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Entrevista

Márcia Teixeira, promotora de Justiça

Por Francis Juliano

Márcia Teixeira, promotora de Justiça
Fotos: Divulgação / MP-BA
Crimes associados à homofobia repercutiram na sociedade baiana nos últimos meses. Além do caso do produtor de eventos Leonardo Moura, de 29 anos, morto nesta segunda-feira (11), aumentaram as estatísticas os assassinatos do secretário de Educação de Santo Estevão, no Portal do Sertão, e de dois professores de Santaluz, na região sisaleira – um deles ainda não teve o corpo reconhecido. Segundo a promotora de Justiça, Márcia Teixeira, do Centro de Apoio de Direitos Humanos do Ministério Público da Bahia, falta compromisso do Estado bem como das instituições da Justiça para encarar o tema. Em entrevista ao Bahia Notícias, ela falou sobre a orientação do MP para os promotores do interior do estado, que atuam nesses casos, avaliou a atuação da Secretaria de Segurança Pública e das polícias civil e militar e cobrou a necessidade de criar uma delegacia especializadas em crimes contra a população LGBTs. Leia abaixo a entrevista na íntegra. 
 

Dois casos associados a crimes de homofobia registrados no interior baiano foram os que envolveram o secretário de Educação de Santo Estevão, em abril, e dois professores de Santaluz, em junho. Como o Ministério Público tem acompanhado esses casos?
O Gedem [Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher e População LGBT] e a coordenação de direitos humanos do Ministério Público da Bahia (MP-BA) tiveram conhecimento. Existe uma tipificação de crimes motivados por LGBTfobia. A orientação do Ministério Público é que os promotores verifiquem se há sinalizações de LGBTfobia nos homicídios. Caso encontrem esses sinalizadores de motivação homofóbia, lesbofóbica, ou transfóbica, eles devem inserir a qualificadora de motivo torpe. Porque assim, o homicídio vai se qualificar por essa motivação e a pena fica maior.
 
Quais os crimes mais comuns que a população LGBT tem sofrido mais no interior do estado?
Olha, na relação dos crimes que nós recebemos aqui, primeiro vem a violência física, e em seguida, a violência psicológica. Depois, a discriminação. O que chama bastante atenção é que quando a gente vê o local do crime aparece em primeiro lugar a via pública, e em segundo, a casa. Então, a família tem sido também um local de muita prática de violência. 
 
Quais municípios do interior do estado registram mais casos de crimes contra a população LGBT?
Segundo dados de 2015 do Disque 100, Ilhéus foi a que registrou mais casos, 15 no total. Em segundo, vem Feira de Santana, com 10; em terceiro, Vitória da Conquista, com 9; e em quarto, aparece Itabuna, com 8 casos. Conforme dados do Grupo Gay da Bahia, o estado registrou 25 mortes contra a população LGBT em 2015. Em 2016, contando com o caso do produtor morto nesta segunda-feira (11), em Salvador, já  são 22 mortes. É muito preocupante.
 
Como a senhora avalia o trabalho policial na condução de crimes dessa natureza? Falo no sentido de amparar a vítima e fazer com que as denúncias sejam respeitadas.
A gente precisa tanto de sensibilização como de capacitação das polícias civil e militar. Seja em relação ao acolhimento da pessoa, como ao atendimento dos registros.
 
Há pelo menos um esforço dessas polícias em implantar isso?
Não. Embora a gente saiba que a SSP [Secretaria de Segurança Pública] tenha criado um grupo para pensar e trabalhar esse tema, ao mesmo tempo esse grupo não foi alimentado com número de policiais suficientes e com recursos orçamentários para que houvesse uma capacitação das polícias civil e militar. Em 2010, eles fizeram um roteiro para orientação, mas não deram continuidade. Nós precisamos, na verdade, é que o governo do Estado e as instituições do sistema de Justiça – e aí, leia-se Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública e Secretaria de Segurança Pública – tenham um trabalho mais cuidadoso. Para evitar, principalmente, a morte de tantas pessoas da população LGBT. Paralelo a isso, é muito importante um trabalho com educação. Um trabalho de sensibilização, de diálogo. Aqui em Salvador, nós tivemos crimes que ocorreram nos dois últimos meses, como o da cantora que foi agredida por defender a irmã de assédio, como desse crime contra o produtor desta segunda. A gente precisa perguntar nesses locais da noite, o quê está sendo feito nos bares em relação à abordagem das pessoas? Tanto em relação à população LGBT, como às mulheres. As pessoas querem também ficar sozinhas, ou com amigos e amigas, sem serem assediadas.
 


 
Segundo levantamento do Portal de Notícias HuffPost Brasil com o Grupo Abril, das 27 unidades da federação [26 estados e o Distrito Federal], apenas Paraíba e Piauí têm delegacias especializadas em crimes contra LGBTs. Para a senhora, o que é melhor, ter delegacias especializadas – já que são escassas – ou adotar outro procedimento para lidar com a questão?
Eu acho o seguinte. Toda essa parte de informação, sensibilização e capacitação é importante, mas é preciso ter delegacias especializadas para que possamos ter informações mais efetivas, mais detalhadas, até para poder trabalhar com politicas públicas mais eficientes. A gente vê casos na imprensa de intolerância, de discriminação, de bullying. É importante uma delegacia também para que aquela pessoa possa ser acolhida por quem está habilitado a respeitar a população LGBT.
 
O Estado da Bahia sinaliza alguma intenção de criar uma delegacia especializada aqui?
Infelizmente não. Isso vem sendo falado desde 2010 e até agora não observamos nenhum interesse concreto nesse sentido. Nós temos promotoria que atua com a população LGBT, temos grupos na Defensoria que atuam com a população LGBT, mas nós não verificamos a mesma boa vontade e interesse político da Secretaria de Segurança Pública.
 
Saindo da esfera policial e entrando no campo judicial, como os processos que investigam crimes LGBTs andam na Justiça? Eles também sofrem preconceito, no sentido de não serem julgados nem terem a atenção merecida?
Em princípio, eu diria que não. Embora, a gente não tenha dados para avaliar profundamente. Eu acredito que a homofobia não é notada. Pode até aparecer como uma qualificadora porque surgiu de um momento de briga, porque a pessoa estava na noite, não foi identificado o homicida, mas a discussão do nome “homofobia”, a discriminação, o preconceito, não aparece nessas peças judiciais que eu tenho contato.
 
Fica invisível.
Invisível. Assim como muitos casos de violência doméstica que aconteciam antes. Os grupos historicamente vulneráveis, eles não têm ainda espaço de contextualização no sistema de Justiça. E mesmo após dez anos da Lei Maria da Penha, por exemplo, e de um ano do feminicídio, a gente ainda se dá conta de que a violência doméstica, o contexto da violência doméstica, a retrospectiva da violência, assim como as questões envolvendo a população LGBT, elas passam muitas vezes de forma invisível. Hoje, os crimes contra os LGBTs estão mais invisíveis no sistema do que os cometidos contra mulheres.