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Entrevista

Gercino José da Silva Filho, ouvidor agrário nacional

Por Francis Juliano

Gercino José da Silva Filho, ouvidor agrário nacional
Fotos: Francis Juliano / Bahia Notícias
A grilagem de terras na Bahia vai além da região oeste, área onde a Operação Oeste Legal chegou a prender empresários do agronegócio. O sul e o extremo sul são até mais visados, como aponta denúncias que chegam até o Ouvidor Agrário Nacional, Gercino José da Silva Filho. De passagem por Salvador, junto com a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Acre disse que a grilagem só ocorre porque além do falso proprietário tem um cartório corrupto no caminho.  “Acontece com a conivência do cartorário, do cartório de registro de imóveis local. Quando o cartorário não obedece à legislação, o pretenso proprietário transforma uma posse em propriedade”, explicou ao Bahia Notícias. Na entrevista, o desembargador avaliou a estrutura jurídica baiana para enfrentar os conflitos de terra e orientou como denunciar casos de grilagem, entre outros assuntos. Leia abaixo a entrevista na íntegra.
 

 
 
Qual a sua avaliação a respeito da resolução dos conflitos de terra no estado?
Olha, melhorou muito. A Bahia progrediu bastante na especialização dos órgãos que tratam das questões agrárias. Atualmente, das cinco varas agrárias regionais criadas, uma já foi instalada, que é a de Barreiras, faltando a instalação das demais. Temos uma promotoria de justiça agrária com sede aqui em Salvador, temos defensoria pública agrária, além de delegacia de Polícia Civil agrária, Polícia Militar agrária, e a Ouvidoria agrária do Incra-BA. Nós ainda estamos na expectativa da criação de novos órgãos agrários especializados. Ou seja, o estado da Bahia está preparado para enfrentar e resolver as questões referentes aos conflitos agrários, o que vai contribuir para diminuir a violência no campo.
 
O senhor falou que possivelmente vão ser criadas novas instituições para reforçar a estrutura judiciária de atuação nos conflitos agrários. Quais serão esses órgãos?
Está em andamento, por exemplo, a instalação de várias comarcas no interior. Além de Barreiras, que já está instalada, serão criadas em Eunápolis, Porto Seguro e Salvador. A OAB também acabou de criar uma Comissão de Conflitos Agrários para tratar desses conflitos. Ou seja, o quadro está se completando e isso é essencial para pacificação da zona rural no interior da Bahia.
 
Recentemente foi desencadeada a Operação Oeste Legal onde cinco pessoas foram presas acusadas de grilagem de terra. A movimentação do grupo investigado chega a R$ 30 bi. Só que dias depois, os acusados foram soltos. Como a Justiça vai atuar agora? 
Aí, depende de cada caso concreto. Vai depender da atuação do promotor de Justiça, que vai avaliar cada caso, de acordo com cada situação específica.
 
Pelo que o senhor tem ouvido, quais as áreas da Bahia mais complicadas em disputas de terra?
Olha, de acordo com o que consta na Ouvidoria Agrária Nacional, a maior tensão ocorre no sul e extremo sul da Bahia, e depois o oeste, naquela região de Barreiras.
 
Esses conflitos se devem a quê?
Principalmente pela presença de terra pública estadual grilada. Muita terra pública que está na posse, ou melhor, na detenção, de grandes ocupantes que não preenchem os requisitos para regularização fundiária.
 


 
Quem são esses grandes ocupantes?
Empresas e pessoas físicas. Aí, os trabalhadores rurais ficam sabendo que essas áreas são públicas e ocupam os imóveis, pleiteando que sejam destinadas para fins de reforma agrária. Esse é o grande fator de geração de conflitos agrários. Além do desmatamento.
 
O conflito por conta do desmatamento se dá de que forma?
O desmatamento é agravado porque ele é praticado tanto pelo grande ocupante como pelo menor ocupante. Fazem isso em desrespeito à legislação agrária, o que gera muitos conflitos também.
 
Quais são os dados de déficit agrário aqui na Bahia?
Nós temos aproximadamente 30 mil famílias de trabalhadores rurais sem terra acampados esperando que sejam incorporadas ao programa nacional de reforma agrária. Agora, nós não temos um quantitativo de hectares que estejam na mão de grileiros de terras públicas estaduais. Isso nós não temos.
 
Como ocorre a grilagem?
A grilagem ocorre mediante ocupação das áreas. As pessoas ficam sabendo da existência da terra pública, ocupam e vão expandindo a ocupação. E aí vem a questão: Como essa ocupação se transforma em propriedade? Essas pessoas – às vezes, nem sempre – entram com ação de reintegração de posse e judicializam a questão. Depois, acabam pedindo que aquele processo seja transformado em uma área de propriedade. E isso acontece com a conivência do cartorário, do cartório de registro de imóveis local. Então, quando pegam o cartorário que não obedece à legislação, aquele pretenso proprietário transforma uma posse em propriedade. 
 
Quem fiscaliza esses cartórios aqui na Bahia?
Quem tem o maior papel de fiscalização é a corregedoria do interior do TJ-BA. No tribunal, tem duas corregedorias: uma corregedoria geral e a corregedoria das comarcas do interior. Além disso, o juiz local é competente para fiscalizar os cartórios.
 
A corregedoria do interior tem trabalhado bem?
Tem sido a contento. Sempre que nós pedimos providências à corregedoria, eles fazem correções. Agora, por exemplo, nos reunimos com a presidente do TJ-BA, a desembargadora Maria do Socorro, e ela assumiu o compromisso de fazer gestão com as corregedorias para fiscalização de cartórios de registro de imóveis em Eunápolis, Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Casa Nova. Esses cartórios serão fiscalizados para saber se estão agindo na lei.
 
 
Houve denúncias contra esses cartórios?
Sim. Houve denúncias à Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo feita pelos movimentos sociais rurais URC [União da Resistência Camponesa] e o MSL [Movimento Social de Luta], dizendo que esses cartorários praticam grilagem de terras, transformando posses em propriedades.
 
É possível dizer que esses cartorários receberam vantagens, propinas?
Não sei dizer. Mas existem as denúncias que serão apuradas pelo TJ-BA.
 
Como a população pode denunciar casos de grilagem de terra no estado? No Oeste baiano há relatos de pessoas com medo de denunciar a grilagem por temer risco de morte. 
Eles podem denunciar (e eles mesmos têm feito isso à Auditoria Agrária Nacional) de forma anônima, sem ter o nome divulgado. Eles podem fazer a denúncia à Auditoria Agrária Regional do Incra-BA, daqui de Salvador, assim como dos órgãos agrários especializados, como Ministério Público Agrário, Defensoria Pública Agrária e Delegacia de Polícia Civil Agrária. Quando a pessoa não tiver confiança na autoridade local, os delegados regionais estão autorizados a receber a denúncia, evitando que a pessoa deixe de levar o caso adiante.
 
O senhor disse que terá um encontro com o governador Rui Costa. Quando vai ocorrer e do que vai tratar?
Ainda neste ano vamos ter uma reunião com o governador para tratar das questões agrárias em toda a Bahia envolvendo, principalmente, proprietários rurais e trabalhadores rurais sem terra, que demandam providências do Incra e do governo do estado.
 
Para encerrar, a troca de governo, de Dilma para Temer, provocará alguma mudança no cenário da reforma agrária?
Acredito que não porque esse novo governo manteve o programa que já estava em tramitação no Incra nacional, consequentemente as superintendências regionais do Incra também manterão seus programas. Ou seja, a reforma agrária vai ter sua continuidade normal, não haverá interrupção.