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Apagão no transporte coletivo de Salvador

Por Everaldo Augusto

Apagão no transporte coletivo de Salvador
Foto: Ruth Hirte/ Divulgação

Salvador vive mais um episódio da crise crônica de mobilidade urbana. O transporte caro, ineficiente e inexistente para boa parte dos bairros, pode piorar ainda mais. Estamos às vésperas de um apagão no transporte coletivo. Os empresários do setor se queixam de fazer dó. Argumentam que estão sem caixa, resmungam contra o prefeito e resolveram partir para o tudo ou nada. Deixaram de pagar tributos à prefeitura, suspenderam o pagamento das cotas da outorga da concessão, dizem que não vão renovar a frota, não vão equipar os veículos com ar condicionado, vão demitir funcionários, um caos. Lembremos que renovação da frota e ar condicionado são responsabilidades impostas pela última licitação em 2014, aliás, como já havia sido nas licitações anteriores, mas em Salvador já se tornou comum os compromissos e obrigações das licitações do transporte público se tornarem promessas, nunca cumpridas.

 

Sentindo que os consórcios que exploram o sistema não estão para brincadeira, o prefeito busca soluções e resolveu escancarar de vez e, sem maiores pudores, anunciou a única alternativa, no seu modo de ver, isentar as empresas de transporte urbano de passageiros do pagamento de impostos, nesse caso o ISS, e anistiar a dívida oriunda da outorga da concessão. Por baixo, o custo para os cofre públicos seria de 27 milhões por ano.

 

Diante da disjuntiva de calote ou apagão, é preciso dizer que a crise do transporte coletivo tem a ver com a forma que a atual gestão trata a coisa pública. Nestes quase oito anos o patrimônio da cidade foi alvo de uma política predatória de transferência para a iniciativa privada através de concessões, privatizações e venda pura e simplesmente.  Isto é o que explica a "venda" por concessão módica, por trinta e cinco anos, da Estação da Lapa para empresas das relações familiares do prefeito, a privatização da merenda escolar, a venda dos terrenos públicos, a autorização de cobrança em Estacionamentos de Shoppings, os contratos de exclusividades para as cervejarias, as mudanças na legislação urbana para favorecer o setor imobiliário. Tudo sob o discurso da modernidade e geração de emprego. O resultado está aí, dispensa comentários. Salvador é a campeã de desemprego, capital mais desigual do Brasil e com menor arrecadação per capta, para ficar só em alguns exemplos.

 

Em segundo lugar, mas não menos importante, a causa do problema está no modelo de licitação do transporte público. A atual administração mudou o critério, que antes era pelo menor preço da tarifa, e adotou o modelo por outorga da concessão, pelo qual a prefeitura vende o direito de explorar as linhas para aqueles que apresentem maior oferta. Este padrão renderia à Prefeitura R$180 milhões pagos pelas empresas, com 20% de entrada mais sessenta prestações devidamente atualizadas a cada mês.

 

O resultado deste tipo de licitação já era esperado e agora está sendo comprovado. À época, quando o projeto foi debatido na Câmara Municipal, não faltaram advertências aos empresários de que eles estavam entrando em um beco sem saída e que inevitavelmente as empresas ficariam incapacitadas de honrar com a dívida. De lá para cá o quadro se agravou com a crise econômica, que fez cair a renda dos trabalhadores, aumentou o desemprego e um número maior de pessoas passou a andar a pé pelo simples fato de não ter como pagar pela passagem, uma das mais caras do país. Acrescente a isto a entrada em funcionamento do Metrô e a extinção de cerca de cem linhas de ônibus. Desta forma, o quadro de tempestade perfeita para o Sistema de transporte ficou completo.

 

O Projeto do Executivo, em tramitação na Câmara Municipal, é, ao mesmo tempo, o uso indevido das verbas públicas para um ente privado e um paliativo, pois não elimina as causas da crise, fazendo com que daqui a mais algum tempo os cofres públicos tenham que ser utilizado de novo para socorrer as empresas do transporte coletivo.

 

A saída para a atual crise do sistema público de transporte precisa ser estruturante. O próprio Sistema precisa ser repensado. A atual licitação deveria ser anulada e um debate transparente deveria ser feito à luz das necessidades da cidade, com base nos princípios da mobilidade urbana sustentável (Lei 12.587/12). Somente assim poderia se pensar em formas de financiamento e subsídios ao Sistema, com contrapartidas reais para a população, como o Passe Livre para os estudantes e para os idosos acima de sessenta anos, integração geral, inclusive do Sistema Alternativo, e muita inovação urbanística e tecnológica para garantir um transporte de qualidade, eficiente, confortável e a preços acessíveis para a maioria da população.

 

Fora disso, é esperar pelo apagão.

 

* Everaldo Augusto é presidente do PCdoB de Salvador e ex-vereador da capital baiana por dois mandatos

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias