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Cachoeira, território de libertação

Por Manoel Passos Pereira

Cachoeira, território de libertação
Foto: Acervo pessoal

O dia 24 de agosto de 1820 foi um dia significativo para o desenrolar do processo que levou o Brasil a se separar de Portugal, quando as tropas e um contingente considerável de portugueses abandonaram a Província da Bahia e voltaram para sua terra natal. A Revolução Vintista representou a queda do Absolutismo Monárquico e o surgimento do liberalismo como um novo modelo de governança. É importante entender o que foi e o que representou o Vintismo neste momento em Portugal, pois esta Revolução se caracterizou como um movimento constitucional que derrubou o absolutismo monárquico, manteve a monarquia com a realeza da família de Bragança e criou as Cortes, que eram uma espécie de parlamento que governava acima dos poderes de El-Rei, cujos deputados assumiram as novas ações executivas do Estado português. Foi um momento de transição em que o capitalismo industrial passou a prevalecer e a classe dominante da burguesia a controlar o poder, colocando o absolutismo monárquico em questão, gerando uma crise ao sistema mercantil. As Cortes chegaram ao ponto, de na sessão de 27 de junho de 1822 os deputados Vintistas discutiram a possibilidade de nomear um novo Regente para o Reino do Brasil que viria a substituir D. Pedro.  

 

As tensões entre baianos e portugueses evidenciaram-se mais com a chegada no porto de Salvador, do navio Danúbio em 11 de fevereiro de 1822, que trouxe a preocupante notícia de ter sido nomeado governador das armas da província o brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo, em substituição do brasileiro Manoel Pedro de Freitas Guimarães.

 

Depois de algumas pendengas entre baianos e portugueses, ocorreu a tomada do poder pelo brigadeiro Madeira de Melo, quando Salvador transformou-se em um campo de guerra, face do comportamento violento das tropas lusitanas, perante a população soteropolitana, ocasionando a fuga da maioria dos militares baianos para as vilas do Recôncavo, como único subterfúgio.

 

Enquanto a cidade do Salvador estava ocupada pelas tropas comandadas pelo brigadeiro Madeira de Melo, as vilas do Recôncavo recebiam um contingente de militares e civis descontentes com a situação de arbítrio em que se encontrava a capital baiana. Os grandes proprietários de terras, escravos e engenhos se empenhavam de inventariar homens, reunir armas e criar condições para manter-lhes. Era inseguro habitar em Salvador para quem era natural da terra, a alternativa eram as vilas do Recôncavo como locais seguros, principalmente para elite, que concentravam suas fortunas nos engenhos de açúcar e suas fazendas aparelhadas com trabalhadores escravos, onde se produziam os gêneros exportação e de primeira necessidade. Após ter se apossado de Salvador, a tática do brigadeiro Madeira de Melo passou a ser exclusivamente defensiva, exceto em duas ocasiões, que teve uns impulsos ofensivos, numa tentativa de ocupar a ilha de Itaparica e outra em uma pequena, mas notável batalha na vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira.

 

Em Cachoeira, os baianos se reuniram na Praça da Regeneração para aclamar D. Pedro como príncipe Regente do Brasil, na Câmara de vereadores desta vila, as 9 horas deste dia 25 de junho, após a aclamação de D. Padro, houve o Te Deum na Igreja da Matriz, a poucos metros da Câmara de Vereadores, o povo com o entusiasmo deste ato, passaram a comemorar dando vivas ao Regente e tiros de festim para o alto. A Canhoneira que estava ancorada em frente da Praça de Regeneração, ao ouvirem os tiros de festim das comemorações do Te Deum na Igreja da Matriz, imaginaram que estivessem sendo atacados pelos nativos, responderam imediatamente com tiros de canhão em direção aos festivos habitantes da vila. Houve uma dispersão geral do povo, enquanto alguns militares se entrincheiraram ao longo das margens do Rio Paraguaçu que reagiram em forma de guerrilha. O mesmo ocorreu do outro lado do rio, no distrito de São Félix, onde fora formada trincheiras de milicianos que passaram a atirar com fuzis em direção a barca lusitana.

 

No primeiro dia da batalha houve somente uma baixa do lado dos baianos, que fora o Tambor-mor José da Silva Soledade, reconhecido como mártir deste histórico episódio. Esta batalha durou três dias de intenso fogo, só no dia 28 de junho que o comandante da embarcação portuguesa ordenou a subida de uma bandeira branca no mastro, reconhecendo a sua derrota. Para suprir a deficiência bélica os baianos recorreram à criatividade para poder alimentar a guerra. Trouxeram uma peça bélica de um engenho de açúcar, denominada de ‘vai e vem’, que lançava pedras e pequenos pedaços de ferros na embarcação lusitana.

 

Com a vitória dos baianos nas margens do Rio Paraguaçu na vila da Cachoeira, as demais vilas do Recôncavo passaram a aderir a causa independentista, ocasionando a união destas vilas com criação de um governo provisório com sede em Cachoeira.

 

 O Recôncavo tornou-se uma unidade do partido brasileiro, neste contexto,as vilas passaram a aderir a causa da independência, enquanto a guerra já estava em curso.  Daí percebe-se a partir da vila de Maragojipe, o alinhamento das outras vilas do Recôncavo à causa da separação de Portugal. Em seguida a   Junta Interina Conciliatória e de Defesa da Cachoeira, enviou cartas às Câmaras de Santo Amaro, São Francisco do Conde e Inhambupe com o mesmo teor da que fora para Maragojipe. As adesões das vilas foram se formalizando, e por consequência fortalecendo o governo paralelo da Cachoeira, que na verdade transformou-se na capital da rebeldia, capital da liberdade, em suma, na capital da libertação. É de conceber-se que esta batalha foi fundamental para o início da guerra que durou um ano, e a sua consequente finalização no dia 2 de julho de 1823, na volta dos portugueses para Europa e a triunfal entrada do exército libertador em Salvador. Sem bairrismo ou corporativismo, o Brasil tem esta saudável dívida com Cachoeira e as cidades do Recôncavo, de terem proporcionado a consolidação do Estado Brasileiro, que deu origem a nação.

 

O 25 junho é considerado a data magna da Cachoeira, sendo comemorado todos os anos com desfile cívico, semelhante às comemorações do 2 de julho em Salvador, com a participação dos caboclos, filarmônicas, fanfarras das escolas e de toda a comunidade. Atendendo o clamor popular da população cachoeirana, a então deputada estadual Lídice da Mata, apresentou o Projeto de Lei nº 11.783/99, em transfere neste dia a capital da Bahia para Cachoeira, em reconhecimento a esta data como Patrimônio Cultural Intangível da Bahia. Este projeto foi sancionado pelo governador Jaques Wagner, disposto na Lei nº 10.695, em 24 de setembro de 2007, reconhecendo este importante episódio que influenciou a formação do Estado Brasileiro. Cachoeira continua sendo a cidade Heróica!

 

*Manoel Passos Pereira é bacharel em História; especialista em Metodologia do Ensino Superior e mestre em História e Patrimônio

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias