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Provimento Conjunto 16/2020: uma nova realidade nos cartórios de imóveis

Por Ricardo Belmonte

Provimento Conjunto 16/2020: uma nova realidade nos cartórios de imóveis
Foto: Acervo pessoal

O Provimento Conjunto nº. CGJ/CCI-16/2020-GSEC surgiu a partir das reiteradas queixas que foram levadas às Corregedorias do TJBA por parte de entidades e da sociedade baiana como um todo, com relação aos serviços prestados pelos cartórios de registro de imóveis do Estado.

 

Os serviços notariais e de registro, embora por delegação do poder público, são exercidos em caráter privado. Isso confere uma dinâmica empresarial à estrutura de um cartório extrajudicial : quanto maior for sua demanda, maior será a sua arrecadação; quanto melhor o seu serviço, maior a sua competividade. Acontece que, no contexto imobiliário, esta última premissa só é válida para o sistema notarial, pois o regime de exclusividade do cartório de registro em sua circunscrição geográfica permite ao seu delegatário uma atuação sem concorrentes.

 

Além da falta do elemento concorrência, também não há preocupação com inadimplência e nem mesmo uma vinculação da arrecadação com a velocidade do serviço: os emolumentos são integralmente pagos à serventia no ato da solicitação do serviço, sem garantia de que será prestado (hipótese em que o valor deverá ser restituído por outro órgão) e também sem uma perspectiva realista de tempo para sua conclusão. Ou seja, uma posição de conforto que fornece as condições ideais para quem não quer ou não precisa se aperfeiçoar.

 

É preciso que se diga que, como em todo lugar, há Serventias melhores e outras piores. O fato é que, historicamente, algumas Serventias foram tragadas para esse ambiente de inércia natural, o que resultou na prestação de serviços demorados, na apresentação de notas devolutivas em sequência e de forma “fatiada”, muitas vezes com exigências trazidas em doses homeopáticas e, pior, sem fundamento legal. Infelizmente, muitos Registradores passaram a “legislar” de forma indevida dentro de suas circunscrições, supostamente em nome de um nível de segurança jurídica que parece inalcançável.

 

Aqui, um parêntesis: quando a segurança jurídica “passa do ponto”, ela veste a roupa da burocracia; e a burocracia, por sua vez, é inimiga do acesso, da inclusão e, portanto, da democracia. Mas, qual seria a medida exata? A resposta é: o cumprimento da legislação em seu sentido estrito, sem inovações ou interpretações ampliativas/arbitrárias que ameacem a boa prestação do serviço.

 

É nesse contexto que o Provimento em questão foi editado aqui na Bahia. Considerando que a mudança da realidade (quase feudal) do regime de exclusividade das circunscrições dependeria de alteração de lei federal (embora haja desejo crescente da população nesse sentido), as Corregedorias do TJBA inovaram estabelecendo uma sistemática cuja intenção é impulsionar os Registradores para o caminho da eficiência.

 

De novo: é claro que há alguns cartórios excelentes; outros bons ou regulares; mas são inesquecíveis aqueles cujos serviços prestados são péssimos.

 

Então, a partir de agora, para todo e qualquer pedido de registro apresentado junto a um cartório de imóveis baiano, só será exigível inicialmente o emolumento relativo à prenotação do título (R$ 51,02, conforme valor da tabela atual), complementando-se o valor para atingir aquele previsto para a prática do ato em si somente após a análise e qualificação do título apresentado que venha a habilitá-lo (ou não) para registro.

 

Mas, o que seria prenotação? Basicamente, a prenotação nada mais é do que a anotação prévia e provisória realizada pelo oficial no protocolo do cartório toda vez que um título é apresentado com a intenção de registro, o que lhe garante a prioridade em relação a outros títulos porventura apresentados posteriormente.

 

E quais as vantagens dessa nova sistemática para o público? Tendo em vista que a arrecadação se dará somente após a análise e qualificação do título, a tendência natural é que os cartórios fiquem mais atentos à celeridade e à eficiência dos seus procedimentos, cuidando para que o exame seja apresentado não apenas dentro do prazo, mas também de uma única vez, trazendo as eventuais pendências de forma consolidada e inibindo exigências desnecessárias e/ou sem fundamento legal. Além disso, o interessado só arcará com o valor do emolumento do registro definitivo quando (e se) tiver a certeza de que o título já está apto para isso, evitando ter que se submeter a um (muito burocrático) procedimento de restituição junto à Coordenação de Arrecadação do TJBA (COARC) no caso da impossibilidade do registro por qualquer motivo.

 

É preciso lembrar que ninguém paga um emolumento pelo simples fato de acionar um cartório extrajudicial (como acontece, por exemplo, no serviço judicial). Paga-se pela prática efetiva de um ato, ou seja, poderíamos até dizer que se trata de uma obrigação de resultado. Isso significa que o que está acontecendo agora com as serventias de imóveis é apenas a sua adequação a uma ordem geral da vida cotidiana: o pagamento integral somente com a certeza da realização do serviço. O mundo funciona assim.

 

Naturalmente, algumas críticas já foram apresentadas pelos Registradores – basicamente, os únicos que parecem se opor a essa nova medida, por razões óbvias.

 

A primeira objeção diz respeito a uma suposta violação ao caput do Art. 14 da Lei de Registros Públicos (nº. 6.015/1973), que tem a seguinte redação: “Pelos atos que praticarem, em decorrência desta Lei, os Oficiais do Registro terão direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados nos Regimentos de Custas do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios, os quais serão pagos, pelo interessado que os requerer, no ato de requerimento ou no da apresentação do título”. Nesse particular, não há violação alguma, pois o pagamento pelo ato de registro vai continuar acontecendo antes da sua prática e isso não mudou com o Provimento. A prenotação é um ato em si mesmo, independente e anterior ao registro e com taxa específica. A inovação do Provimento reside apenas na imposição de que o ato de registro seja necessariamente precedido pelo ato de prenotação, não havendo qualquer vedação legal nesse sentido.

 

Na sequência, sustentam que para o procedimento de análise e qualificação de um título já existe o serviço de exame e cálculo (no mesmo valor da prenotação), esquecendo de dizer, todavia, que esse procedimento, além de ser excepcional por sua própria definição normativa, não confere ao interessado a preferência e a prioridade do seu título. Além disso, esse argumento se esquiva da realidade, na medida em que a intenção principal do Provimento está clara: buscar uma maior eficiência no serviço registral, ao suspender a possibilidade de arrecadação da serventia até o momento em que o seu trabalho de análise e qualificação do título tiver sido concluído, efeito que não seria gerado caso o expediente de exame e cálculo continuasse sendo uma via eletiva e não uma parte inexorável do próprio procedimento de registro, antecedendo-o de forma mandatória.

 

Argumentam também que a edição desse novo Provimento coloca na conta das Serventias uma “culpa” que seria exclusiva da já referida burocracia que envolve a restituição do valor da taxa junto à COARC do TJBA, não encarando de frente o fato inegável de que a medida surgiu da própria insatisfação da população com os serviços prestados pelos cartórios, de modo que esse procedimento (de restituição) é tão somente mais um capítulo na odisseia kafkiana protagonizada pelo cidadão baiano que precisa utilizar o sistema de registro de imóveis. De todo modo, a reboque da discussão em torno do Provimento, ganharam força as críticas ao mecanismo dos DAJEs, mas isso já é outra discussão, complementar – e não prejudicial – à questão de que ora se trata.

 

Na sequência, tentam convencer que a necessidade de expedição de dois DAJEs (ao invés de apenas um) tornará caótico o funcionamento das serventias, como se o cidadão baiano ainda tivesse o que temer.

 

Por fim, quando cedem relativamente aos contra-argumentos que apontam as falhas na própria prestação do serviço registral, os Registradores lembram que “os bons não podem pagar pelos maus” e que, para isso, existem os órgãos de controle para punir (Corregedorias e CNJ) e a possibilidade de judicialização para buscar a responsabilização daqueles oficiais que causarem danos a um particular. Sem nem adentrar no mérito sobre a baixíssima recorrência na prática de uma coisa (punição) ou outra (reparação), esquecem os Registradores de um outro velho ditado: “prevenir é melhor do que remediar”.

 

*Ricardo Belmonte é sócio do Pamponet, Belmonte, Diniz e Silvany Advogados

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias