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Um olhar atento sobre o Carnaval de Salvador

Por Heloísa Braga

Um olhar atento sobre o Carnaval de Salvador
Foto: Reprodução/ Informa1

Brinquei no Jacu, me diverti no burburinho do Barão saindo do Hotel da Bahia, estava no 4 Rodas quando se buscou a alternativa de colocar um caminhão de apoio atrás do trio para os turistas que não aguentavam o circuito, estava dentro do Eva quando ele desceu pra Barra, estava no primeiro camarote de Daniela... ganhei e montei um camarote no Campo Grande para receber jornalistas de todos os lugares do mundo não para trabalharem, mas para vestirem a mortalha que virou abadá , para sentirem o calor, a energia única do carnaval de Salvador.

 

Em minha casa, que quando fechava a porta tudo virava cama, tinha pilhas de abadás como cortesia como ação promocional dos blocos.

 

Vi nascer e crescer Ivete, Carlinhos, Claudinha, Jamil, Durval, Netinho, Bel e fui acompanhando a transformação da alegria em negócio, da simplicidade em dificuldade, o tal do profissionalismo, necessário, mas desmedido e distante. Vieram as cordas, a migração do Campo Grande pra Barra, a criação de novos circuitos. Veio o carnaval vendido e engessado, as festas privadas tirando das ruas os ídolos do povo, a briga por uma cortesia, o endurecimento, a não cordialidade, o distanciamento da gente da Bahia pelos forasteiros midiáticos.

 

Fui ver de perto o Carnaval de rua do Rio e de São Paulo e o que encontrei foi a brincadeira que tínhamos no Encontro dos Trios e no desfile de fantasias da Castro Alves que deixamos morrer.

 

O Furdunço, que nasceu como alternativa, também já está mudando o tom, e o povo, numa demonstração clara do que quer, começa a fazer em seus próprios bairros seus bloquinhos, tirando dos armários suas fantasias, com a liberdade do sair sem cordas, sem amarras, bebendo o que bem quiserem beber.

 

Fico pensando sobre a razão de Salvador, berço de toda manifestação popular do carnaval do Brasil, celeiro dos artistas que estão abandonando o chão da nossa praça por outras praças, não ter também uma casa de show que pudesse alimentar todo esse universo durante todo o ano...

 

Talvez o ponto seja o mesmo... talvez falte um olhar para nós mesmos, para o conjunto, para a terra, uma contrapartida para a terra que tanto deu... são conjecturas que faço como observadora, entrevistadora, como jornalista.

 

Fui vendo e sentindo a mudança do conceito.

 

As festas VIPs cada vez mais VIPs, para grupos específicos que sugam até o último caroço e nada retornam pra terra.

 

Os camarotes, que são VIPs para a grande maioria do povo, dentro deles possuem uma área ainda mais VIP, evidentemente primorosa, mas ainda mais distante dos simples mortais. Talvez seja esse o ponto: a devolução do carnaval para os simples mortais. Mortais que não conseguem mais pagar o preço do pacote para passar o carnaval em Salvador. Some passagem aérea, hotel, bloco, camarote, alimentação, bebida e transporte e veja se não é melhor ficar cada um no Carnaval de seu estado!

 

Basta ter um olhar atento para os movimentos populares para perceber aonde está o centro da questão.

 

Evidente que os empresários do entretenimento precisam retorno dos seus investimentos, mas é preciso menos negócio e mais alegria. É preciso oxigenar os blocos com alegria, encontrar o ponto de equilíbrio entre o lucro das camisas e a fantasia que o povo quer vestir e está tirando do armário. É preciso a volta das cortesias como contrapartida e não como puxa-saquismo. É preciso que o prefeito e o governador estejam no Campo Grande, honrando e preservando a tradição e história do Carnaval da Bahia, perto do povo.

 

É preciso menos transmissão ao vivo e mais jornalista do mundo dentro dos blocos para sentirem o quanto o carnaval de Salvador é inigualável, incomparável!

 

É preciso pé no chão!

 

É preciso um esforço conjunto. Empresários, artistas, jornalistas, iniciativa pública e privada.

 

É preciso ouvir o vendedor de latinhas do isopor.

 

Sentar todos à mesa. TODOS!

 

O Carnaval é festa do povo.

 

É preciso entender que a festa cresceu, se agigantou, mas se perdermos o dom da expertise do baiano em fazer o “cacete armado” com a maior alegria e bom humor do planeta não teremos mais a essência do carnaval. Porque para saber o que é cacete armado, cospe grosso, só na Bahia!

 

Não tem Rio nem São Paulo certos!

 

Só quem sabe o que é mortalha encharcada de cerveja até o pé e a boca lambuzada de acarajé entende qual a essência do Carnaval de Salvador que não podemos perder.

 

Não tenho um olhar para o passado, estou falando de essência, do jeito de nossa gente, da espontaneidade do povo da Bahia.

 

É fácil trocar a Avenida Sete pela Paulista. É fácil tirar Daniela ou Ivete daqui pra puxarem trio em outros lugares, mas não dá pra levar o baiano. É isso que nos torna diferentes, originais. Essa é a essência que não podemos perder. É preciso organizar sem perder a esculhambação. Simples assim!

 

*Heloísa Braga e jornalista com especialidade em turismo

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias