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A Bahia, o Mar e a Marinha do Brasil

Por Cláudio Portugal de Viveiros

A Bahia, o Mar e a Marinha do Brasil
Foto: Juliana Andrade/ Agência AL-BA

A Bahia tem uma relação íntima com o mar, não somente por ser banhada pelo Oceano Atlântico, considerando-se o fato de possuir o maior litoral entre os estados brasileiros. Destaca-se antes de tudo ser este estado o “berço do Brasil”, citando Jorge Ben Jor, através do mar, por onde chegou a frota de Pedro Álvares Cabral em abril de 1500. O próprio nome do estado faz remissão ao acidente geográfico, uma baía. Neste caso, trata-se da Baía de Todos os Santos, a maior do Brasil, batizada durante a expedição de Américo Vespúcio e Gaspar de Lemos em 1501, no dia de Todos os Santos, dia 1º de novembro.

 

São Salvador logrou, estrategicamente, o status de sede administrativa do então Governo-Geral do Brasil pela coroa portuguesa, em 1549, pela sua ligação com o mar, a ponto de o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, lançar as bases do que veio a ser a Ribeira das Naus de Salvador, fundada por D. Francisco de Souza no final do século XVI, e depois o Arsenal de Marinha da Bahia, onde hoje se localiza a Capitania dos Portos da Bahia.

 

A sua posição estratégica também foi considerada pelos holandeses, que entre 1624 e 1625 estabeleceram um enclave, aproveitando a pujança da produção de açúcar nos engenhos do Recôncavo Baiano, os quais eram bem próximos também da região litorânea. E novamente os holandeses, na década de 1640, fizeram incursões pela Ilha de Itaparica, tentando mais uma vez alcançar a primeira capital da América Portuguesa. Nessas duas ocasiões, os socorros ora vindos da península ibérica, ora montados na colônia portuguesa, foram configurados para interromper o domínio dos holandeses no mar. Na Bahia, tal propósito foi alcançado com êxito, garantindo a sobrevivência e a paz desta região.

 

O primeiro destino da Família Real e da corte portuguesa, na sua transferência para o Brasil em 1808, foi a Bahia, onde desembarcaram no dia 22 de janeiro e permaneceram por mais de um mês. Os baianos foram testemunha ocular da assinatura, pelo Príncipe Regente D. João, do Tratado de Abertura dos Portos às Nações Amigas por meio de uma carta régia no dia 28 de janeiro de 1808. Tal fato, além de lançar uma das bases para a emancipação brasileira em 1822, já que, a partir de então, produtos de outras nacionalidades passaram a chegar nos portos brasileiros, vem demonstrar mais uma vez a importância do mar para a prosperidade de um território e de seu povo.

 

Em vista da posição da Bahia para os partidários da causa da Independência do Brasil e para os que ainda buscavam manter o status de colônia, este território foi palco dos mais marcantes conflitos durante a Guerra de Independência do Brasil. O mar, uma vez mais, será um dos cenários mais importantes para os baianos. Em primeiro lugar, pela atuação da Esquadra brasileira sob o comando de Thomas Cochrane, ao estabelecer o bloqueio naval às forças adeptas à causa portuguesa. Em segundo lugar, pelas ações da “Flotilha Itaparicana”, comandada pelo então Tenente João Francisco de Oliveira Bottas, as quais impediram o domínio português na Ilha de Itaparica e, depois, contribuíram para o bloqueio naval já exercido pelo Lorde Cochrane. Tais acontecimentos, que tiveram o mar como cenário, lograram um vitorioso desfecho em dia 2 de julho de 1823, quando as tropas portuguesas são expulsas da Bahia, fato tão relevante que faz parte do calendário das comemorações cívicas dos baianos, de grande apelo popular.

 

As características geográficas e históricas, pautadas na relação do baiano com o mar, são referências para as práticas culturais que se observam na Bahia. Vale destacar que o Capitãode-Mar e Guerra português Theodózio Rodrigues de Faria, devoto do Senhor do Bonfim, ao cumprir uma promessa por ter sobrevivido a uma tempestade, trouxe para Salvador as imagens do Senhor Jesus do Bonfim e de Nossa Senhora da Guia.

 

Cumpre destacar, por exemplo, as festas religiosas que acontecem pelas águas marítimas do estado. Logo no primeiro dia do ano, os baianos iniciam o seu contato místico e íntimo com o mar, ao realizarem a procissão marítima de Bom Jesus dos Navegantes, que é uma festa secular e considerada uma das mais bonitas manifestações religiosas que acontecem na cidade de Salvador, tendo seu trajeto marítimo sob a coordenação da Marinha do Brasil, representada pela Capitania dos Portos da Bahia. Além dessa festa, acontece no Recôncavo Baiano uma das maiores procissões marítimas da Baía de Todos os Santos, em homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes, dentro dos festejos a Bom Jesus dos Passos. Outra festividade que se destaca nesse conjunto de práticas é a que ocorre no início do mês de fevereiro, quando Iemanjá é homenageada por multidões com oferendas, em um ritual único e emocionante que envolve fé, gastronomia e música.

 

E por falar em música, a relação da Bahia com o mar é retratada também por compositores, músicos e cantores, a exemplo de Dorival Caymmi, intérprete da vida dos trabalhadores do mar, que deixou canções memoráveis como “O Mar”, “É doce morrer no mar” e “Canoeiro”. Outro baiano que também representou a importância do mar para a Bahia foi Gilberto Gil com a canção “Beira Mar”. Já o carioca Vinícius de Moraes reverenciou o contato marítimo do baiano através da canção “Tarde em Itapuã”.

 

Este contato foi representado também em obras literária como “Mar Morto”, de Jorge Amado, que representou a vida dos pescadores do cais de Salvador, contada com lirismo de uma existência calma e desatenta aos perigos e problemas exteriores, sendo os orixás homenageados e dramatizados a malandragem, o jogo de cintura, os amores e desamores do povo baiano.

 

Quanto à gastronomia, o mar se faz presente na culinária baiana, que tem uma herança afro-brasileira com alguns itens portugueses. Como exemplo, há o acarajé, símbolo maior da culinária baiana e leva camarão em seu recheio. No acompanhamento do acarajé se tem o caruru e vatapá, que são pratos tradicionais e também levam camarão como um dos principais ingredientes no seu preparo. Tem o famoso Bobó de Camarão. A moqueca baiana também é outra marca registrada na culinária baiana e apresenta de forma evidente o contato da Bahia com o mar.

 

No que se refere à Marinha do Brasil, destaca-se que os seguintes Almirantes naturais da Bahia exerceram o cargo de Ministro da Marinha: Luiz da Cunha Moreira, herói da Guerra da Independência e da Campanha de Caiena; Custódio José de Mello, veterano da Campanha do Paraguai; Francisco José Coelho Netto, veterano da Passagem de Tonelero; Elisiário José Barbosa, Comandante-em-Chefe da Esquadra em Operações de Guerra na Campanha do Paraguai; Manuel José Alves Barbosa, veterano da Batalha Naval do Riachuelo; Carlos Balthazar da Silveira, veterano da Campanha do Paraguai; e Antônio Alves Câmara Júnior, veterano da Força Naval do Nordeste na Campanha do Atlântico, na Segunda Guerra Mundial.

 

Outras personalidades nascidas na Bahia foram o Engenheiro Naval Napoleão João Batista Level, responsável pelos principais projetos de navios couraçados que atuaram na Campanha do Paraguai, e o Capitão-de-Mar-e-Guerra Garcia D´Avila Pires de Carvalho e Albuquerque, veterano da Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG) e falecido no naufrágio do Cruzador “Bahia”.

 

A Marinha do Brasil denominou cinco navios com o nome “Bahia”, sendo dois submarinos. O mais recente foi o Navio-Doca Multipropósito “Bahia”, incorporado em 17 de dezembro 2015, que visitou pela primeira vez a cidade de Salvador ostentando o Pavilhão Nacional em abril de 2016. Como se pode notar, a Bahia, o mar e a Marinha do Brasil estão imbricados. Embora se reconheça a importância do interior baiano, o mar é um elemento que faz identificar a Bahia.

Fundamenta práticas. Enseja representações. Alimenta a memória.

 

É cenário de sua história. É gratificante saber que a Marinha do Brasil é parte dessa ligação indissolúvel. Assim, é uma honra e motivo de imenso orgulho ser agraciado com o título de cidadão baiano. Muito obrigado!

 

* Cláudio Portugal de Viveiros é almirante de esquadra e chefe de assuntos estratégicos do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias