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Entrevista

Jorge Almeida, professor de Ciências Políticas da Ufba

Por Francis Juliano

Jorge Almeida, professor de Ciências Políticas da Ufba
Fotos: Cláudia Cardozo / Bahia Notícias
Com pouco menos de dois meses para ocorrer, as eleições deste ano na Bahia reservam um embate indefinido nos 417 municípios. De um lado, PT e aliados. Do outro, DEM, PMDB e setores da oposição. Para o professor em Ciência Política da Ufba Jorge Almeida, haverá também disputas internas dentro desses grupos. “Esses dois blocos vão estar em disputa na maioria dos municípios, porém com particulares internas em jogo”, disse Almeida ao Bahia Notícias. Na entrevista, o professor, que também é doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea, afirmou que nesta eleição, ao contrário da “regra”, a pauta nacional deve dominar o debate. Almeida ainda avaliou o peso do marketing em cidades do interior e comentou sobre a tendência do voto neste ano. O pesquisador também criticou a reforma política, citou as forças que devem perder e ganhar na disputa e declarou que a prática de “caixa dois” deve ocorrer em grande quantidade, devido ao limite de gastos imposto pela nova legislação. “Provavelmente vai haver muito caixa 2 nesta campanha “, afirmou.  Leia abaixo a entrevista na íntegra.
 

 
 
Como as forças políticas mais fortes no estado da Bahia vão atuar nas eleições deste ano?
Veja bem, na Bahia tem dois grandes campos. Um puxado pelo PT, que apesar do desgaste nacional sofrido, continua, e outro pelo DEM. Mas nesses campos também existem diferenças que provavelmente também estarão disputando espaço com vistas em 2018. Então, no caso dos aliados do PT você tem o grupo do senador Otto Alencar, que tem perspectivas próprias de futuro. E por outro lado, no campo do DEM, que tem expectativa de eleição em Salvador e em Feira de Santana, por exemplo, tem o PSDB e, especialmente, o PMDB, com os interesses particulares de Geddel Vieira Lima. É uma situação complexa na qual esses dois blocos vão estar em disputa na maioria dos municípios, porém com particulares internas em jogo.
 
Neste ano, dentro das novas regras da reforma eleitoral, os candidatos terão que limitar gastos de campanha, de acordo com o teto de despesas de cada cidade. Com isso, as despesas com marketing eleitoral podem perder força. O que isso pode representar para a disputa política?
Tem dois problemas aí. Um deles é a diminuição do tempo oficial de campanha. Dentro disso, vem a diminuição do tempo de TV – nos maiores centros urbanos – e também do tempo das rádios, especialmente porque existe no interior um monopólio desses veículos por grupos políticos. No período eleitoral tem uma relativa democratização desse espaço. Do ponto de vista do marketing, contraditoriamente, eu diria que quanto mais restrito o tempo, mais importante vai ser a estratégia. Por outro lado, vai haver uma redução de recursos para campanhas, o que dificulta as contratações de equipes de marketing. 
 

 
O rádio na maioria das cidades do interior é o veículo de comunicação mais usado. Quem concorre, geralmente faz uso desse meio diariamente, seja em campanha ou não. Nestes locais, qual será a estratégia mais forte?
A depender do tamanho da cidade, talvez o rádio não seja tão forte em lugares menores. O que vai funcionar é o corpo a corpo, as práticas clientelistas e fisiológicas, as alianças que foram feitas antes do processo eleitoral. O peso do marketing aí é relativo. Nessas cidades funcionam mais as relações diretas entre prefeitos, vereadores, cabos eleitorais e o eleitor.
 
Nesse ano, se comenta que um dos principais personagens da eleição será o contador, por conta dos limites de gastos e da tentação de maquiar contas. Como o senhor vê isso?
A impressão é que o limite de gastos estabelecido é baixo [60% em relação à eleição passada] porque os candidatos da última eleição omitiram os dados oficiais. E como eles omitiram, o que existe de oficial é baixo. E reduzindo para 60% é mais baixo ainda. Isso mostra que provavelmente vai haver muito caixa 2 nesta campanha.
 
A gente vai ter nesse ano o primeiro teste da recente reforma política. O que pode ocorrer?
No Brasil o que tem ocorrido são reformas eleitorais. Na maioria dos casos, são feitas para o interesse da maioria parlamentar. Como regra geral, eles não fazem reforma no interesse de uma maior democratização e transparência no processo eleitoral. Eles fazem em interesse próprio. Como esses interesses são contraditórios, alguns querem aumentar o tempo, outros querem cortar recursos, e assim por diante. A novidade dessa reforma não veio do parlamento. Surgiu do judiciário, que é o fim do financiamento empresarial de campanhas. No caso da redução do tempo de campanha, isso vai favorecer aqueles que já estão no poder ou são conhecidos, como prefeitos e vereadores, ou os que já ocuparam esses cargos, ou as chamadas celebridades. 
 

 
Qual a tendência do voto nas eleições deste ano? O que vai contar mais para o eleitor na hora da urna?
De modo geral, as campanhas municipais refletem às próprias questões locais. Mas no caso desta eleição de 2016, as questões nacionais devem ter um peso maior. O quadro nacional influencia de duas maneiras. De um lado, na própria decisão do eleitor. O desgaste do PT, e de partidos aliados ao PT, evidentemente tem efeito na posição do eleitor. De outro lado, a saída do PT do governo federal, com a perda de toda a estrutura, provoca baixas na base de aliados. Nesse sentido, a tendência é que o PT e as forças mais identificadas com ele percam espaço por esses dois motivos. Do ponto de vista de uma opção direta do eleitorado, e das articulações políticas que já começam mais frágeis e com mais dificuldade de atrair apoio eleitoral.
 
Na Bahia também será do mesmo jeito?
No caso da Bahia, há uma particularidade nesta eleição. É que o governo estadual continua com imagem relativamente positiva, o que compensa as perdas do cenário nacional. Nos estados onde o PT não tem governos estaduais, a situação vai ser muito pior. Porque se perde apoio nacional e não se tem máquina estadual, máquinas estas que incidem sobre o processo eleitoral e a construção de alianças. Então, o fato de aqui na Bahia, o PT ter mantido aliados a nível estadual que foram perdidos em nível federal, inclusive vários partidos que no plano federal conspiraram contra Dilma e investiram no golpe palaciano, aqui no nível estadual se mantiveram na aliança com Rui, tanto antes como depois do impeachment na Câmara.

Algum fator foi mais determinante no fato de o PT ter mantido esse arco de alianças?
A máquina do estado mesmo. Foram opções bem pragmáticas desses partidos. As lideranças desses grupos não agem em prol de um interesse estadual, político. Agem em interesses próprios. Isso foi o que fez esses grupos ficassem ao lado do PT, como o PRB, PP, e outras legendas menores. Agora, a tendência é que esse desgaste nacional, que vem ocorrendo, seja maior depois das eleições. Isso não significa que essa questão nacional não tenha outro sentido. Porque, na medida em que o governo Temer foi assumindo e na prática começaram a se manifestar o conteúdo e a perspectiva de seu governo, que não mudou a estrutura nem rompeu com alianças com políticos corruptos, fica demonstrado que não houve mudanças na transparência. Depois, as medidas que esse governo tomou, do ponto de vista econômico de implicações sociais, são tão piores do que as implantadas por Dilma.
 
Esse ano, o voto tende a ser mais conservador do que em eleições passadas? Pautas, como as questões racial e de gênero, podem ter mais destaques nesse ano?
Uma coisa é uma ofensiva de grupos conservadores, que foi muito forte nesse período. Outra coisa é dizer que há uma onda conservadora na sociedade brasileira. Eu não acho que há essa onda conservadora, e que a homofobia, o racismo e o anti-feminismo estejam aumentando nas sociedades brasileira, baiana e soteropolitana. Ao contrário, a impressão é que esses atos de elites conservadoras são muito mais uma reação de crescimento social. Do ponto de vista eleitoral, esses grupos mais conservadores vão ocupar espaços, mas isso não significa que a maioria da população esteja de acordo. Dificilmente, um candidato conservador do DEM, seja em Salvador ou Feira de Santana, vai defender pautas que incidam sobre o racismo, a homofobia. Ao contrário, eles vão manter um discurso – independente do que vão fazer e do que pensam – de defesa dessas causas. Mesmo que não sejam, de fato, políticas encaminhadas por eles. 
 

 
Pra encerrar, quem devem sobreviver nessas eleições de outubro?
Eu acho que todo mundo vai sobreviver. Não acho que seja um duelo mortal das forças políticas. No caso da Bahia deve haver uma diminuição dentro do campo do PT. Dentro desse campo, o pessoal ligado a Otto Alencar deve crescer, porque tem base no interior. Há um crescimento também do DEM e do PMDB. Correndo por fora, o PSOL vai ter um crescimento pequeno, porém significativo em relação ao que era. A tendência é de melhorar a bancada de vereadores, tendo boas performances com candidatos em Feira de Santana, que teve 10% do eleitorado em 2012, e em Ilhéus que teve 23% na última eleição. E é importante registar esse aspecto porque o PSOL ficou de fora desses escândalos. Praticamente é o único em nível nacional que não esteve ligado com as políticas desenvolvidas por Dilma e Temer. Voltando a falar sobre a questão da sobrevivência dos partidos, eu acho que não vai ser caso de vida ou morte para determinados partidos. O PT mesmo perdeu fortemente sua identidade histórica de partido de esquerda, com compromisso ideológico de seus dirigentes. No meu entender não faz mais política de esquerda, mas isso não significa que esteja morto nem possa se recuperar depois. Não será um duelo ao pôr do sol.