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Entrevista

‘São totalmente silenciosos’, diz cirurgião sobre tumores que podem causar câncer de tireoide

Por Francis Juliano / Fotos: Joaquim Castro

‘São totalmente silenciosos’, diz cirurgião sobre tumores que podem causar câncer de tireoide
Fotos: Joaquim Castro/Bahia Notícias
Tematizado no filme “A Culpa é das Estrelas”, em cartaz nos cinemas e baseado no livro de mesmo nome, o câncer de tireoide pode passar anos sem ser descoberto. Segundo o cirurgião Augusto Fernandes Mendes, em entrevista ao Bahia Notícias, os nódulos “são totalmente silenciosos”  na fase inicial da doença, o que faz muita gente descobrir que abriga o tumor em exames de rotina. Outra característica é que a enfermidade tem atacado mais jovens. A maioria são mulheres, principalmente entre 25 e 35 anos. Para se ter ideia, a proporção de acometimento delas é três vezes maior do que a do público masculino. Na conversa com o BN, o médico, que atua em um dos poucos hospitais que tratam esse tipo de tumor pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Bahia, destrinchou as faces do câncer de tireoide e falou sobre tratamento, pós-cirurgia, locais de atendimento no estado e cuidados que a pessoa deve ter pelo resto da vida. Confira a entrevista na íntegra.
 

 
Bahia Notícias: O câncer de tireoide acomete muitos jovens, e dentre estes, mulheres. Há uma proporção de que atinge três vezes mais do que os homens. Por que essa incidência no público feminino?
 
Augusto Fernandes Mendes: Olha, não tem nada comprovado e bem estabelecido. Mas parece que essa maior incidência esteja ligada a fatores hormonais. Não tem nada muito comprovado, mas essa é a principal hipótese.
 
BN: E no caso dos homens? Há casos de muitos jovens que desenvolvem o tumor.
 
AFM: Essa é uma doença que tanto pode acometer mulheres e homens e a doença tem principalmente dois tipos de incidência. No adulto jovem dos 15 aos 30 anos, e no adulto em uma faixa etária mais avançada, a partir dos 60 anos.
 
BN: Existem vários tipos de câncer de tireoide, como os chamados carcinomas. Uns são mais frequentes, porém com mais chances de cura, e outros mais raros, mas de maior agressividade. Como diferenciá-los?
 
AFM: O carcincoma de tireoide é basicamente dividido em três grandes grupos: os carcinomas bem diferenciados, os carcinomas moderadamente diferenciados e os carcinomas indiferenciados ou anaplásicos. O que isso significa? Os carcinomas bem diferenciados têm as células bem parecidas com as células de uma tireoide normal. Por isso, eles têm um comportamento biológico menos agressivo. É o caso dos carcinomas apilífero e tireoide. Juntos, eles perfazem mais ou menos 85% dos casos. Esses são mais incidentes, porém menos agressivos. Os moderadamente diferenciados são os carcinomas medulares que podem ser de origem familiar. Já os carcinomas anaplásicos são muito raros. Porém é o tipo mais agressivo e tem o tratamento mais difícil, sendo responsável por dois terços dos óbitos de câncer de tireoide.
 

 
BN: Tem alguma maneira de a pessoa perceber os sintomas de um tumor na tireoide?
 
AFM: Olha, os pacientes chegam com esse questionamento. Na verdade, em uma fase inicial, esses tumores são totalmente assintomáticos, silenciosos. São nódulos geralmente pequenos que não causam sintomas até chegarem a um tamanho que a gente considera significante, ou seja, a partir de dois ou três centímetros. Isso porque a tireoide abraça a traqueia e fica diante do esôfago. Então, para um tumor de tireoide se manifestar clinicamente, ele tem que comprimir traqueia e esôfago. Aí pode ocorrer dispneia, a chamada falta de ar; disfagia, que é a dificuldade de engolir, engasgo com frequencia, mas até que chegue a um volume em um nódulo desse porte demora anos, muitos anos. É bom lembrar que isso serve para carcinomas bem diferenciados, aqueles que têm as células muito parecidas com as de uma tireoide.
 
BN: É possível que esses tumores apareçam em uma faixa etária menor, como em crianças?
 
AFM: Infelizmente sim. A gente tem alguns casos de crianças com cinco, seis anos de idade com câncer de tireoide. Inclusive, nessas crianças o surgimento de metástase é muito mais frequente. 
 
BN: O que a pessoa deve fazer depois que é reconhecido o tumor na tireoide?
 
AFM: Uma coisa interessante que tem acontecido recentemente é o diagnóstico precoce que os ginecologistas estão fazendo. Quando o paciente chega para uma consulta, é feita toda investigação da parte ginecológica com uma ultrassonografia, com exame de imagem, e outra ultrassonografia de tireoide também é solicitada. Nessa consulta, é detectado o nódulo. Aí, o paciente é direcionado para um endocrinologista ou encaminhado diretamente para um cirurgião de cabeça e pescoço. A ultrassonografia que o ginecologista solicita na sua rotina detecta esse nódulo. Então, nós estamos fazendo diagnóstico de câncer de tireoide com nódulos de 0,3 centímetros. Eu já operei pacientes com câncer de três milímetros apenas por conta dessa disseminação, no bom sentido, da ultrassonografira para detectar esses tumores. Eu quero também mencionar que o diagnóstico deve ser confirmado (depois da ultrassonografia) com uma punsão biópsia aspirativa com agulha fina, feita geralmente com um radiologista ou patologista. Então, esse nódulo puncionado detecta células suspeitas ou malignas, em uma classificação de [bethesda] que vai de 1 a 6, em uma gradação em que o 1 é um nódulo benigno e o 6 é o maligno. Então, os nódulos de categoria 4, 5 e 6 devem ser encaminhados para cirurgias. Aqueles que ficam entre 1, 2 e 3 podem ser somente acompanhados clinicamente. Nem todo nódulo de tireoide é cirúrgico. Somente os suspeitos.
 

 
BN: No caso dos nódulos cirúrgicos, o que o paciente deve fazer depois da cirurgia?
 
AFM: O tratamento padrão para os pacientes de tireoide é a cirurgia seguida ou não da iodoterapia, que é uma medicação que se dá ao paciente depois de 40 dias, em média, da cirurgia. Aqueles pacientes com alto risco de recidiva do câncer vão para o iodo e os de baixo risco não precisam dessa terapia.
 
BN: De que forma se descobre que o paciente precisa de iodo?
 
AFM: Através dos dados da biópsia da cirurgia. Se o nódulo tem invasão de vasos, se o nódulo extravasa a cápsula da glândula, se há presença de metástases cervicais. Nesses casos, o paciente precisa do iodo radioativo.
 
BN: Esse tipo de câncer tem um alento já que a maior parte dos casos tem boas chances de cura. Depois de realizada a cirurgia, com ou sem a introdução em seguida da iodoterapia, o que a pessoa tem de fazer? Ela precisa mudar hábitos de vida, como alimentação e sedentarismo, depois do tratamento?
 
AFM: Os pacientes que vão para cirurgia vão ficar dependentes pelo resto da vida do hormônio tireoidiano, que é o T4. Hoje tem vários nomes comerciais na praça. Essa é uma obrigação que o paciente vai ter. Depois, o paciente tomando hormônio, vai poder fazer tudo o que fazia antes, sem nenhuma limitação.
 
BN: Esses medicamentos são baratos?
 
AFM: São baratos. Geralmente, essas medicações de uso contínuo são subsidiadas pelo governo, como remédios para diabetes, hipertensão, etc, e são acessíveis. 
 
BN: O senhor trabalha no Hospital Aristides Maltez, que é um hospital especializado em oncologia e que tem uma demanda grande para atender, com pacientes até de outros estados. O paciente baiano, que precisa de tratamento de câncer de tireoide, só tem a opção do Aristides Maltez pelo SUS?
 
AFM: Sim. O Hospital Aristides Maltez é o único que atende 100% SUS na Bahia. Outros hospitais podem fazer esse tipo de tratamento, porém, com uma fila de espera muito maior. Aí, eu me refiro ao Roberto Santos, Hospital das Clínicas, Hospital Santa Izabel, Irmã Dulce e o Ana Néri. Já nos hospitais particulares isso é mais fácil. Em relação à iodoterapia, só quatro hospitais no estado, e em Salvador, fazem o procedimento: o Aristides Maltez, o Hospital Português, o Hospital da Bahia e o São Rafael.
 

 
BN: Então, os pacientes do interior têm de vir para capital para serem atendidos?
 
AFM: Infelizmente, sim.
 
BN: Qual o número de atendimentos no Aristides Maltez?
 
AFM: São muitos atendimentos. Nós somos sete profissionais que atendem esse tipo de demanda e a gente tem uma média de dez casos por semana no ambulatório.
 
BN: Atualmente o filme “A Culpa é das Estrelas”, baseado no livro de mesmo nome, tematiza esse tipo de câncer. O senhor viu? Acredita que a ficção ajuda no sentido de informar melhor sobre a doença?
 
AFM: Eu ainda não cheguei a ver o filme, mas acredito que ajuda sim. Porque fala do dia a dia das pessoas que têm câncer e que vivem o problema.