vítimas da covid-19. E o horror de pacientes asfixiados em Manaus nos dá a real dimensão do caos.
Não há um projeto de nação, muito menos um líder para comandá-lo. Há um desgoverno, que nos puxa, cada vez mais para um buraco sombrio, sem sol, sem esperança. O mandato de uma presidenta veio facilmente abaixo por uma suposta pedalada fiscal. O que veio depois foi a ascensão de uma besta-fera, entronizada no palácio presidencial. Até quando vamos continuar assistindo a uma hecatombe acontecer, sem nada fazer?
A nossa responsabilidade para com os mais de 5.000 trabalhadores só da fábrica de Camaçari deve nos levar a exigir da Ford compensações adequadas aos problemas sociais criados. Não devemos deixar barato para a Ford o que está acontecendo, porque não são pequenos os danos que se abatem sobre os desempregados. Indenizações apropriadas, realocação de mão de obra, continuidade por certo tempo de assistências sociais são pleitos dos quais não podemos abrir mão.
No caso da Bahia, é justo e alvissareiro o esforço do governo do estado para o encontro de alternativas como a de buscar outras empresas que possam assumir a continuidade da produção, incorporando a representação dos trabalhadores. Em qualquer dessas providências, deve-se mesmo reforçar o papel dos sindicatos e centrais sindicais. Sem a mobilização dos trabalhadores, nada vai andar. Afinal, eles são os primeiros prejudicados com a suspensão do funcionamento do parque fabril da Ford, em Camaçari .
A esperança de dias melhores se renova com a vacina, mas a luta está apenas começando.
* Olívia Santana é deputada estadual pelo PCdoB
*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias
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