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Fake news e seus potenciais reflexos no Direito Penal

Por Vivaldo Amaral / Felipe Augusto de Oliveira Borges

Fake news e seus potenciais reflexos no Direito Penal
Foto: Divulgação

Atualmente, com o constante avanço das tecnologias e consequente aumento da velocidade e facilidade de transmissão de mensagens, a propagação de notícias falsas (ou, como se encontra mais popularmente definido pelo anglicismo, fake news) vem adquirindo extrema relevância em nossa sociedade.

 

Importância essa que tomou proporções ainda maiores com a grave pandemia do novo coronavírus, que assola a rotina das pessoas ao redor do mundo por força da influência negativa para a saúde da população - tornando-se tema de interesse generalizado.

 

Considerando tratar-se de expressão originaria da língua inglesa, cumpre trazer a sua definição constante no Dicionário de Cambridge, que conceitua as fake news como falsas histórias que são criadas e divulgadas como se reais fossem, com a finalidade de levar as pessoas a erro, de modo a influenciá-las de alguma forma. 

 

A divulgação de notícias falsas é prática comum e histórica, remetendo a períodos arcaicos da sociedade, mas que vem adquirindo cada vez mais relevância pelo seu potencial de alcance, tendo como handicap o processo de encurtamento das distâncias provocado pela globalização e pelas redes sociais - o que confere a cada cidadão a possibilidade ainda maior de exercer sua influência social.

 

A problemática intensificada por esse processo reside justamente aí: até que ponto a divulgação de uma notícia falsa pode interferir negativamente nos mais diversos setores da sociedade, como saúde, política e segurança? E então nos deparamos com um segundo questionamento: deve o Direito Penal intervir para, no exercício de função de prevenção geral negativa, reprimir a prática dessa conduta?

 

A resposta para o primeiro problema me parece clara e ampla, devendo passar, necessariamente, por uma breve contextualização.

 

Sabe-se que o país passa por um momento de grande instabilidade política, o que acarreta, dentre outras consequências, um processo de intensa polarização ideológica. Boa parte das pessoas não se importa com a veracidade daquilo que divulga, sendo mais importante que aquela notícia seja apta a justificar os seus prévios posicionamentos ideológicos.

 

Aliado a isso, a diminuição das distâncias provocada pelas redes sociais faz com que as fake news consigam trafegar rapidamente, sozinhas e por milhões de quilômetros, atingindo e persuadindo um grande número de pessoas.

 

Qualquer tipo de informação falsa, da mais simples a mais descabida, tem o condão de induzir os leitores ao erro – o que pode ensejar em consequências desastrosas.

 

Considerando a pandemia vigente, vale mencionar os casos de notícias falsas que vêm sendo espalhadas pela internet, a exemplo daquelas que buscam induzir o leitor a crer que foram encontradas curas para o novo coronavírus.

 

De cachaça até variados chás, dentre as mais diversas substâncias que foram imputadas falsamente como curas para o coronavírus, têm-se o perigo do uso indiscriminado de cada uma - sem qualquer prescrição médica -, o descrédito em relação às informações oficiais, o falso sentimento de esperança gerado naqueles que se encontram desesperados, dentre outras consequências.

 

A preocupação com esse problema tomou proporções tão grandes que o próprio Ministério da Saúde – através de seu portal da Internet – passou a expor algumas dessas fake news, a fim de mostrar o seu caráter inverídico e diminuir a sua capacidade de influência.

 

Ademais, o órgão passou a disponibilizar, também, um número de Whatsapp – (61) 99289-4640 -, para que a população possa encaminhar esse tipo de mensagens, que serão apuradas pelas áreas técnicas e respondidas oficialmente.

 

Assim, verifica-se que o risco da propagação de notícias falsas é real, iminente e tem um potencial nocivo incalculável, razão pela qual deve haver uma intensa mobilização social – nos seus variados setores -, para frear ao máximo a disseminação das fake news e, consequentemente, amenizar os seus efeitos.

 

Nesse sentido, tomando como base as consequências negativas dessa prática, não é raro ler nas redes sociais ou ouvir em conversas que alguém vai ser preso por divulgar uma notícia falsa. Todavia, será que isso é verdade?

 

A princípio, é importante esclarecer que não é de hoje que o ordenamento jurídico pátrio busca combater a disseminação de notícias falsas, tendo como marco inicial dessa tutela a Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa), que criminalizava, por meio do seu artigo 16, a publicação ou divulgação de notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados.

 

Contudo, em razão da ótica punitiva e cerceadora da liberdade de expressão que compunha a referida legislação, o STF, a partir do julgamento da ADPF 130-7/DF - relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto -, entendeu pela sua não recepção pela Constituição Federal de 1988, devido à sua incompatibilidade com a nova ordem jurídica.

 

Atualmente, não existe no nosso Código Penal qualquer artigo que criminalize a produção ou encaminhamento de notícias falsas, o que não significa, todavia, que as redes sociais sejam espaço de completa anomia.

 

Nesta senda, vale esclarecer que, a depender do conteúdo de cada mensagem, quem encaminha pode estar cometendo delitos autônomos, como, por exemplo, os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria).

 

A fim de melhor ilustrar a hipótese acima citada, consideremos uma pessoa que produz e divulga uma notícia afirmando que o secretário de Saúde de determinado município vem dando ordens para que, existindo dúvida quanto à causa da morte, sejam emitidas declarações de óbito constando o COVID-19 como motivo do falecimento das pessoas, gerando assim caos social. 

 

Nesse caso, sendo a notícia falsa, haveria imputação de fato criminoso à pessoa do secretário, gerando assim responsabilidade criminal para aquele que produziu e/ou divulgou a fake news.

 

Outra situação que recentemente tomou conta dos nossos noticiários diz respeito a uma mulher que teria, por meio de um vídeo divulgado nas redes sociais, acusado autoridades “de terem enterrado caixões em Belo Horizonte com pedras e pedaços de pau no lugar de supostas vítimas da covid-19”.

 

Segundo o delegado responsável pela investigação, Wagner Sales - chefe do 1° Departamento de Policia Civil em BH – a autora poderia ainda ser acusada dos crimes de denunciação caluniosa, difamação contra autoridade pública e contravenção penal de provocação de tumulto ou pânico.

 

Contudo, mesmo diante da tipificação dos delitos autônomos citados, existem algumas fake news que não chegam a adentrar no campo do Direito Penal – mas que seguem tendo repercussão maléfica para a sociedade -, restando compreendidas em uma espécie de limbo jurídico criminal – não contemplado pelo nosso legislador.

 

Imaginemos a situação de uma notícia falsa produzida e divulgada, mas que não contemple qualquer conduta tipificada pelo legislador penal. Nesse caso, mesmo diante da possibilidade de consequências sociais, o autor da fake news ficaria isento de qualquer responsabilidade criminal. 

 

A partir dessa ideia, surgiram alguns projetos de lei no Congresso Nacional, que hoje se concentram de maneira apensada ao PL nº 6812, de autoria do deputado federal Luís Carlos Hauly (PSDB/PR), que busca criminalizar a conduta de divulgação de notícia falsa, tendo como vítima a sociedade como um todo.

 

Segundo o projeto de lei, “constitui crime divulgar ou compartilhar, por qualquer meio, na rede mundial de computadores, informação falsa ou prejudicialmente incompleta em detrimento de pessoa física ou jurídica”, sendo atribuída pena cominada de 02 (dois) a 08 (oito) meses de detenção para aqueles que incidirem na figura típica.

 

Ainda de acordo com a proposta, sua aprovação se justificaria pelos sérios prejuízos – às vezes irreparáveis -, que são causados com a divulgação de notícias falsas, sendo, por tal motivo, necessária a tipificação dessa conduta.

 

Sem querer adentrar mais a fundo na análise do projeto de lei – o que não é a intenção do presente informativo -, resta claro que existe uma necessidade emergencial de coibir a utilização das fake news, sob pena de gerar graves e continuas consequências sociais.

 

Em contrapartida, é imprescindível considerar, também, o caráter subsidiário do Direito Penal, que deve atuar tão somente quando os outros ramos do Direito se mostrarem ineficientes à solução do problema. 

 

Ademais, outro grande desafio consiste na dificuldade que os legisladores operadores do direito têm (e continuarão a ter) para conceituar penalmente o que seria uma fake news, sob pena de usar tão severo ramo jurídico para punir boatos, humor ou, eventualmente, uma notícia que contenha erro.

 

Por fim, é necessário tomar cuidado para que os motivos que justificariam a aprovação do projeto de lei não sejam deturpados de modo a promover qualquer tipo de censura.

 

Uma das formas de melhor esclarecer isso, ainda durante o tramite legislativo, é acrescentando ao tipo penal expressões como “com a finalidade de”, deixando clara a exigência do dolo específico do agente para que seja configurado o delito – limitando o alcance da norma incriminadora.

 

Parece incontestável que devem os poderes atuar de maneira coesa para solucionar o problema das fake news, mas atentando sempre para os preceitos reguladores do Estado Democrático de Direito, principalmente no que se refere aos mandamentos constitucionais da Liberdade de Imprensa e de Opinião, bem como aos princípios norteadores do Direito Penal - sob pena de beirarmos a tão coibida censura, típica de regimes ditatoriais.

 

E...Vai passar. Fiquem em casa.

 

* Vivaldo Amaral é advogado criminalista e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e Felipe Augusto de Oliveira Borges é advogado criminalista

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias