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Entrevista

'Eles tentam não naturalizar o ciúme', diz pesquisadora sobre adeptos do poliamor

Por Renata Farias

'Eles tentam não naturalizar o ciúme', diz pesquisadora sobre adeptos do poliamor
Foto: Jamile Amine/ Bahia Notícias
Apesar do socialmente estabelecido amor monogâmico, no qual duas pessoas se relacionam apenas entre si, há grupos que têm tipos diferentes de relacionamentos. Existem pessoas que têm relacionamentos exclusivos com mais de um companheiro ou companheira, e outras que não estabelecem nenhum tipo de fidelidade. E nada disso às escondidas. O mais importante, em ambos os casos, é que todos que integram o relacionamento tenham consciência do acordo previamente estabelecido. A pesquisadora Mônica Barbosa, integrante do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), explicou ao Bahia Notícias como se configuram o poliamor e as relações livres, temas de seu recém-lançado livro "Poliamor e Relações Livres: Do Amor à Militância Contra Monogamia Compulsória".
 
Você acabou de lançar um livro sobre poliamor e relações livres. O que exatamente ele aborda?
Faço uma discussão a respeito do privilégio que a monogomia tem na nossa sociedade, situando em uma espécie de regime de verdade do amor.

E qual foi sua linha de pesquisa?
Eu fiz uma análise do discurso. Tanto o discurso de grupos que sustentam a monogamia quanto desses movimentos. Queria ver como esses movimentos, o poliamor e o relações livres, estavam enfrentando essa ideia. A gente tem um pressuposto em nossa sociedade que o amor é monogâmico. Quando duas pessoas entram em uma relação, quando ela fica “séria”, ela se torna monogâmica. Se não for, por algum motivo, então esse amor que sustentou o nascimento da relação é questionado. Eu queria justamente saber como essas pessoas estão enfrentando isso que é questionado. Eu começo fazendo uma análise da monogamia a partir do século 18, dessas classificações que a sexualidade ganhou, passo pela questão dos direitos sexuais, que fazem parte dos direitos humanos, e depois analiso especificamente o relações livres, que é esse grupo de Porto Alegre, com o qual eu tive contato.
 
Como pode ser definido o poliamor?
O poliamor é a possibilidade de estabelecer vínculos sexuais e afetivos entre mais de duas pessoas e de forma consensual, isso é importante.
 
Há alguma diferença entre poliamor e relações livres?
Tanto poliamor quanto relações livres são movimentos pela multiplicidade sexual e afetiva, além de serem formas de comportamento. O poliamor é um movimento que começou nos anos 1980, nos Estados Unidos, e o relações livres é um movimento que começou no Brasil em 2001. A diferença básica é em relação ao discurso. O poliamor existe a polifidelidade, que é o estabelecimento de relações só em um mesmo grupo. Por exemplo, três pessoas ou quatro de um mesmo grupo entram em acordo para se relacionarem somente entre elas. Já o relações livres não se concorda. Eles se opõem radicalmente a isso e partem da ideia de que as pessoas são autônomas para terem quantas relações elas quiserem.

Não há nenhum tipo de acordo no relações livres?
Há o acordo sobre a não-exclusividade. As pessoas têm que concordar, tanto no relações livres quanto no poliamor. Tem que ser algo aberto, não às escondidas.
 
Existe algum formato predominante?
Na verdade, são bem fluidos. Tem relações em que todas as pessoas se relacionam, tem algumas em que só algumas se relacionam e tem relações que são paralelas, as pessoas sequer têm contato.
 
Atualmente é possível observar um crescimento na discussão sobre esse tipo de comportamento. A que se deve isso? Talvez a um também aumento do número de pessoas adeptas?
Acho que são vários fatores, mas a própria discussão que vem sendo feita e protagonizada pelo movimento feminista, pelo movimento LGBT, que discute a sexualidade, que problematiza a heteronormatividade… Acho que tudo isso ajuda a colocar a questão do poliamor e das relações livres em evidência. Eu também acredito que uma outra questão é a maior facilidade de contato entre as pessoas, por conta mesmo da globalização. Elas fazem mais redes, então tem mais possibilidade de relacionamento.
 
Você acha que há uma maior abertura na sociedade atualmente para esse tipo de relação?
Não. Eu acho que o fato de a sociedade estar discutindo já é um bom indicador, porque antes nem se falava, mas ainda há muita resistência. Mesmo entre as pessoas que já têm um posicionamento crítico quanto à heterossexualidade, por exemplo, ainda há uma resistência, ainda há a ideia de que essa é uma luta menor em relação às outras lutas?
 
O surgimento de novas redes sociais e aplicativos de relacionamento também influencia nesse movimento? De que forma?
É uma opinião pessoal minha, porque minha pesquisa não foi por esse lado, mas eu acredito que sim, principalmente porque as pessoas têm mais possibilidade de se relacionar. As redes contribuíram muito também para aumentar a discussão, principalmente com os fóruns na internet. Poucos grupos que conheço fazem reuniões presenciais.
 
Como esse grupo realiza movimentos de luta por direitos e visibilidade?
Eles surgiram em 2001 com o nome Família Feminismo, com uma ação dentro do Fórum Social Mundial. Eles realizam reuniões, grupos de estudos, acolhimentos para as pessoas que estão começando agora no movimento. A gente aprende a vida toda a ser monogâmico, então quando você se propõe a ter uma relação não-monogâmica e, principalmente, não quer fazer isso às escondidas - que é um comportamento que a nossa sociedade também está bastante acostumada -, você pode sofrer preconceito.
 
E como lidar com o preconceito?
Há várias situações. A família, por exemplo, é um dificultador. Várias pessoas com quem tive contato não tinham aberto para a família. Hoje isso já mudou para algumas delas, com uma maior discussão e divulgação sobre o tema. A maneira mais eficaz que as pessoas têm contado é justamente discutindo, se reunindo e mostrando a cara nos fóruns, com ações nas paradas LGBT…
 
Ao se falar em poliamor, pensa-se principalmente em pessoas jovens e de cidades mais urbanas. Isso foi observado em sua pesquisa ou o resultado foi outro?
No caso do grupo que pesquisei, a faixa etária é de 20 a 50 anos. Mas no filme “Eu, Tu, Eles”, por exemplo, mostra uma comunidade sertaneja, então com certeza há em outros lugares. Existem ainda outras comunidades não-monogâmicas que não se definem como poliamor.
 
Há espaço para o ciúme nesse tipo de relacionamento?
As pessoas que têm relações poliamorosas não estão livres de ciúmes. O que elas fazem é tentar primeiro não naturalizar o ciúme, questionar o ciúme e aprendem a lidar com esse ciúme. A gente sempre aprende a lidar com várias emoções que não são agradáveis, como a dor, a tristeza… Podemos aprender a lidar com o ciúme também.