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Entrevista

Advogado criminalista critica falta de apoio da OAB: 'Categoria passa por um preconceito'

Por Cláudia Cardozo

Advogado criminalista critica falta de apoio da OAB: 'Categoria passa por um preconceito'
Foto: Fernando Duarte / Bahia Notícias
O advogado criminalista Luciano Bandeira alegou que a categoria discriminada. "Nós nunca tivemos um presidente que olhasse o direito penal, olhasse a advocacia criminal com o respeito e da forma que ela merece, nos diversos segmentos, ou seja, dentro das unidades policiais, dentro do sistema prisional, dentro das varas criminais como um todo", afirmou Bandeira. O advogado comentou, ainda, que as investigações atuais que tem advogados como acusados é fruto da não divisão da sociedade da função que o advogado exerce e sua integridade. "A categoria passa por um preconceito, de que ao defender uma pessoa que comete delito, ele também comete. O advogado precisa saber separar o envolvimento e a sociedade também", afirmou.

As prerrogativas dos advogados criminalistas são desrespeitadas nas delegacias?
As nossas prerrogativas elas estão instituídas por lei. Nós temos o estatuto da OAB, nós temos o Código de Ética do Advogado e todo cidadão, constitucionalmente, ele tem direito a presença do seu advogado, o que nos causa estranheza é que alguns setores da sociedade, os órgãos públicos e instituições ainda resistem em atender essas prerrogativas, muito mais em razão de um clamor popular. Infelizmente, o que a gente observa hoje é que a população de forma desordenada, esquece que as prerrogativas do advogado também poderão atingir a ela, porque, infelizmente parece que a população só se dá conta da importância do advogado quando acontece algo, e o papel da OAB, o papel da advocacia é fundamental. Essa advocacia criminal, infelizmente, foi renegada a segundo plano nas delegacias. Nós temos dificuldades em ter acesso aos nossos clientes, justamente nas operações envolvendo a policia militar. Ainda há uma resistência muito grande onde o cidadão sequer foi condenado, ele já passa pelo crivo de uma condenação antecipada, já é chamado de bandido, já é execrado, já é colocado a sua imagem em sites sensacionalistas que não buscam realmente verificar as duas versões. Depois que a imagem do cidadão, depois que a alma do cidadão é atingida, os efeitos são nefastos, ele fica estigmatizado, ele fica com seu direito de ir e vir comprometido, não por uma forma opressora, mas pelo olhar da coletividade. Claro que também não vamos comparar com atividades escusas cometidas por alguns membros da advocacia. Nós vamos combater esse tipo de atividade, até porque, nós advogados, buscamos sempre a verdade dos fatos e não seria justo a gente formar uma associação para que ficássemos protegendo o subhumano da unidade, justamente isso que a gente combate. Mas também, até se obtiver uma condenação e transitar em julgado, sempre para que os direitos sejam preservados, porque o direito não é do advogado, o direito é do cidadão e infelizmente a população encara o advogado criminalista como um parceiro do criminoso e não é verdade, e o que a gente busca é restituir esse equilíbrio que, hoje, infelizmente, a gente tem na sociedade.

Uma situação que tem preocupado a classe é o fato de advogados, em grandes operações, como a Lava Jato, também se tornarem alvos de investigação. Como é que você enxerga essa situação?
A nossa luta é para que o profissional do direito não se envolva com o cliente em sua atividade, que ele saiba separar o que é o trabalho técnico do que é a participação em alguma empreitada criminosa, claro que, dependendo da relação estreita, e hoje os meios de comunicação são perversos muitas vezes, a tecnologia, um aparelho celular, os dispositivos que hoje nós temos, as escutas e tudo isso, pode influenciar realmente no entendimento do magistrado. A categoria passa por um preconceito, de que ao defender uma pessoa que comete delito, ele também comete. O advogado precisa saber separar o envolvimento. Eu sou chamado na delegacia, eu recebo cliente no meu consultório, isso precisa ser preservado, porque eu gozo de uma prerrogativa de que o segredo profissional faz parte da minha profissão. Uma coisa é eu saber de informações e usar dessas informações da atividade do cliente para empreender sua defesa técnica, outra coisa é eu participar das atividades ilícitas, levando recados, levando informações. Isso a gente repudia veementemente. O que aconteceu na Lava Jato, se analisarmos pelo aspecto do que a população acha, a população está extasiada.  Houve um pontapé inicial, não podemos deixar aqui de considerar o que a Lava Jato trouxe na autoestima das pessoas de saber que políticos também poderão ser presos punidos, grandes empresários. No entanto, nossa preocupação é essas prisões, essas operações estão respeitando a lei? Porque, um dia pode ser eu, pode ser você, pode ser outra pessoa de bem, que por uma escuta telefônica, uma interpretação equivocada de quem intercepta, aquela ligação, mesmo que legalmente, que se falou uma palavra x ou referiu uma expressão y, ela estaria também supostamente cometendo delito. Sua vida estaria completamente devassada com todos os seus sigilos quebrados. Isso é que a advocacia repudia, não a Lava Jato em si, mas a forma como que  vem sendo direcionada, não permitindo o acesso de advogados aos autos do processo, não permitindo que advogados participem de algo com seus clientes custodiados, dando uma delação premiada em condições que muitas vezes a gente julga que são espúrias. Eu já tive casos de pegar clientes, policiais militares inclusive, que ficaram presos três anos naquela antiga operação Bebê a Bordo, há uns 15 anos. Eles foram a júri popular, foram absolvidos, ficaram maculados pra vida toda, perderam suas famílias, foram largados pelos suas companheiras e conjugues, vendo os filhos crescer e sem qualquer acompanhamento, e receber um mero pedido de desculpas do juiz encerrando a sessão, em que interpele a Justiça do Estado por danos morais - que sabe-se lá quando é que serão pelo menos restituídos de pelo menos esse prejuízo.

Se fala muito que estamos no país da impunidade, mas o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Diante disso, foram criadas as audiências de custódia. Comovocêenxerga as audiências de custodia?
A sistemática das audiências de custodia precisam ser revistas, o que a gente vem enfrentando é que a Defensoria Pública se antecipa nessas audiências, muitas vezes o cliente não consegue fazer contato com advogado, mesmo tendo constituído, e simplesmente na audiência de custodia, acaba sendo defendido por um defensor publico e, muitas vezes, esse cliente entende que o advogado não atuou e simplesmente descarta esse profissional. Muitas vezes, o advogado está na delegacia e quando vai se dirigir ao Núcleo de Prisão em Flagrante para poder participar das audiências de custodia, a audiência já aconteceu, a pessoa já está em liberdade, e a forma como isso tem sido implementada, ou seja, alguns parâmetros são colocados pelos magistrados para se conceder liberdade. Nós também discordamos, infelizmente, de como Brasil vem aplicando o direito penal do autor, não se aplica o direito penal do fato e isso pode ser travestir em direito penal do inimigo, onde o inimigo sempre é o traficante, sempre é o agente criminoso, mas sem entender que muitas vezes, o cidadão pratica o pequeno trafico o tráfico formiga, para manter o vício, o Estado deveria dar o tratamento adequado para o viciado e não dá, o Estado relega, a própria Lei 11343/06 diz que o Estado deverá dar se recursos tiver, relegando a sociedade. Ou seja, isso e uma questão sua, então o que a gente observa é que se finge que fiscaliza, eu finjo que sigo as regras, e a sociedade finge que tá tudo bem. A gente observa é que justamente essas audiências de custodia, efetivamente, ela segue um padrão que foi definido pela magistratura aqui na Bahia, o cidadão já cometeu um delito? Não, então isso facilita a soltura dele. Se praticou qualquer um delito, então não, esse aqui já não pode, quando muitas vezes o delito que ele praticou nem de médio potencial ofensivo é, mas por já ter praticado um delito, ele não vai poder gozar do benefício.  Nós temos ido até as autoridades, ir até a presença do juiz, ir até a presença do procurador de Justiça, do delegado chefe, do comandante geral da PM, buscar as autoridades constituídas, justamente para mostrar que a gente vai lutar pelos direitos dos advogados. Nós queremos andar ao lado da OAB, mas não podemos esperar a OAB.

Como tem sido o diálogo com a OAB Bahia?
Infelizmente, a gente não vem encontrando tanta rapidez da OAB pra resolução desses problemas, claro nós devemos considerar aqui a quantidade de advogados trabalhistas é muito maior que a de advogados criminalistas. Mas a gente também não pode esquecer a importância que a advocacia criminal tem. O que a gente espera é que a OAB se aproximasse dessa advocacia criminal, que trabalha pra essa população carente, que trabalha pra essa população menos favorecida, porque se você for analisar, hoje, os quadros da OAB, os conselheiros, são os maiores escritórios de Salvador, participa dos maiores eventos sociais, sempre com os políticos, sempre com os magistrados. A gente quer que todos tenham suas prerrogativas respeitadas, a gente não quer que a OAB se manifeste apenas quando algo de mais grave acontece, a gente quer uma OAB parceira, o tempo todo. Mas, a gente quer algo que seja feito de imediato, porque muitas vezes, são colegas que tem suas prerrogativas desrespeitadas injustamente, só que aí, para um profissional do direito, quando acontece uma prisão, repercute de outra forma para sociedade.

A reforma do Código do Processo Penal voltou a ser discutida na Câmara dos Deputados.  O  que precisa ser revisto, modificado neste código?
Eu acredito que o Código de Processo Penal, por ser da década de 1940, ter vindo para o nosso ordenamento jurídico trazido da Itália no período fascista, com as mudanças que tivemos na década de 1970, e em 2008, o nosso código precisa ser mais ágil, o código precisa dar uma resposta a sociedade mais efetiva, precisamos de desentraves, e deveríamos ter recursos mais efetivos. Porém, nada vai muar se o Poder Judiciário continuar da forma que ele continua, o Judiciário da Bahia é o pior do Brasil por 5 anos seguidos.Nós temos comarca no interior que juízes respondem por duas três, ou quatro comarcas distantes. É brincar de fazer Justiça. Nós temos comarcas que não tem promotores. Só que, quando a prisão cautelar ela é deferida, ela é aplicada, sabe-se lá quando ela vai ser revogada. O juiz tem que estar na comarca, tem que ser aquele cidadão que vive os anseios da comunidade, tem que residir lá. Também precisamos de um Ministério Público atuante, um delegado de polícia que combata o crime. Não adianta apenas mudar a lei. A estrutura que faz cumprir essa lei está totalmente defasada. Ainda temos a cultura de que, endurecendo as leis, modificando as leis, conseguimos dar um tratamento aos nossos problemas. Vai ser importante essa mudança, sim, mas é preciso trazer uma ampla discussão, não só do processo penal e das leis especiais.

Quais são os efeitos aqui na Bahia do entendimento do STF de permitir que uma pena seja executada depois de uma decisão de segundo grau?
O Ministério Público tem feito alguns pedidos para que e inicie imediatamente a execução de penas, alguns pedidos têm sido acatados, mas não é regra geral no Tribunal de Justiça da Bahia. Falo isso até com uma grande satisfação. Se nós temos as cortes superiores, que esgotemos todas as possibilidades de recurso, para que não paire no ar um sentimento de injustiça. Muitas decisões são revistas no STJ e STF. E se eu tenho um tribunal de Justiça que presta um péssimo serviço aos jurisdicionados, como é que se pode impedir das partes de buscarem os tribunais superiores, que tem uma estrutura melhor, de celeridade processual, porque impedir? O que me parece é que esse entendimento do STF foi uma forma de dizer que não querem os recursos cheguem até eles. Só que o povo, que é a parte mais fraca dessa relação, a pessoa humilde, ela busca esses tribunais da forma que ela puder buscar, como forma de alento a tudo aquilo que vê de errado nas instâncias inferiores. Te digo com segurança: nós presenciamos verdadeiros absurdos praticados aqui. Eu espero que esse entendimento do STF seja revisto. Há uma tendência disso ser revisto, pois o entendimento seria entregar na mão do desembargador a caneta da decisão definitiva. Eu vejo com bons olhos a discussão no meio jurídico para que o posicionamento seja modificado. A gente vai brigar para que o cidadão tenha acesso até a Suprema Corte, senão, não tem necessidade de ter uma corte superior. O cidadão não pode ser penalizado por uma ineficiência do Estado, por não conseguir cumprir seu papel

O senhor falou sobre o tratamento dado aos advogados nas delegacias, que muitas vezes, fere as prerrogativas. Já há conversas com a Polícia na Bahia para modificar essa situação?
Já tivemos reuniões com a Polícia Militar, com o comandante da Corregedoria, mas infelizmente, ainda, não sei se por falta de treinamento, não sei se pela situação de pertencerem a uma entidade militar, onde ali há uma dificuldade de se ter uma abertura. Até hoje, nos questionamos o motivo dessa  dificuldade. Se houver a desmilitarização da polícia, que se invista, pelo menos, no material humano, que de curso, que transforme toda a polícia em uma polícia investigativa – nos Estados Unidos, não há polícia militar. A Polícia Militar precisa ser repensada. Tem que se pensar se o Corpo de Bombeiros deve pertencer a Polícia Militar. Será que não teríamos mais eficácia se tivéssemos unidades menores da Polícia Militar, mais bem preparada para os grandes distúrbios, de uma Polícia Civil, com um corpo maior, com estrutura, com treinamento, uma polícia inteligente, juntamente com a Guarda Municipal, e se ter uma guarda única? É algo que precisa ser discutida pela sociedade, mas será que ela está preparada? Isso precisa de uma ampla discussão na sociedade. Eu acho que a desmilitarização deve ser gradativa, não dá para fazer tudo de uma vez.