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Entrevista

Hospital Martagão Gesteira pede socorro: ‘A gente não aguenta por muito tempo’

Por Júlia Vigné

Hospital Martagão Gesteira pede socorro: ‘A gente não aguenta por muito tempo’
Superintendente Antônio Novaes Junior fala sobre o assunto | Foto: Divulgação
As entidades filantrópicas da Bahia lançaram campanha na última segunda-feira (2) para alertar a sociedade sobre a atual crise nos setores financeiros e a possibilidade de virem a fechar as portas (veja aqui). Ao todo, 48 Santas Casas foram fechadas nos últimos 10 anos; as Santas Casas baianas chegam a somar R$ 1 bilhão de dívidas e as do Hospital Martagão Gesteira somam R$25 milhões. O Superintendente da liga Álvaro Bahia Contra a Mortalidade Infantil, mantenedora do Hospital Martagão Gesteira, Antônio Novaes Júnior, afirmou que o principal motivo para que as entidades tenham chegado a esse patamar foi o fato de que a tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) não é reajustada. “Hoje, com a defasagem existente, as contas entre receita e despesa não fecham e o resultado é endividamento, demissões e atrasos de pagamento”. Atualmente o Martagão Gesteira possui mais de R$25 milhões de dívidas, sendo R$ 5 milhões com fornecedores e médicos, que não recebem o pagamento há meses, e R$20 milhões são provenientes de empréstimos. “O Martagão Gesteira está pedindo socorro, a crise é séria, chegamos ao fundo do poço. Não podemos mais pedir empréstimos e pedimos que o governo olhe para essa instituição e a socorra, porque a gente não aguenta mais por muito tempo”, afirmou Antônio.
 
Algumas entidades filantrópicas lançaram campanha em protesto contra a crise recentemente. Qual é o objetivo desse protesto e o que vocês esperam como resposta?
O objetivo é fazer um alerta à sociedade e ao governo manifestando o atual problema com o financiamento. Nós dependemos completamente das verbas do governo e não temos uma fonte de financiamento, como os convênios de saúde. A crise é de grande porte, a saúde está sentindo. O Hospital Martagão Gesteira não tem fôlego justamente por não ter outra fonte de recurso então nós temos, simplesmente, que nos adaptar. O governo precisa repensar o financiamento para ajudar o hospital a se manter, porque o que estamos recebendo de verba é insuficiente, nós recebemos valores inferiores ao referente aos custos operacionais. O Sistema Único de Saúde tem um problema crônico e histórico de falta de recurso e é incapaz de cumprir com todas as despesas e serviços.
 
O Hospital, assim como outras organizações filantrópicas, vem enfrentando diversas dificuldades por conta da crise financeira no país. Quais são os efeitos da crise que já podem ser vistos e quais você acredita que ainda estão por vir?
Os efeitos estão na assistência. O Martagão Gesteira atende mais de seis mil crianças por mês e, quando o recurso falta, a gente acaba atrasando fornecedor, médico, começam a faltar materiais, medicamento e os médicos começam a sair do hospital e ir para outras instituições e, como consequência, temos que suspender serviços. Por conta disso, nós reduzimos pela metade o número de cirurgias cardíacas que realizávamos. Estamos tendo, por exemplo, que fechar o centro cirúrgico nas sextas-feiras por conta dos atrasos e com isso as filas vão aumentar e crianças vão deixar de ser operadas. O problema maior disso é que, em Salvador, o Martagão é o único especializado em pediatria que atende pelo SUS, então teremos crianças aguardando em filas e em muitos casos graves elas vão ter que acabar tendo que ser atendidas por hospitais, como em cirurgias de urgência. Sem uma cirurgia cardíaca, por exemplo, a criança pode vir a morrer. 
 
De que forma o Hospital é abastecido financeiramente? Como vocês definem o destino das verbas?
O Hospital é financiado por verbas do Ministério da Saúde, através da Secretaria Estadual de Saúde (Sesab); da Secretaria Municipal de Saúde e conta com doações da sociedade. Se tiver uma divisão aproximada, 60% dos recursos vêm da Secretaria Municipal, 40% vêm através da Secretaria Estadual e temos aproximadamente 2% de doação. Todo esse recurso vai para o custeio do hospital e, mesmo assim, a gente ainda fecha no vermelho todos os meses em aproximadamente R$ 500 mil. E anos após anos ficando no vermelho, com esse déficit, tivemos que pegar empréstimos no banco. Atualmente o hospital já deve R$ 20 milhões no banco, utilizando o dinheiro para cobrir esse déficit do SUS. O que acontece é que agora não temos mais limites para pegar empréstimos, já nos endividamos no total. Sem empréstimos, nós começamos a repassar isso para os nossos fornecedores e médicos. Já estamos devendo três meses de honorários médicos, cinco meses de fornecedores e está começando a faltar material.
 
Um dos problemas já citado pelo senhor anteriormente, que contribuem para o atual cenário, foi a falta de reajuste na tabela do SUS. De que forma ela influencia e qual é a forma que vocês encontram para contornar essa situação?
Este fato é o grande problema e a grande solução. O hospital não pode viver eternamente com as suas tabelas congeladas, e é o que acontece com o Martagão Gesteira e com outros hospitais, como Irmã Dulce e o Aristides Maltez. Os custos só fazem aumentar, todo dia há aumento de preço de material, tarifa de energia e de água, e isso atinge toda a capacidade produtiva do hospital. Eu acredito que a saída é a discussão com o governo, com a prefeitura e com o governo do estado, do refinanciamento do hospital. A gente precisa colocar na mesa qual é o custo do hospital, dos serviços prestados e qual é o volume de recursos que a gente recebe para tentar chegar a uma equação a fim de equilibrar essa conta. Se isso não acontecer, o hospital não tem condição de se manter por muito mais tempo.

 
O não reajuste da tabela influencia diretamente nos profissionais do Martagão. Qual é o posicionamento dos profissionais sobre isso?
Hoje a falta do reajuste da tabela faz, primeiro, com que a gente nem discuta um reajuste dos salários. Os profissionais médicos do Martagão, por exemplo, estão sem reajuste no pagamento há anos porque não tem a menor condição de sequer discutir isso. Entretanto, o problema é mais grave do que esse, porque além de não discutir o reajuste, o hospital atrasa o pagamento. O Martagão está deixando de pagar e isso é o que tem me preocupado, porque os médicos têm suas contas pessoais para manter e acabam indo procurar outros serviços, em hospitais particulares, e até em outros estados que tenham condições melhores.
 
Recentemente o Hospital inaugurou uma nova unidade de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) pediátrica e um novo ambulatório de oncologia com fundos doados pela sociedade civil. Qual é a importância dessas doações?
Se não fossem essas doações da sociedade, o hospital já estaria totalmente sucateado. Nós brigamos todos os dias por mais recursos para custear o hospital e não sobra nenhum centavo para construir, consertar e para comprar equipamento. O hospital está de pé e, graças a Deus, com muita tecnologia. Os equipamentos são novos, de ponta e modernos. O hospital está em constante reforma, nós estamos construindo agora a nossa terceira UTI, reformamos unidades de ambulatório, de imagem, enfermarias, e estamos comprando equipamentos melhores e mais modernos, tudo graças a essas doações. Então elas são de grande importância porque o serviço de saúde é caro, requer tecnologia, estruturas físicas e a gente consegue prestar um grande serviço de alta complexidade, ainda, à sociedade, por conta dessas doações.
 
O Estado vem investindo mais no SUS. Segundo o secretário de Saúde, Fabio Vilas-Boas, em seis anos o Estado dobrou os recursos destinados para a saúde. Por que esse crescimento não reflete no cenário da organização?
Eu uso palavras do próprio secretário de Saúde. O estado passou a focar agora no custo-efetividade. A nossa esperança é essa, porque nós acreditamos que exista recurso. Um hospital público gerido pelo próprio governo custa até dez vezes mais do que um filantrópico que realize o mesmo serviço. Então esse é um exemplo de que, se for melhor aplicado, se enxergarem onde há desperdício, talvez possa sobrar recursos para investir no próprio sistema. Durante uma palestra com o ministro da Saúde, Ricardo Barros, aqui em Salvador, ele afirmou que em Porto Alegre um hospital público gasta três bilhões por ano para fazer o mesmo serviço que uma Santa Casa de lá faz com 25% do valor. É um exemplo claro de que, se o governo olhar mais para o custo-efetividade e aumentar o aporte de recursos em hospitais que conseguem realizar mais com menos, os recursos serão melhores distribuídos e utilizados.  Acredito que exista esse problema de má aplicação do recurso. No Martagão Gesteira, o aumento de recursos não chegou, ou chegou muito pouco, pelo menos.
 
Para você, qual seria a solução para o atual cenário do hospital e das entidades filantrópicas?
Não vejo outra solução senão rediscutir o financiamento. Tem que ter mais dinheiro para poder financiar. A gente faz questão de sempre ser transparentes e mostrar os números, que são sempre publicados, e queremos apenas justiça, que a gente receba o mesmo preço pelos que, por exemplo, um hospital público recebe pelos serviços. Que os valores que são pagos para essas instituições sejam pagos também no Martagão Gesteira. Eu queria, se possível, deixar esse alerta. O Martagão Gesteira é uma instituição quase centenária, de grande importância para a sociedade pelo serviço específico de pediatria de alta complexidade. E a Liga Álvaro da Bahia Contra a Mortalidade Infantil tem justamente essa missão de combater a mortalidade infantil e ficamos muito preocupados, porque se não houver uma solução rápida, quem vão sofrer são as crianças. Não queremos ver as crianças morrendo nas filas dos hospitais e rezamos muito para que isso não volte a acontecer. O Martagão Gesteira está pedindo socorro, a crise é séria, chegamos ao fundo do poço. Não podemos mais pedir empréstimos e pedimos que o governo olhe para essa instituição e a socorra, porque a gente não aguenta mais por muito tempo.