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Entrevista

‘Todo mundo acha que asma é banal’, diz médico sobre pouco caso com que doença é tratada

Por Francis Juliano/Fotos: Fernanda Aragão

‘Todo mundo acha que asma é banal’, diz médico sobre pouco caso com que doença é tratada
Foto: Fernanda Aragão/Bahia Notícias
A cidade esfriou, o estado também. Com a mudança do tempo, algumas enfermidades ficam mais susceptíveis de ocorrer, como as reincidentes gripes e resfriados. Além destas, doenças crônicas como a asma podem desencadear crises em quem já vive o problema. Para saber mais sobre a enfermidade, que é lembrada nesta terça-feira (6) no Dia Mundial da Asma, o Bahia Notícias conversou com o coordenador do Programa para o Controle da Asma na Bahia (Proar), Adelmir Machado. Segundo o pneumologista, há pouco caso em relação à doença, tanto pelo paciente (“em uma crise ele espera até o último minuto para ir a um pronto-socorro”) como por equipes de saúde (“todo mundo acha que é banal”). Em relação à capital baiana, Machado conta que o dado é preocupante porque denuncia a negligência em relação ao tratamento dessas doenças. “Por incrível que pareça, a mortalidade de pacientes com asma aqui em Salvador é dentro do hospital”, revela. Na entrevista, o médico contou ainda um pouco da história do programa, que já recebeu elogios da Organização Mundial da Saúde (OMS), falou sobre locais da cidade onde se sofre mais com problemas respiratórios, e orientou sobre prevenção. Veja abaixo a entrevista na íntegra:
 
 
Bahia Notícias: Como surgiu a ideia de fundar o Proar?
 
Adelmir Machado: Nós já havíamos tentado fazer isso em 1982. Foi uma iniciativa do Dr. Álvaro Cruz, pneumologista também, professor da faculdade de medicina da Ufba, assim como eu. A asma é uma doença banal, do ponto de vista de controle. Se você oferecer educação, assistência e medicação, os pacientes não precisam ir frequentemente às emergências, e nós teríamos a possibilidade de reduzir bastante as mortes. Em 2002, resolvemos forçar um pouco a barra e instituir esse programa para pacientes com asma grave, o que coincidiu com uma portaria que dava acesso a alguns medicamentos para asma para pacientes que tivessem determinado perfil. No começo, era eu, Dr. Álvaro e uma enfermeira apenas. O principal seria: identificar qual a forma mais grave de asma, a que gera mais custo para o paciente e o gestor público e a que mata mais. Na época, não havia qualquer tipo de assistência em Salvador e, em especial, na Bahia. Então, nós instituímos esse programa que, inclusive, oferece medicação gratuita para quem têm as formas mais graves de asma.
 
BN: No interior do estado tem algum posto do Proar?
 
AM: Em Feira de Santana tem sido coordenado pela Dr. Eli Brandão. Nós até tentamos fazer a interiorização do Proar, mas não tivemos apoio da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), que não nos ofereceu apoio sob vários argumentos, até o de que existiria necessidade de um programa mais abrangente para outras doenças pulmonares.
 
BN: O Proar vive de que recurso?
 
AM: Nós vivemos de recursos de pesquisa da Ufba. Temos também uma parceria com o Município e o Estado. O governo do estado nos oferece a medicação e a prefeitura nos oferece o local que hoje ocupamos, ali no Centro de Saúde na Rua Carlos Gomes, além de alguns profissionais. Nós também recebemos recursos de pesquisa, relacionados a pesquisas nossas, com instituições estrangeiras.
 
BN: A demanda no Proar é grande?
 
AM: A demanda é crescente, não é espontânea. O indivíduo tem que ser indicado por uma emergência, por algum profissional, mas nós não estamos conseguindo admitir novos pacientes, justamente porque a equipe é reduzida, o recurso é reduzido. Nós já tivemos três mil pacientes só na Carlos Gomes. Hoje, temos mil pacientes.
 
 
BN: A renda do paciente dá prioridade a ele?
 
AM: Basta ser SUS. Há a obrigatoriedade de o indivíduo ter o cartão do SUS. Se ele não tem o cartão do SUS, nós abrimos um cadastro para ele naquele momento. Pode ser para um indivíduo de bom poder aquisitivo ou o indivíduo bastante humilde, pobre, com uma renda diminuta. O que o serviço social faz são diversas ações para priorizar esse indivíduo mais humilde, ajustar a agenda de horário e prover informações para facilitar a vida dele, orientar a família, identificar situações para que ele volte a se inserir na sociedade, porque com problemas como a falta de ar tem gente que perde o emprego.
 
BN: O senhor falou que ainda se morre de asma.
 
AM: Ainda se morre de asma. Um dos fatores é a própria gravidade da doença. A outra é a subestimação. O próprio paciente desconhece que é doente e não quer dizer que é doente. Em uma crise, ele espera até o último minuto para ir a um pronto-socorro. Lá no Proar, nós damos um plano de ação ao paciente para ele saber quais as medidas a serem tomadas para que não corra um risco maior. Outro fator, por incrível que pareça, é a própria subestimação de médicos e da equipe de saúde. Todo mundo acha que asma é uma doença banal. Se você tem um conhecido, um parente, asmático, o que você vai observar é que ele não é o primeiro a ser atendido, ele fica em um canto menos visitado no setor de emergência. Mas pacientes com asmas morrem bastante.
 
BN: Aqui em Salvador, o senhor encontra casos de morte por asma?
 
AM: Por incrível que pareça a mortalidade de pacientes com asma aqui em Salvador é dentro do hospital. Se você der um clique rapidamente no Google, em países da Europa e nos Estados Unidos, essa mortalidade é fora do hospital. Porque você imagina que a crise pegou o indivíduo rapidamente e não deu tempo de socorrer. No caso daqui, é mais preocupante porque diz que alguém está falhando.
 
BN: Quais as pessoas que são mais vulneráveis à asma?
 
AM: Os extremos. Indivíduos mais idosos e indivíduos bastante jovens são os que morrem mais. Mulheres também têm mais freqüência de asma.
 
BN: Por que as mulheres são mais afetadas pela asma?
 
AM: Existem várias fatores, mas os hormonais são mais destacados. Na primeira infância, ou seja, no inicio da vida até os 20 anos ela é mais freqüente no sexo masculino. A partir dos 20 anos, a doença acomete mais as mulheres. 
 
 
BN: Agora, nesses últimos dias, a gente percebe que há uma mudança de temperatura. Está soprando um vento mais frio na cidade. Quais as enfermidades que mais se manifestam nesse período?
 
AM: As infecções respiratórias. Dessas infecções respiratórias, aquelas que são transmitidas por vírus. O resfriado é muito comum e a gripe também, com sintomas que se parecem com a rinite. O resfriado comum é obstrução nasal, lacrimejamento, espirro, coriza, e alguns indivíduos podem ter formas mais graves com acometimento de tosse, dores no corpo e comprometimento pulmonar. Algumas dessas infecções estão não só relacionadas à mudança climática, mas à sazonalidade [período em que se manifesta] desses vírus. E, habitualmente, durante o inverno, a tendência é a gente ficar em ambientes fechados, o que favorece a contaminação.
 
BN: Salvador é uma cidade que tem uma umidade considerável. Mas existem locais, bairros, em que as pessoas sofrem mais com problemas respiratórios?
 
AM: Existem locais não relacionados a infecções, mas a problemas respiratórios. Sem dúvida nenhuma, o fator poluição ambiental é o mais importante. Onde tem maior circulação de veículos, fábricas e emissão de gases, essas partículas podem sensibilizar as vias respiratórias e fazer com que o indivíduo fique mais susceptível a doenças respiratórias, como as infecções ou as exacerbações de asma, ou falta de ar, e as chamadas DPOC, um grupo de doenças como enfisema, bronquite crônica que estão ligadas ao cigarro. Há uns três, quatro anos, uma pesquisadora ligada à Fiocruz e ao Proar fez um monitoramento aqui em Salvador de metais pesados. O que ela identificou é que locais como Canela, Avenida Manoel Dias [Pituba] e o Subúrbio Ferroviário, concentram maior concentração de partículas. É provável que nesses lugares os indivíduos devam ter mais problemas respiratórios.
 
BN: Como é que se faz para prevenir a asma e outras doenças respiratórias?
 
AM: Boa parte das doenças respiratórias infecciosas, principalmente as virais, tem sua transmissão por secreção. Pode reduzir bastante a transmissão de uma pessoa para outra, o hábito de lavar as mãos, como também evitar ambientes fechados e manter uma alimentação balanceada com uma boa quantidade de frutas e verduras. Atividade física também ativa o sistema imunológico [defesa] do corpo. Precocemente, o indivíduo que resfria ou gripa vai usar alguma medicação sintomática para dor de cabeça, febre, coriza, mas essas doenças têm um ciclo limitado. Duram em média de cinco a sete dias. Depois, a pessoa melhora. Outro aspecto é que a gripe – que é diferente do resfriado comum e tem sintomas mais graves – a prevenção é por vacinação. Nesse período, inclusive, já se iniciou a vacinação que inclui os grupos de risco – jovens, idosos, profissionais de saúde, etc.
 
BN: Pessoas que não fazem parte desse grupo de prioridade podem tomar a vacina para fortalecer o organismo?
 
AM: Não precisam. Pessoas saudáveis quando se vacinam não trazem nenhuma cobertura adicional. Isto porque o organismo é capaz de encontrar rapidamente esse grupo de vírus. Mesmo quando não há uma defesa completa, você vai ter um nariz entupido, uma garganta arranhada, mas dentro de dois ou três dias já vai estar bem. 
 
BN: Asmáticos sofrem mais com a gripe e o resfriado?
 
AM: Indivíduos que tem DPOC [enfisema, bronquite crônica] ou asma quando se gripam têm mais exacerbação, ou seja, eles podem entrar em crise mais facilmente. Para esse subgrupo, está prevista a vacinação.  

 
 
BN: E a diferença entre alergia e asma? Tem muita gente que confunde. Qual a relação entre uma e outra?
 
AM: A alergia é um tipo especial de inflamação e metade dos indivíduos com asma são alérgicos. Por isso, esses indivíduos têm outras doenças relacionadas à alergia. Uma delas muito freqüente é a rinite, com manifestações como espirro, fungado e obstrução nasal. A alergia se manifesta quando um indivíduo reage de maneira mais intensa a uma determinada agressão. Então, quando se diz que uma pessoa tem alergia à poeira, é porque a poeira tem partículas que o sistema imune identifica como agressivas. O alérgico tem uma hiper-sensibilidade e uma hiper-resposta. No Proar, a gente também faz teste alérgico nos pacientes. A alergia é um fator importante e é um fator de risco na infância para o desenvolvimento da asma. Quem é alérgico tem oito vezes mais riscos de desenvolver asma em relação a quem não tem alergia. O fator genético também influi. Parentes alérgicos vão ter filhos provavelmente alérgicos. Isso funciona também para asma.