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Entrevista

'Uma pessoa que abandona um tratamento médico também comete suicídio', diz psiquiatra

Por Renata Farias

'Uma pessoa que abandona um tratamento médico também comete suicídio', diz psiquiatra
Foto: Jamile Amine/ Bahia Notícias
O mês de setembro é marcado no Brasil pela campanha que busca alertar para a importância da prevenção do suicídio, a Setembro Amarelo. De acordo com o presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia (APB), André Brasil, 30 pessoas cometem suicídio diariamente no país, o que é suficiente para encarar a questão como um problema de saúde pública. "Pouca gente reconhece como uma questão de saúde pública, mas é saúde pública, sim. No Brasil, os índices ainda são muito subestimados, até porque nem todos os casos são comunicados. As pessoas entendem suicídio como pular de um prédio, dar um tiro na cabeça. Às vezes tem suicídios que são velados. Uma pessoa que abandona um tratamento médico, um diabético, um paciente com câncer, é tido como suicídio também", afirmou em entrevista ao Bahia Notícias. Para ele, é necessário falar sobre suicídio para que tabus sejam quebrados. Durante a conversa, o também psiquiatra comentou ainda sobre temas debatidos na Jornada Bahia Sergipe de Psiquiatria, que aconteceu nos dias 11 e 12 deste mês, em Salvador. "Uma das mesas falou do uso abusivo da medicação. As pessoas tendem a abusar principalmente de tranquilizantes, os famosos 'tarja preta' como um balsamo, como uma saída fácil para problemas", explicou Brasil. "Nosso alerta é para que os médicos prescrevam menos ou com parcimônia esse medicamento. E para que as pessoas entendam que o uso de medicamento não é uma saída. A saída é um tratamento, uma terapia", completou. Quanto à discussão sobre sexualidade, também realizada durante o evento, o profissional argumentou que uma vida sexual saudável é essencial para a saúde do corpo e da mente, afirmando ainda que os chamados assexuados podem, na verdade, sofrer de problemas hormonais ou psíquicos.
 
Estamos no Setembro Amarelo, quando são realizadas campanha de prevenção ao suicídio. Qual a visão da Associação Psiquiátrica da Bahia com relação aos números no Brasil e na Bahia?
A Associação Psiquiátrica da Bahia, junto com a Associação Brasileira de Psiquiatria, realiza a campanha nacional, que visa fazer a prevenção ao suicídio. Pouca gente reconhece como uma questão de saúde pública, mas é saúde pública, sim. No Brasil, os índices ainda são muito subestimados, até porque nem todos os casos são comunicados. As pessoas entendem suicídio como pular de um prédio, dar um tiro na cabeça. Às vezes tem suicídios que são velados. Uma pessoa que abandona um tratamento médico, um diabético, um paciente com câncer, é tido como suicídio também. Então até por isso os dados não são tão fáceis de identificar. Há uma média de 30 pessoas se suicidando no Brasil por dia. A gente pode calcular sem muita dificuldade que, pelo menos, três ou quatro suicídios aconteçam na Bahia por dia com notificação. Essa campanha visa justamente trabalhar com o alerta à população, reduzir o tabu, reduzir o estigma e falar sobre o assunto.
 
Qual a importância de falar sobre isso?
As pessoas têm medo de falar sobre suicídio. Em geral, têm medo de falar sobre doenças mentais, mas é mais fácil perceber isso no caso do suicídio. A gente percebe uma dificuldade às vezes até da própria imprensa. Quando acontece um caso de suicídio, as pessoas tendem a não mencionar achando que falar sobre o assunto vai aumentar a taxa de suicídio, o que não é verdade. A pessoa precisa de ajuda e precisa falar sobre isso. Discutindo abertamente e mostrando que os tabus não existem, a gente pode alertar a população e reduzir essas taxas.
 
O que tem sido feito por parte do governo e instituições com relação à prevenção?
As campanhas governamentais são muito tímidas em relação a discutir abertamente sobre a prevenção do suicídio. As instituições e organizações de psiquiatria, junto com o Conselho Federal de Medicina e também os regionais, fazem uma campanha de educação da população com relação a esclarecimento. Aliás, o melhor programa de prevenção ao suicídio dos últimos tempos foi implementado pelo CVV [Centro de Valorização à Vida]. Com voluntários, as pessoas doam seus tempos e têm salvado muitas vidas. As pessoas não precisam aparecer e pedem ajuda a alguém treinado para evitar o suicídio. Outro trabalho importante é das polícias Civil e Militar na prevenção e na abordagem com relação ao suicídio. Ouvimos muito de alguém que estava na passarela para pular, e a polícia chegou e abordou com humanidade e carinho, e a pessoa desistiu da ideia.
 
Durante a Jornada Bahia Sergipe de Psiquiatria, foi abordado não só a prevenção ao suicídio, mas também o uso abusivo de remédio. Qual foi a abordagem do tema?
Uma das mesas falou do uso abusivo da medicação. As pessoas tendem a abusar principalmente de tranquilizantes, os famosos "tarja preta" como um bálsamo, como uma saída fácil para problemas. Para se ter ideia, o medicamento mais prescrito no Brasil é o clonazepam, que ganha da metformina e do losartana, que são remédios para diabetes e alta pressão, respectivamente. Note que nem o metformina nem o losartana precisam de receita, enquanto o clonazepam precisa. O que há por trás disso? As pessoas precisam de soluções imediatas? Nosso alerta é para que os médicos prescrevam menos ou com parcimônia esse medicamento. E para que as pessoas entendam que o uso de medicamento não é uma saída. A saída é um tratamento, uma terapia. A gente pede que os médicos fiquem atentos a pedidos do medicamento.

 
Quais são os principais problemas mentais diagnosticados na Bahia?
Depressão é o maior deles. Depressão é um problema que aflige grande parte dos brasileiros e da população geral. Pesquisas mostram que cerca de 20% da população mundial já teve ou tem depressão. Na Bahia, só de pessoas afastadas no INSS por depressão chega a 14% de todos os afastamentos. Há ainda a esquizofrenia que também é importante, mas atinge cerca de 1% da população, o que é um número baixo comparado à depressão. Há a ansiedade, que pode chegar a um grau muito alto e atrapalhar a vida da pessoa. Outra coisa muito importante a ser dita hoje é a dependência de drogas. Crack hoje é o que mais ocupa leitos de psiquiatria no Brasil. Pacientes com doenças mentais tradicionais perderam espaço para internamento principalmente para dependentes de crack. Nós temos hoje dois grandes desafios: a depressão é o que mais leva ao suicídio, o que mais incapacita, o que mais tira o sujeito da vida social, enquanto o crack é o que mais devasta em termos de comportamento.
 
E qual a análise da Associação Psiquiátrica da Bahia (APB) com relação ao crescimento desses males?
Na verdade, eles não aumentaram. Essa é uma lenda que se criou. Não tem mais doentes hoje que no passado. Talvez tenha mais esclarecimento com relação ao diagnóstico. O acesso ao médico hoje é mais fácil do que era há 20, 30 anos. Além do acesso à informação que existe hoje, então elas começam a entender que aquilo não é um defeito, mas uma doença, então buscam o médico. Nossa visão é que a gente está conseguindo diagnosticar com mais facilidade.
 
Outro tema que foi abordado na Jornada foi o diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Em entrevista recente, uma especialista afirmou ao Bahia Notícias que o diagnóstico do TDAH é muito questionado. Há discussão se a doença de fato existe e sobre a alteração da forma de diagnóstico?
O TDAH existe de fato. O que pode acontecer é que algumas pessoas com qualquer dificuldade de concentração sejam consideradas com déficit de atenção. Isso também pode levar ao risco de excesso de medicação. Pessoas que usam o medicamento para TDAH para melhorar o desempenho. Existe hoje um mito entre universitários e pessoas da mídia que o medicamento pode melhorar a cognição. A doença existe e pode atrasar muito o desenvolvimento de uma criança que não consegue ter atenção em atividades, embora sejam inteligentes. A gente vê resultados fantásticos antes e depois do tratamento, com doses corretas e pelo tempo específico. O que eu não concordo, por exemplo, é com alguém que chega no consultório aos 38 anos de idade dizendo que está com TDAH. Essa doença tem um início muito precoce.
 
Já houve algum tipo de evolução no diagnóstico do problema?
Já. A gente tem frequentemente revisões de critérios de diagnósticos. A gente está cada dia que passa mais preciso em termos de conclusão diagnóstica para evitar esse excesso. Hoje é muito mais rigoroso. Os tratamentos também estão evoluindo muito com o passar do tempo, com mais especificidade e segurança para o paciente.
 
Há ainda a discussão sobre problemas de desenvolvimento físico em crianças que utilizam a medicação para TDAH.
Não é correto pensar que a criança vai ter atraso físico por conta do metilfenidato ou outras substâncias recomendadas para o TDAH. O que é mais importante é que a pessoa vai ter o desenvolvimento cognitivo mais adequado. Não há nenhum indício de crianças que tenham qualquer problema físico maior por causa do uso desses medicamentos. Claro, toda medicação tem efeito colateral. Qualquer uma. Isso não foge ao uso desses medicamentos, mas a balança positiva de efeitos benéficos é muito maior. Até mesmo se você compara pacientes adultos que não se trataram, é possível perceber uma propensão maior a problemas de humor e de uso de drogas.

 
Pensar que o uso desses medicamentos levaria a esse desenvolvimento superior não geraria o que tem acontecido com relação ao excesso de medicação para esse problema?
Outra lenda que também se aplica ao adulto, que acha que esse medicamento seria um turbo para melhorar o desenvolvimento intelectual. Não é o desenvolvimento intelectual que melhora. Esse problema é ligado à atenção, ao foco. Inteligência a pessoa já tem. Uma criança com déficit de atenção não consegue se concentrar na aula, por exemplo. No entanto, os pais não podem achar que o baixo desempenho escolar está obrigatoriamente ligado a isso. Por esse motivo que o diagnóstico deve ser muito criterioso. O excesso de medicação se dá às vezes pela pressão da família e pela pressa dos médicos. Lembrando que só quem pode diagnosticar TDAH é psiquiatra.
 
Como os profissionais têm lidado com essa questão de pessoas que buscam o medicamento apenas por questões recreativas ou para melhorar a cognição?
A questão é que o médico não pode passar medicamento, em qualquer hipótese, para recreação. O médico que prescreve alguma dessas medicações psicoestimulantes para recreação está incorrendo em erro. É quase um tráfico de drogas, porque é uma medicação de uso extremamente controlado. A gente não pode tapar os olhos para a realidade de que existe um tráfico dessas medicações. Existe um câmbio negro no qual você adquire essa medicação através de redes sociais ou conhecidos. Não dá para saber se as prescrições são verdadeiras. É preciso ainda orientar o paciente que a medicação é dele, não é do colega.
 
Houve ainda no congresso uma mesa sobre sexualidade. Como a psiquiatria se envolve com a sexualidade?
Sexo faz parte da saúde mental de todos nós. Uma pessoa que não tem qualidade de vida sexual tem uma tendência a desenvolver ansiedade, depressão, frustrações no dia-a-dia. Uma pessoa satisfeita com sua vida sexual rende melhor. As doenças psiquiátricas, como um todo, acarretam queda no desejo sexual, na libido. Muitas vezes o paciente busca um ginecologista, por exemplo, reclamando que está com falta de desejo. Por trás daquilo pode haver uma ansiedade, uma depressão, e ela pensa que o problema é sexual. Da mesma forma, a impotência sexual tem como principal causa motivos psíquicos.
 
E no caso de pessoas assexuadas?
Eu li recentemente uma reportagem falando sobre os assexuados, que têm orgulho de dizer que são assexuados. Também é um problema. As pessoas precisam ter desejos na vida. Uma coisa é ter opções, escolher não ter sexo. Mas essa pessoa está feliz de não ter esse momento de intimidade com o parceiro? Por que ela decidiu isso? Uma coisa é decisão, como um padre católico que precisa manter celibato. Mas quantos padres mantêm vida sexual fora da igreja? Foi uma escolha, mas o desejo é mais forte. Há pessoas até que se escondem na religião por serem assexuadas, por não gostarem nem de homem, nem de mulher. Isso pode esconder, sim, um problema hormonal ou na esfera psíquica. É necessário investigar. A gente acha que os assexuados estão ligados a alguma disfunção. Acredito que seja até mais de causas psíquicas do que hormonais.