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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Jurista diz que mensalão foi um divisor de águas por punir agentes do setor privado

Por Cláudia Cardozo

Jurista diz que mensalão foi um divisor de águas por punir agentes do setor privado
Fotos: IBADPP
O clamor pelo fim da corrupção no país ecoa de vários cantos do país, e esse tema é debatido com frequência, não só em propagandas políticas, mas também em meios jurídicos e acadêmicos. A ideia é sempre achar uma forma de combater a corrupção, através de diversos mecanismos. Em janeiro deste ano, entrou em vigor a Lei Anticorrupção. A consultora em direito estrangeiro, Ana Maria Belotto, que atua na área penal empresarial, em entrevista ao Bahia Notícias durante o Seminário do Instituto Baiano de Direito do Processo Penal (IBADPP), explicou como o Programa de Compliance ajuda a combater a corrupção a partir do agente corruptor no âmbito empresarial. O termo ainda é novo no país, mas pode ser compreendido quando se fala em estar em conformidade com as leis.  “O programa de Compliance são regras internas que a empresa adota, que vai passar para seus empregados, para seus diretores e seus representantes que tem que ser seguidas para buscar a conformidade com essas regras, para evitar que a empresa não viole as normas que lhe são aplicáveis”, explica. Belotto diz que, apesar da Lei Anticorrupção não falar na adoção de um Programa de Compliance no meio empresarial, ela fala em medidas que serão consideradas na hora de aplicação de multas e de penas para quem cometer algum ato ilícito. Para a consultora, o Programa de Compliance ainda ajuda a diminuir os riscos que as empresas podem correr e que pode preservar sua imagem e sua reputação. “Para a empresa, pega muito mal ela ser vista dentro de um contexto de trabalho escravo, ela quer fugir justamente dessa imagem negativa que pode surgir para ela, não só das multas e as penalizações que podem ocorrer, mas o que uma consequência de imagem pode trazer, como a perda de clientes, de negócios, de contratos”, analisa. A jurista ainda diz que o “mensalão foi um divisor de águas” por não só punir os funcionários públicos envolvidos no esquema de corrupção, como também os agentes do setor privado.



Bahia Notícias: Primeiramente, gostaria que explicasse o que é o Compliance e como é discutido dentro da área criminal no Brasil?

Ana Maria Belotto: Compliance nada mais é do que conformidade. É um termo em inglês que veio para o Brasil. É uma cultura que está sendo importada dos Estados Unidos, mas na verdade, nada mais é do que conformidade - de buscar conformidade com as regras aplicadas. Isso é muito mais feito no âmbito empresarial porque é, digamos, o meio que a empresa acha de baixar os riscos que ela tem no ambiente de negócios. Com o crescimento dos crimes penais econômicos, de processo administrativo civil contra o ato da empresa no mundo empresarial e por isso, se busca baixar esse risco. São medidas que a empresa determina que ela vai tomar para que os riscos dela sejam menores. A empresa vai determinar o nível de risco para ela operar. O programa de Compliance são regras internas que a empresa adota, que vai passar para seus empregados, para seus diretores e seus representantes que tem que ser seguidas para buscar a conformidade com essas regras, para evitar que a empresa não viole as normas que lhe são aplicáveis.

BN: Qual a ligação entre o Compliance e a Lei Anticorrupção, promulgada neste ano?

AMB: Isso está sendo muito discutido, porque a nova lei traz esse conceito, mesmo que ela não fale em programa de Compliance, ela fala em medidas que podem ser tomadas que serão consideradas na hora da aplicação das multas e das penas dentro dessa lei. Isso tem muito a ver, porque essa lei é inspirada em uma convenção da OCDE - da qual o Brasil é signatário - que fala da corrupção e da responsabilidade da pessoa jurídica - não tanto das pessoas físicas envolvidas - que por fim, é inspirado em uma lei americana, o Foreign Corrupt Practices Act, o chamado FCPA, que busca punir atos de corrupção fora dos Estados Unidos – corrupção de funcionários públicos estrangeiros, quando uma empresa americana está envolvida. Dentro desse ambiente do FCPA se criou muito essa cultura de Compliance. Então, há negociações com empresas e as autoridades mostrando ‘isso aconteceu, mas eu tenho aqui um programa que tudo foi feito para que isso não acontecesse e foi o ato isolado de um empregado ou representante’. Como essa nova lei é muito espelhada nessa cultura, ela traz também essa cultura do Compliance, e aí, vira uma coisa muito debatida no Brasil, porque é um tema novo, porque não foi muito bem regulamentado.

BN: Muitas empresas no Brasil são condenadas na esfera da Justiça do Trabalho por praticar dumping social, explorar trabalho análogo ao escravo, e muitas vezes, vão parar em listas negativas. De alguma forma, elas encaixam neste contexto de discussão de programas de Compliance?

AMB: Com certeza. Isso é muito aplicável. A ideia é justamente, quando a gente fala dos riscos para empresa, para ela diminuir esses riscos, porque também está entrando muito risco reputacional da imagem da empresa, que muitas vezes, tem mais valor do que uma multa que possa ser aplicada. Para a empresa, pega muito mal ela ser vista dentro de um contexto de trabalho escravo, ela quer fugir justamente dessa imagem negativa que pode surgir para ela, não só das multas e as penalizações que podem ocorrer, mas o que uma consequência de imagem pode trazer, como a perda de clientes, de negócios, de contratos. Está no próprio valor da empresa, se ela vende ações em bolsa, por exemplo.


BN: Muitas empresa figuram em cadastros negativos, de nomes sujos e ficam impedidas de contratar com o poder público. Como uma empresa pode adotar o programa e reduzir os riscos?

AMB: Geralmente, o que acontece na fase inicial, é uma auto avaliação da empresa, de como ela funciona, fazer um diagnóstico interno, dos riscos que ela está sujeita, diretamente relacionada as normas que estão sujeitas. Que tipo de atividade ela conduz atualmente que podem estar ilegais ou que, do jeito que são feitas, trazem riscos para própria empresa. Depois dessa fase de análise interna, que a gente chama de análise de risco, em que é determinado os pontos críticos dentro da empresa que podem causar problemas, são implementada regras, direcionadas para atingir esses riscos. Muitas vezes, as regras são cláus­­­ulas contratuais, com parceiros que deixam claro o que a empresa não tolera, treinamentos de certos empregados, que eles entendam as regras que eles estão sujeitos, porque, as vezes, até uma troca de pessoas que não se adequam a essas normas, sistemas internos de auditoria constantes, para sempre a empresas estar se reavaliando e, enfim, esses tipos de medidas são direcionadas ao risco identificado.

BN: Hoje em dia, no Brasil, quando se fala em corrupção, se fala mais do agente público, corruptor, e muitas vezes isso parte das próprias empresas, que tenta desvirtuar o sistema público. Como é que isso pode ser combatido?

AMB: Isso é realmente uma tendência, de falar de corrupção, principalmente na parte da investigação. Você vê que a polícia, o Ministério Público estão olhando mais para o corruptor, sem deixar de olhar para o corrompido, mas estão olhando muito mais para o papel do corruptor, para tentar cortar esse papel. A empresa vai tentar identificar as situações em que ela tem contato com o funcionário público, em situações que esse tipo de contato pode gerar uma propina, um ato ilícito. Dentro dessa identificação, ela vai colocar regras específicas, e as vezes, essas regras são bem minuciosas. Por exemplo: muitas empresas colocam um valor mínimo para brindes e presentes que possam ser distribuídos, proíbem contato sociais, como pagamento de almoço, de jantares, sem se falar em qualquer pagamento em dinheiro, qualquer coisa que não só possa ser ilegal, mas possa parecer ilegal que vá prejudicar a imagem da empresa.

BN: Como as leis de Improbidade Administrativa (8.429/92), da Lavagem de Dinheiro (9.613/98) e da Anticorrupção (12.846/13) podem ser utilizadas para penalizar as empresas corruptoras?

AMB: No Brasil não existe responsabilidade penal para pessoa jurídica, a não ser para crimes ambientais. O processo penal vem atrelado, muitas vezes, a processos administrativos e civis, que podem afetar a empresa. Essas três leis, como a lei de improbidade administrativa, que é muito parecida com o crime de corrupção do código Penal. A punição pode ser até proibição da empresa de fazer negócios com o setor público, e para muitas empresas, isso pode ser fatal. Se ela é uma empresa que só vende para o setor público, por exemplo, ela tem uma sentença de morte. Ela vai ter que fazer outra coisa. A outra lei, de lavagem e produção de dinheiro, que uma lei, apesar de ser criminal, ela tem uma parte administrativa, que impõe obrigações administrativas. Geralmente são empresas do sistema financeiro, imobiliário, seguradoras, enfim, tem um hall de pessoas que estaria sujeitas a lei, e tem que adotar mecanismos de controle. A lei passa para essas pessoas do setor privado a obrigação de fiscalizar possíveis indícios de lavagem de dinheiro e reportar isso para as autoridades competentes. Para isso, elas precisam ter programas específicos também de Compliance, que a própria lei determina como tem que ser. O simples fato de não ter isso, já é um indício para que não ocorra desvio de dinheiro e outros crimes. E a terceira lei, que é a nova Lei 12.846, que põe responsabilidade a pessoa jurídica por atos contra a administração pública nacional e estrangeira , que impõe uma responsabilização objetiva a empresa.


BN: Quais são os crimes financeiros mais observados no Brasil?

AMB: No Brasil, a Lei 7.846 fala muito dos regulamentos dos crimes financeiros. É muito falado de evasão de divisas. No caso da empresa, se preocupa muito com a gestão fraudulenta, empréstimos vedados. Os tipos de crime, apesar de ser um funcionário dentro da empresa que comete o ato, isso acaba acarretando problemas para a própria empresa.

BN: Como o mensalão pode ser considerado no meio deste cenário?

AMB: O mensalão é um divisor de águas, porque ele não só puniu os funcionários públicos envolvidos no esquema, mas como também olhou para o setor privado. Os diretores do Banco Rural, as pessoas do setor privado que participaram do esquema, também foram punidas, e isso acabou mudando a percepção de que a empresa está de fora, não é olhada, e que a corrupção é muito focada nas pessoas físicas em si. É difícil uma empresa se recolocar no mercado depois de um escândalo desse. Abriu muitos olhos dos empresários que tinham essa sensação, meio que de impunidade.

BN: Como está o mercado para o advogado que se especializa em direito econômico e qual importância desse segmento na atualidade?

AMB: Acho que, no momento, é um termo bem popular que está sendo discutido com essa nova lei. O programa de Compliance exige do advogado que ele conheça as regras, saibam como elas funcionam. É um espaço bem aberto para os advogados que gostam do direito penal econômico, com esse conhecimento, porque ele já traz o saber principal, o resto é entender um pouco o que as autoridades procuram.