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Entrevista

Após testes na Bahia, Aedes geneticamente modificados já mostram resultados

Por Renata Farias

Após testes na Bahia, Aedes geneticamente modificados já mostram resultados
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Entre os anos de 2009 e 2011, três bairros dos municípios baianos de Juazeiro e Jacobina foram palco de testes para o Aedes do Bem, um mosquito geneticamente modificado. Com o projeto, a empresa britânica Oxitec tem o objetivo de reduzir a população do Aedes aegypti selvagem. Após os testes, que apresentaram resultados de mais de 90% de supressão, o projeto recebeu liberação comercial da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em 2014. "Os testes foram realizados aqui na Bahia, mas já há municípios com projetos operacionais. A gente já tem a liberação comercial, então os dados já foram validados pela CTNBio. Não resta dúvidas sobre a segurança e os números que a gente atinge. Aqui na Bahia eram três bairros em duas cidades. Houve reduções de 92%, 93% e 99% da população do mosquito selvagem durante esse tempo pré-definido", reforçou a coordenadora de suporte científico da Oxitec, Cecília Kosmann. Atualmente a tecnologia já é utilizada nos municípios de Piracicaba (SP) e Juiz de Fora (MG), além de outros países. Em entrevista ao Bahia Notícias, a cientista explicou o funcionamento da tecnologia, custos para implantação e esclareceu até mesmo "teorias da conspiração" que culpam o mosquito geneticamente modificado pelo surto de zika no Brasil.



Clique para ampliar | Foto: Divulgação
 

Qual a relação entre a Oxitec e a Moscamed (entenda)?

A gente já teve uma parceria. A Moscamed é uma Organização Social aqui da Bahia. No Brasil, quem legisla sobre organismos geneticamente modificados (OGM) é a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). É preciso aprovação dessa entidade para liberação comercial de qualquer OGM no Brasil – ou plantar ou liberar. Para que a gente pudesse submeter esse dossiê para aprovação da CTNBio e liberação comercial – que tivemos em abril de 2014 –, a gente precisava fazer testes experimentais. Nada relacionado à saúde pública, porque é uma ferramenta de controle vetorial, então não tem nenhuma interação com o ser humano. É um teste de supressão da liberação do vetor, que se chama Liberação Planejada no Meio Ambiente (LPMA). São feitas liberações por um tempo pré-determinado, porque a gente conhece todo o comportamento laboratorial da linhagem, mas não no campo. Essa LPMA nós fizemos aqui na Bahia, juntamos os dados e submetemos à aprovação da CTNBio. Como a Moscamed já era uma biofábrica, voltada inicialmente à produção da mosca da fruta irradiada, foi feita essa parceria tripartite: USP [Universidade de São Paulo], Moscamed e Oxitec.

 

Mas isso foi apenas momentâneo, certo?

Sim. Hoje em dia eles trabalham com o mosquito irradiado, que é uma outra tecnologia para combater o vetor também, com outro mecanismo. Hoje em dia a gente não tem nenhuma relação mais com a Moscamed.

 

Qual é a diferença das duas tecnologias?

A nossa é engenharia genética. Ela usa a inserção de um gene para fazer alguma coisa. O macho que é gerado não é estéril, porque a larva chega a nascer e morre ainda no estágio larval. A gente usa, para isso, a inserção de transgenes no genoma do mosquito. No caso do irradiado, eles usam doses de radiação para esterilizar o mosquito. Ele cruza com a fêmea, como o nosso, mas os ovos são ocos e não se desenvolvem. No nosso, os ovos eclodem, mas a larva morre ainda em um estágio imaturo, antes de virar um vetor, um mosquito adulto.

 

Foram realizados testes em dois municípios. Como foram os resultados nos testes e agora, que o projeto já está implantado?

Os testes foram realizados aqui na Bahia, mas já há municípios com projetos operacionais. A gente já tem a liberação comercial, então os dados já foram validados pela CTNBio. Não resta dúvidas sobre a segurança e os números que a gente atinge. Aqui na Bahia eram três bairros em duas cidades. Houve reduções de 92%, 93% e 99% da população do mosquito selvagem durante esse tempo pré-definido. A gente já está trabalhando em Piracicaba (SP), há pouco mais de dois anos. Nós começamos em um bairro de 5 mil pessoas que enfrentava um caso de epidemia. No ano-dengue 2014-2015, eles tiveram 133 casos de dengue, um número bastante alto para 5 mil pessoas. A prefeitura resolveu implementar, e a gente começou a liberar no finalzinho do ano-dengue 2014-2015, em maio. No ano-dengue 2015-2016, esse número caiu para 12 casos e nenhum de dengue ou chikungunya. A gente sabe que as arboviroses são cíclicas. Teve uma redução na cidade, de forma geral, de 52%, mas no bairro que a gente tratou foi de 91%. Vendo esses dados, tanto de supressão do mosquito, que ficou em 80%, quanto de redução da doença, a prefeitura resolveu expandir para toda a região central. Hoje a gente trata 12 bairros em Piracicaba. No primeiro já atingimos uma fase de manutenção, porque tivemos a supressão e ela está se mantendo por mais de um ano, e estamos na fase de intervenção nos outros 11 para suprimir a população do mosquito. Com isso, lá já são quase 70 mil pessoas sendo protegidas. Em Juiz de Fora (MG), a gente ainda não começou as liberações, está ainda na fase de engajamento público. As liberações vão ser iniciadas a partir de outubro. A gente já trabalha também em outros países. Nas Ilhas Cayman, onde foi nosso primeiro projeto, nós atingimos, em 2009, 96% de supressão. Agora estamos no segundo projeto em andamento nas Ilhas Cayman. No Panamá, foram somente seis meses de liberação. Nesse período bastante curto, a gente conseguiu 93% de redução da população. A gente tem outros projetos que ainda estão começando, então não há informações sobre resultados.

 

Aqui no Brasil essa tecnologia é relativamente recente, mas quando ela foi criada?

Ela foi criada em 2002. A gente começou a liberar no meio ambiente em 2009, então a gente já sabe os efeitos no campo desde esse ano. Na Bahia, a gente atuou entre 2009 e 2011, então nessa época mesmo já estava no Brasil. No entanto, só agora está ganhando mais publicidade por já ser um produto liberado em qualquer lugar.



 

Como funciona a aprovação desse tipo de tecnologia para liberação no meio ambiente?

Tem que fazer uma LPMA em um local e por tempo determinados. Depois é necessário juntar todos os dados, que vão desde os dados do laboratório, na parte inicial da transgenia e os testes que a gente fez, até os dados de liberação. Por exemplo, no início a gente fez testes alimentando algumas espécies de animais com larvas do mosquito geneticamente modificado, fazendo pessoas serem picadas pelas fêmeas para saber se a proteína que é produzida conferia algum fator alergênico maior ou menor... Todos os testes são reunidos em um dossiê. O dossiê desse mosquito tem quase 900 páginas. A CTNBio é formada por 27 membros, entre representantes de órgãos do governo e pesquisadores, que analisam a segurança do ponto de vista de biossegurança. Eles avaliaram que esse mosquito é seguro e equivalente ao Aedes aegypti tradicional, ou seja, não traz nenhum risco adicional. Ele é seguro para o meio ambiente: saúde humana, plantas e animais.

 

Ele é seguro para o ser humano, animais e plantas, mas não há risco de sua implantação causar impactos ambientais para o ecossistema como um todo?

Ele não gera porque isso depende muito de onde vai ser aplicado. Aedes aegypti significa “o odioso do Egito”, porque ele veio de lá. Provavelmente no Egito ele não deveria ser eliminado porque faz parte da cadeia de lá. Aqui ele é exótico. Mesmo que ele não causasse doenças ou a morte de nenhuma pessoa, ele já deveria ser eliminado. No entanto, a gente não pode falar mais em erradicar o mosquito, apenas suprimir e controlar a população, porque ele vai chegar novamente. Ainda assim, como ele é exótico, sua eliminação não causaria impactos. Na nossa teia, não tem nenhum animal que se alimente exclusivamente do Aedes aetypti. Se a gente conseguisse eliminá-lo isso seria benéfico. Há inclusive um teste que mostra que suprimir a população do mosquito não faz com que outra espécie aumente. A gente testou esse parâmetro no Panamá. A gente monitora isso em todos os nossos projetos semanalmente e até hoje não encontrou nenhuma evidência dessa relação.

 

No ano passado, surgiu um estudo em que pesquisadores afirmam que a liberação desses mosquitos foi a causa do recente surto de zika no país. Há conhecimento dessas pesquisas? De que forma vocês respondem?

Sim, nós temos conhecimento de todas essas teorias da conspiração. O mosquito foi liberado em 2010 e 2011, o vírus chegou ao Brasil entre 2014 e 2015. O maior foco foi em Recife, e a gente liberou na Bahia. O mosquito voa de 100 a 200 metros, então qualquer pessoa que pega o mapa vê que essa distância é muito maior. Ainda assim, nós liberamos machos, que não picam e não transmitem nenhuma doença. Ele não tem a peça bucal, então não consegue perfurar a pele. Para essa teoria, teria que ser um super mosquito que conseguisse voar toda essa distância e picar uma pessoa. Ainda não imagino por que houve um delay de quatro anos para isso acontecer. Além disso, o gene que inserimos é autolimitante, ou seja, o próprio mosquito limita sua vida, eles morrem. A prole não vinga, então o gene não persiste. Isso é teoria da conspiração, nós ouvimos várias outras também.

 

Como tem sido o apoio dos governos federal, estaduais e municipais com relação a esse projeto?

A gente conversa bastante com as três esferas. Há essa intenção de transferência de tecnologia, isso nunca foi nenhum segredo. Eles aceitam muito bem, qualquer prefeitura que a gente conversa tem vontade de levar o projeto. No entanto, a gente vive em um país que está quebrado, não tem dinheiro. A aceitação é ótima, mas para implementar é mais difícil pela situação orçamentária que a gente vive atualmente no país.

 

Quanto custa a implementação desse projeto em um município?

Isso depende. O número é calculado em relação a habitantes tratados por ano. Isso vai variar com o tamanho do projeto e a quantidade de mosquito que a gente precisa liberar, chamada de taxa de infestação. No caso de Piracicaba, o número é público: foram R$ 30 por habitante/ano. Cada habitante tratado por ano custou, para a prefeitura, R$ 30. A gente sabe que cada R$ 1 investido na prevenção economiza R$ 4 na assistência básica depois. Isso só para o governo. Para o setor privado, cada pessoa que se ausenta durante do seu trabalho tem um custo. Teve uma cidade - acho que Rezende, no Rio de Janeiro - que em uma época as indústrias estavam com apenas 50% do pessoal, porque os outros 50% estavam em casa de atestado por conta de dengue. No caso, o preço [de implantação do projeto] varia, mas é algo em torno de R$ 30 por habitante/ano.

 

Já há conversas para expansão do projeto? Talvez uma vinda para a Bahia?

A gente conversa com todos os estados. Há vontade, mas a questão orçamentária é sempre um entrave nas três esferas. Nenhum está mais avançado.