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Entrevista

Remuneração de servidor da PGE é menor do que de estagiário, revela associação

Por Cláudia Cardozo

Remuneração de servidor da PGE é menor do que de estagiário, revela associação
Júlia Querol, presidente da Abaap | Fotos: Fernando Duarte/Bahia Notícias
A Procuradoria Geral do Estado realizou um concurso para procuradores e ainda não os nomeou. No quadro em geral, ela precisa de mais procuradores. O órgão também precisa de mais servidores? Como é a situação dos profissionais que trabalham na PGE?
A situação dos servidores é bastante difícil, além da sobrecarga de trabalho pela falta de servidores, a gente tem problema remuneratório. São 50 anos de Procuradoria, e desse tempo, foram 47 anos sem concurso público para servidor. Historicamente, a instituição é formada por cargos temporários, comissionados, terceirizados ou de Redas. Somos poucos servidores no total, e o valor da hora trabalho do servidor chega a ser mais baixa do que a hora do estagiário de nível superior. O vencimento básico, dependendo da carreira, é inferior ao salário mínimo. Claro que recebem auxilio alimentação, transporte, mas existe uma questão simbólica em você ter um vencimento base abaixo do mínimo.

Como está a estruturação da carreira a partir do concurso público? Já é possível traçar um plano de cargos e salários, por exemplo?
A gente apresentou uma proposta de um plano de carreira estruturado, com alteração dos vencimentos, com uma restituição dos planos de carreira, porque atualmente o que é dito pela Lei Orgânica da PGE, nós só chegaremos ao topo da carreira com 28 anos de instituição, e a diferença de valor é muito pequena para cada elevação. A gente tem uma progressão agora, que, o valor - acho - que não chega a R$ 200 de diferença. Temos um diálogo muito aberto com o gabinete, com o Paulo [Moreno, procurador geral do Estado], e o problema todo é a conjuntura da Bahia. Temos pensado conjuntamente em alternativas pra isso, ou em medidas que não impliquem necessariamente em alguma mudança legal. Tá sendo bem difícil conseguir isso nesse momento, mas a gente acredita que tendo uma melhora na situação a gente consiga evoluir bastante nisso aí, porque a casa reconhece que é uma situação absurda dos servidores.

Há um déficit de servidores na PGE?
São 49 servidores efetivos na casa, de um total de 187. São efetivos, cargos e servidores cedidos de outras secretarias para 211 procuradores ativos. Geralmente, nos órgãos públicos, se tem uma pirâmide, em que a base são os servidores, e no topo, os procuradores, mas na PGE é invertido. São mais procuradores do que servidores.

Com essa carência, como fica a demanda de trabalho?
O número de servidores atual não é suficiente. O ideal pra PGE é que ela conseguisse ter mais servidores efetivos, e o cargo comissionado fosse usado para o que se destina - que são cargos de chefia e coordenação. A situação na PGE é tão precarizada que temos pessoas de cargo comissionado fazendo atividade rotineira, cadastrando processo no sistema. Acho que teria que haver uma correção dessa distorção da PGE inicialmente, mas isso é uma coisa mais para o futuro. Vale ressaltar que, esse quadro, ainda assim, já seria pequeno para a quantidade de procuradores. Acho que é necessário dobrar essa quantidade de servidor, e ainda assim, talvez não seria o ideal.

A memória do trabalho da PGE não se perde com a saída de comissionados, de cargos temporários?
 Com certeza se perde a memória, sem dúvida alguma. No cargo comissionado, tem gente exercendo uma função que não seria adequada para o cargo dele. Também tem terceirização, como por exemplo, o atendimento ao público, por telefone, embora os servidores por telefone, atendam, orientem o cidadão, o atendimento da casa ao público é de uma empresa que terceiriza mão de obra. Justamente pra evitar o vínculo de trabalho, empregatício, a PGE não pode fornecer para essas pessoas treinamento e qualificação.

Como foi criada a associação?
Logo no primeiro ano, apesar da gente ter lido o edital de concurso público e saber das condições de trabalho, algumas pessoas insatisfeitas começaram a se unir.  Na gestão passada, foi sinalizado que não poderiam nos ajudar. Nessa nova gestão, nós tivemos uma conversa mais aberta. Começamos a nos organizar em meados de 2015 após alguns questionamentos se valia a pena continuar na PGE. Nós tivemos casos de pessoas que saíram de lá sem perspectiva nenhuma, saíram de lá pra estudar para concurso, porque estavam pagando para trabalhar. A gente começou a se organizar, porque existem pessoas que gostam de trabalhar ali, que acreditam, que querem trabalhar. A gente resolveu lutar por isso. A gente tem muito a contribuir com o órgão. Nós fizemos várias reuniões e nossa primeira assembleia com os servidores foi em abril do ano passado.  

Como é a conversa com o procurador-geral para melhorar a carreira?
Ele sempre nos atende quando solicitamos, e quando ele não tem agenda, o diretor geral nos atende. Nós conversamos muito, colocamos nossas pautas, nossas reivindicações. No ano passado, nós tínhamos uma perspectiva melhor para este ano de 2016, mas ‘o bicho pegou’ – digamos assim-, necessariamente para o Estado da Bahia. A PGE nos ajudou muito na elaboração do plano de carreira, nós fizemos pesquisas, comparamos com outros estados e assim, tivemos algumas pequenas melhorias. Participamos da implantação do ponto eletrônico e conseguimos algumas vantagens para os servidores ao negociar o decreto que instituiu o ponto. Apesar de haver a previsão de plano de carreira de 28 anos, faltava uma regulamentação, que ainda não havia sido feita para garantir a progressão, via decreto.

Porque é necessário que se invista mais na PGE e nos servidores?
Acho que falta uma compreensão do quanto é importante à atuação da PGE até na organização do próprio Estado, pois ela orienta a política pública, participa da arrecadação, tributária, faz todo assessoramento jurídico do Estado. Se você parte do princípio de que você aparelhando a PGE você gera um benefício para o Estado como um todo, seja na economia, em um Estado mais eficiente, mais eficaz, vale a pena investir na PGE. Já existe um entendimento, mas por enquanto, ainda tem muito para se avançar na efetividade.

Como é que os analistas dão suporte às atividades do procurador do Estado?
Temos os analistas e os assistentes. O analista faz muitas atividades de assessoramento. Ele faz da pesquisa da matéria até a minuta das petições. O procurador recebe, digamos, uma demanda muito bem tratada. O procurador já recebe a matéria cadastrada no sistema, existe todo um trabalho prévio, além disso a gente tem o analista contábil, que trabalham no setor de cálculo, revisam os cálculos judiciais e isso impacta em uma economia para o Estado muito grande. Além disso, tem os analistas administrativos e os assistentes, que trabalham mais na parte da secretaria, de cadastro de processo, e não só na área fim, na área meio também, na administração do órgão.

Quais são as próximas ações da associação pra melhorar a carreira?
Estamos em um processo de diálogo com o gabinete já pensando essas alternativas. Existem as necessidades do órgão e existem nossos interesses. Outro fator na PGE é que há um desestímulo dos servidores efetivos, pois há cargos comissionados com mais vantagens do que o servidor efetivo. Tem gratificações que o servidor efetivo não pode receber, mas os cargos têm. Trabalhamos com isso, porque entendemos que o servidor ali, querendo ou não, vai criar a memória do órgão. É um servidor que passou por um concurso público oneroso, você tem que dar um reconhecimento, você tem que estimular ele, motivar ele a fazer aquele trabalho, porque chega um ponto que você trabalha numa condição que, por mais que você goste do seu trabalho, começa a prejudicar outros aspectos, outras esferas da sua vida, e, além disso, a demanda é tão grande, que começa a criar um certo risco de falhar por conta da sobrecarga. Mas a gente tem que pensar o órgão em longo prazo. A PGE é o órgão que assessora juridicamente o Estado, ele precisa ser um exemplo, inclusive, nesse aspecto. A gente trabalha em várias linhas, tanto buscando a qualificação através de cursos para os servidores. Também dialogamos sobre a carga horária de trabalho e a necessidade que os servidores aprovados sejam chamados e futuramente novos concursos também sejam realizados.

Como é a situação dos servidores no interior do estado?
A gente tem uma estrutura física razoável em Salvador. O interior precisa ser melhorado, mas o que realmente faz falta é estrutura humana. Dos 211 procuradores ativos, só 18 estão no interior e um em Brasília. Nós temos cinco servidores efetivos no interior. Temos a necessidade de um concurso público voltado para o interior. Se quer atrair servidor para o interior, faz um concurso estadual, quem é que vai se deslocar? As pessoas que estão no interior, hoje, são pessoas que já eram daquelas regiões e mais ninguém. A PGE, para atrair alguém para o interior, precisa melhorar as condições dos servidores ou fazer um concurso regionalizado. E o interior é bastante demandado, tem um potencial muito grande, em cenário de crise como a gente vive hoje é preciso ter esse feeling para perceber que a Procuradoria evita despesas e capta recursos.

Os servidores da PGE também tem uma posição sobre o pagamento dos honorários aos advogados públicos?
Em um escritório particular, o honorário realmente é a remuneração do advogado. Só que, o honorário, nesse caso, é utilizado ainda para pagar a estrutura, aparelha o escritório, funcionários, conta de água e energia, além de ser a própria remuneração do advogado. Na PGE, esses honorários já existem tanto o judicial quanto o extrajudicial. O judicial faz parte dos procuradores, e o extrajudicial, uma parte é destinada para um fundo, que permite a modernização da Procuradoria. Tanto que, hoje, a sede da PGE foi construída através desse fundo, toda a parte de sistemas de informática, tecnologia, os computadores são bancados por esse fundo. A gente não pode, no caso do advogado público, entender o honorário como remuneração, porque o advogado público já é remunerado pelo serviço dele, ele é pago pelo Estado, ele tem a remuneração de servidor público. Não se pode perder a noção de que o honorário é da PGE, porque ele não mantém só o procurador. Mantém o órgão como um todo, como um honorário não mantém só um advogado, mas sim mantém a atividade profissional, o escritório, funcionários. Isso tem que ser levado em conta.

Como os servidores entendem que esse honorário deve ser dividido?
Esse fundo de modernização é para modernizar. Entende-se que você deve qualificar e estimular o trabalho. Uma parte desse valor vai para o fundo, outra é rateada entre os servidores. Quando abriu essa discussão dos honorários, acho que todo mundo abriu o olho, os próprios procuradores. Existe a natureza da verba, se ela é indenizatória, se ela é remuneratória, isso vai ter impacto, no caso dos procuradores, porque alguns excedem o teto do Executivo. Todo mundo ficou empolgado com a perspectiva de poder ter o honorário do advogado. Só que eu acho que jamais se pode perder a perspectiva que o honorário, no caso da advocacia pública, ele não é só do procurador, ele é do órgão, ele é da PGE. Ele está ali pra estruturar, para manter, para, até queira ou não, investir em pessoal, em qualificação. A Apeb [Associação dos Procuradores do Estado da Bahia] tem feito várias assembleias para debater com seus associados, mas a gente também tem essa preocupação da manutenção do órgão, porque embora o procurador trabalhe ali, e faça, desempenhe sua atividade fim, quem está diariamente no órgão, quem tem essa noção dessa estrutura, dessa necessidade de você ter um sistema que cadastre e controle os processos, quem está ali diariamente é o servidor. O servidor tem plena consciência da necessidade de manter o órgão estruturado, o órgão aparelhado, talvez até porque alguns já têm até a possibilidade de fazer home office, enfim. Só que, da mesma forma que a iniciativa privada paga os honorários quando sucumbe, o Estado quando sucumbe também tem que pagar honorários. Os procuradores pagariam os honorários sucumbentes através desses honorários que eles receberam? Essa é a questão, Porque, hoje em dia, quem paga os honorários sucumbentes do Estado é o Estado. Da mesma forma que o particular paga quando ele perde a ação. Esse debate já existe internamente, pois o órgão tem várias precariedades com quadro de pessoal. O que hoje mantém um ambiente de trabalho minimamente saudável é justamente o que é bancado por esse fundo e, muitas vezes, o que acaba sendo uma ‘compensação’ por conta desse valor, desse percentual que vai ser rateado, acaba sendo uma recomposição salarial para alguns servidores. Existe um debate que corre pela Apeb, existe uma comissão que trata disso através do gabinete, e entende, e nisso a gente conta com o apoio do gabinete da PGE, da importância desse fundo. A Apeb já discute isso como uma associação nos interesses de classe dos procuradores, e para o servidor que trabalha nesse contexto ouvir toda essa conversa isso assusta, não é? A gente tem conversado, dentro do órgão existe uma conversa, existe um diálogo, isso tem gerado bastante preocupação, burburinho às vezes.  Dentre as estruturas do Executivo, a PGE é a mais estruturada, sem sombra de dúvida, por conta do fundo. Se historicamente existe isso, se tem uma perspectiva de parte da arrecadação ser diminuída e perder esse fundo - vamos supor, não de perder, mas um risco, uma possibilidade, isso está em aberto -, então você se preocupa.