Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

'É um dinheiro nosso que tem ido para os cofres públicos', diz presidente da Apeb sobre honorários

Por Cláudia Cardozo / Rebeca Menezes

'É um dinheiro nosso que tem ido para os cofres públicos', diz presidente da Apeb sobre honorários
Foto: Francis Juliano | BN
Presidente da Associação de Procuradores do Estado da Bahia (Apeb), Marcos Sampaio leva à frente a bandeira do pagamento de honorários advocatícios aos advogados que defendem as causas do Estado baiano. Em entrevista ao Bahia Notícias, ele explica que esse dinheiro não sai dos cofres públicos e que, se o pagamento for redirecionado, ainda pode servir de incentivo aos defensores. “Isso não é receita do Estado e sim resultado do empenho do procurador contra a parte que luta contra o Estado, e quem paga os honorários é a parte que perde a ação”, afirma. Sampaio aproveita para explicar as diferentes carreiras da advocacia pública, a importância da PEC 82, que pede autonomia para a categoria, e o funcionamento do sonegômetro, que mede quanto dinheiro de impostos já foi sonegado. “Só para se ter uma ideia, em torno de 15% dos impostos são sonegados no país. Isso representa até R$ 160 bilhões, só no primeiro quadrimestre de 2014. São três vezes o (projeto) Bolsa Família”, compara.
 

Bahia Notícias: Qual a diferença entre a atuação dos procuradores do estado e dos promotores de justiça?
 
Marcos Sampaio: A questão da nomenclatura causa uma confusão. Procurador do estado, procurador de Justiça, promotor... As pessoas confundem bastante. A Constituição de 88 escolheu, basicamente, três carreiras que nós chamamos de advocatura ou advocacia pública. Uma é o advogado da sociedade como um todo, que é o Ministério Público; outra é para o necessitado economicamente, que é o defensor público; a terceira é o procurador, advogado do próprio Estado, quem o representa, inclusive nessas tensões ou desentendimentos que existem entre o MP ou a Defensoria e o Estado. O Estado também tem o direito de se defender e de contar sua versão. E essa defesa é bem interessante pois não somos advogados do governo, até porque um governo é sempre transitório, mas do Executivo, Legislativo e Judiciário. Por exemplo: há uma investigação do Conselho Nacional de Justiça que pede uma impugnação. Quem faz isso é o procurador do Estado. Então nós tentamos defender uma linha do erário, do cofre público, da moralidade administrativa. O MP faz essa defesa também, mas atacando o gestor, sempre na acusação. De um lado nós velamos os cofres públicos, já que os procuradores do estado são responsáveis pela arrecadação através da execução fiscal, e do outro fazemos o controle interno da administração e orientamos a formatação da política pública.
 
BN: Qual é a função da advocacia pública no país?

MS: A advocacia pública no Brasil foi estruturada com a Advocacia Geral da União – que defende a União –, as Procuradorias Gerais dos Estados e as Procuradorias Municipais. Por que estamos hoje na luta pela PEC 82, que atribui autonomia funcional e prerrogativas aos membros da advocacia pública? Porque em uma audiência, senta-se com um juiz, imparcial, que tem autonomia, e com o MP, que também tem autonomia. E do outro lado, o procurador do Estado, que para nós deve ter a mesma paridade de armas, as mesmas condições. Me parece que o sistema fica desequilibrado quando você tem a acusação autônoma e a defesa não.
 
BN: E essa autonomia buscada é só administrativa, ou financeira também?

MS: Administrativa e financeira. A autonomia técnica nós já temos garantida pela lei. Ninguém pode pedir para alterar meu parecer. Se eu acho que o governo está errado, ele vai ter que corrigir. Eu não preciso fazer a defesa do que não está correto. Às vezes, administradores que acabaram de entrar não entendem muito bem. Eles acham que queremos travar a administração, colocar freios, mas não é isso. É que esse cargo não é pessoal. Então quando a lei não permite, dizemos não. O órgão que mais diz não à administração é a própria procuradoria do estado – claro que sempre dando opções. Nós temos essa independência política, já que não estamos vinculados a nenhum grupo político, e a independência técnica.
 
BN: É uma espécie de conselheiro?

MS: Nós chamamos isso de consultoria, assessoria e representação. Então nós explicamos o que pode ou não ser feito. Um governante ou secretário que não conheça a maquina ou a legislação vê uma coisa errada e acha que já pode mudar no outro dia, que é muito simples, e a gente explica que não é bem assim. Que tem que ter licenças, estudos de impactos, votações orçamentárias, projetos detalhados... Aí eles reclamam que vai demorar, mas essa é uma exigência legal.
 
BN: Os advogados públicos são de carreira, não é? São concursados?

MS: Sim. Todos os procuradores do estado, sem exceção, foram concursados. A Procuradoria já tem 48 anos e sempre primou por esse meio. Não há ninguém com cargo de confiança ou indicados por governador. Nós só temos uma hipótese que permitiria uma nomeação do governador, que é para chefe da Procuradoria.
 
BN: E como tem sido feita a escolha para esse cargo?

MS: Isso é uma coisa que nos preocupa bastante. Os últimos governantes tiveram o cuidado de escolher alguém da carreira. Nós já temos, aproximadamente, 17 estados em que as Constituições Estaduais obrigam que o chefe da Procuradoria seja procurador de carreira. Na Bahia, nós não temos a obrigação, por isso queremos colocar essa garantia na Constituição do estado. Por uma razão simples: um advogado é escolhido para o cargo, fica três, quatro anos, aprende toda estratégia de defesa do órgão, quais são as falhas, qual sua força, e depois sai para advogar contra o Estado. Então é um risco à democracia. Então como podemos permitir? Mais do que isso. Como esse procurador não teria nenhum compromisso com a longevidade da instituição, tem um risco maior de errar. Então essa é uma bandeira nossa.
 
BN: E já tem algum projeto de lei aqui na Bahia que tente assegurar essa exigência?

MS: Tem. A Apeb elaborou uma proposta de emenda à Constituição Estadual em que tratamos de dois grandes eixos. O primeiro é assegurar isso. Nós pedimos parecer do procurador-geral e vamos levar ao governador, até para que ele tenha uma noção da própria consciência que ele teve ao escolher alguém de carreira.
 
BN: Como foi a conversa com os deputados baianos para a aprovação dessa emenda?

MS: Nós tivemos uma boa receptividade. Os parlamentares reconhecem a sua importância, principalmente aqueles que já tiveram contato com a Procuradoria. Eles nos consideram como uma “muleta”, porque percebem a quantidade de equívocos que poderiam cometer. Um deputado chegou a me confidenciar uma vez: “Se não fosse a Procuradoria, a essa altura eu provavelmente estaria preso.” Muitos acham que podem tudo e não é assim.
 
BN: A interpretação das normas e leis de licitação são complexas, não é?

MS: Muito complexas. Por exemplo. A lei de licitações da Bahia foi elaborada pela Procuradoria do Estado. Essa lei tem tanta qualidade que mais de 80% será reaproveitada na União na substituição da nacional.
 
BN: Você disse que a proposta de emenda tem dois eixos. Qual é o segundo?

MS: É a Procuradoria que deve assumir a defesa das autarquias e fundações. Instituto do Meio Ambiente, Iphan, Derba, Detran, Sucab, Ebal... São órgãos em que os serviços prestados são muito relevantes e de valores muito altos. E nós temos bem claro que deveríamos assumir essas instituições. Hoje a defesa delas fica a cargo de advogados de carreira chamados procuradores jurídicos que não passam por nenhum concurso. Foram pessoas escolhidas antes de 1988, legalmente, e foram incorporadas e estabilizadas. Só que de 1983 para cá ninguém mais entrou. Isso significa que a defesa de autarquias e fundações está extremamente precária. Nós estimamos que haja, neste momento, a necessidade de cerca de 150 procuradores. Existem atualmente pouco mais de 60 pessoas e a história mostra que os maiores problemas jurídicos do Estado nos últimos 10 anos aconteceram nessas entidades, justamente por falta de aparelhamento. Então nós propomos que a Procuradoria assuma esses órgãos, a partir da nomeação do maior número de procuradores possíveis dentro do último concurso feito, que já está em fase final. O edital dessa prova foi de 25 pessoas, mas tivemos mais de 100 pessoas aprovadas. Foi um concurso rigorosíssimo, com mais de 15 mil inscritos, e acredito que tivemos um ótimo resultado. Assim, pedimos que o quadro da instância seja ampliado para assumirmos as autarquias.
 
BN: E como esse processo tem caminhado?

MS: O Procurador-geral do Estado já está muito sensível e alguns secretários já reconheceram a importância dele. Além disso, há um movimento nacional para que haja essa unificação em todo o país. Em São Paulo já foi implantado um modelo que só deixou de fora as universidades estaduais, mas aqui nós esperamos que elas também sejam incorporadas. Não tem como o Estado ser defendido com duas teses conflitantes. Como é que um procurador do Derba diz que uma licitação de asfalto tem que ser de um jeito, e o estadual diz que tem que ser de outro? No final, quem vai decidir? E quem paga a conta é o Estado. Então estamos insistindo. Inclusive contratamos o parecer de um grande jurista nacional, professor Juarez Freitas, estudamos a matéria com profundidade, doamos esses documentos para a Procuradoria, que os submeteu ao Conselho Superior – que é o órgão máximo – e o parecer foi aprovado com unanimidade. Só que nós não temos conseguido colocar esse processo para andar. Há agora um compromisso de encaminhar os documentos para a Casa Civil, para que sejam analisados.
 
BN: Qual tem sido o maior obstáculo da PEC?

MS: Eu desconheço qualquer resistência. É uma proposta muito bem estruturada. Só tem um foco de resistência, que são os procuradores das autarquias e fundações, que acreditam que podem perder seus cargos, o que não deve acontecer.
 
BN: Isso pode ajudar inclusive a evitar desvios de verbas e conflitos...

MS: Exatamente. Se desde 1983 não tem concurso, o mais novo está lá há 31 anos. São pessoas que já estão no final da carreira. A nossa proposta é que, quando eles se aposentarem, esses cargos sejam preenchidos com pessoas novas, com ideias diferentes, que tenham tecnologia. Todos os dias a Procuradoria é chamada para resolver um problema em uma autarquia ou fundação. Todos os dias. Eles não têm estrutura.
 
BN: Qual é a luta da instituição pelos honorários para advogados públicos?

MS: O novo Código do Processo Civil, que está em discussão no Congresso Nacional e deve ser aprovado já nos próximos 30 dias, é a lei mais importante do ponto de vista processual que nós temos. Ele define que os honorários advocatícios pertencem aos advogados públicos. Porque isso não é receita do Estado e sim resultado do empenho do procurador contra a parte que luta contra o Estado, e quem paga os honorários é a parte que perde a ação. Mas os estados têm incorporado para si o dinheiro que seria para pagar esses profissionais. Nós conseguimos em 2005 uma alteração que garante que os valores possam ir, ao menos, para a Procuradoria. O governador acolheu a tese de que elas não eram verbas públicas – a Ordem dos Advogados do Brasil tem nos apoiado nesse sentido – e nós conseguimos que parte do dinheiro fosse para os procuradores. Eu estava presente no dia em que Jaques Wagner sancionou a lei e ele disse: “Dei uma parte, mas assumo publicamente que vou dar integral. Esse dinheiro é de vocês.” Nós fizemos outro projeto de lei e esperamos que o governador tenha a oportunidade de cumprir o que nos prometeu.
 
BN: Outros estados passam por essa situação?

MS: A maioria dos estados brasileiros já paga integralmente. Se eu estou defendendo uma causa, o advogado público se sente estimulado a ganhar a ação por ter esse retorno financeiro em seu favor e, consequentemente, em favor de toda a Procuradoria. Esse é o estímulo do profissional, como em qualquer carreira. 
 
BN: Você assumiu a presidência da APEB há pouco tempo. Quais são os seus planos para a essa gestão?
 
MS: A nossa associação tem algumas frentes. Do ponto de vista institucional, temos que o chefe da Procuradoria seja de carreira. Depois tem a incorporação das autarquias e fundações. A paridade das armas entre defesa e acusação, a partir da autonomia proposta pela PEC 82. E, por fim, temos o pagamento de honorários advocatícios. Nós nos sentimos lesados porque um dinheiro que seria nosso tem ido para os cofres públicos, mesmo que não seja receita pública. Do ponto de vista científico, temos desenvolvido alguns trabalhos de aprimoramento científico da própria carreira. Nós fizemos um encontro anual de procuradores fiscais, com representantes de 23 estados, em que discutimos a boa gestão tributária. Colocamos o sonegômetro na frente...
 
BN: Como funciona esse sonegômetro?
 
MS: A frase utilizada no sonegômetro é: o justo paga pelo sonegador. Porque se tem muita gente sonegando, o Estado tem que aumentar dos outros. Só para se ter uma ideia, em torno de 15% dos impostos são sonegados no país. Isso representa até R$ 160 bilhões, só no primeiro quadrimestre de 2014. São três vezes o (projeto) Bolsa Família. Pagar tributo não é um assunto simpático, mas alguém tem que defender o cofre público. E por isso nós criamos essa campanha. Para conscientizar a população que a carga tributária é tão alta porque tem muita gente que não paga, sobretudo pessoas “grandes”. Esses sonegadores grandes não pagam os valores e depois contratam os grandes escritórios de advocacia do país. E quem vai defender o Estado é a Procuradoria, o que nós fazemos com uma qualidade surpreendente. Os grandes advogados chegam aqui na Bahia e se deparam com um conjunto de procuradores extremamente preparados e com vitórias expressivas. Ainda na área científica, nós temos um projeto novo, que é um curso de atualização do novo Código de Processo Civil, com os melhores professores do assunto no Brasil. Ele deve acontecer agora no próximo semestre. Fizemos também palestras científicas... Na área cultural, nós fizemos alguns atos de integração de procuradores aposentados em um encontro chamado Café com Arte. Também temos o grupo de teatro, os Procuratores, que é um projeto de teatroterapia que visa desestressar os advogados, fazer alguns exercícios. Os colegas abraçaram essa ideia, estão superanimados, com resultados expressivos...
 
BN: Qual é o quadro atual da Procuradoria?

MS: São ao todo 230 procuradores, mas temos quadro de 300. Então temos 70 vagas ociosas. E mesmo com o próximo concurso, ficarão ainda 45 vagas sobrando.
 
BN: Outra questão que você tem debatido é o regime previdenciário para servidores públicos. Quais são as mudanças propostas?

MS: A gente sempre buscou essa união das carreiras de Estado – criadas pela Constituição Federal. E nós fizemos uma parceria com os membros do Ministério Público da Bahia para discutirmos essa questão da previdência que é, sem nenhuma dúvida, um dos problemas mais graves do estado. Você tem um crescimento vegetativo muito grande, já que as pessoas vivem cada vez mais, com mais dependência. Quem entrar no estado, hoje, com 25 anos, deixará o serviço com 60 anos. Se ele viver até os 90 anos, são mais 30 de aposentadoria. Se ele deixar um cônjuge ou filho como dependente, são mais uns 15 a 20 anos. No final da conta, essa pessoa ficou 90 anos pendurada na folha do estado. Como é que eu, pagando 11% por 30 anos, vou receber um salário praticamente integral por outros 30? Não há matemática que resolva. Não bate. Então esse dinheiro deve ser gerido de uma forma muito mais capitalizada, como fazem os fundos de pensão. Você não pode guardar esse dinheiro em uma poupança. Tem que investir, corretamente, de uma forma que dê resultados. O Fundo de Previdência Complementar precisa ser criado, e é previsto por lei, mas ainda não foi feito. A União e alguns estados já constituíram esse fundo, mas aqui na Bahia não há esse projeto. E precisa ser feito com urgência.
 
BN: E como isso seria feito?

MS: Nós defendemos que todos os servidores públicos, principalmente procuradores, passem a acompanhar esse fundo. Porque esse dinheiro é nosso. Estamos queremos passar a acompanhar a gestão desses fundos, fiscalizar. A APEB, de forma inédita, conseguiu um assento no Conselho Previdenciário e estamos lá olhando o que tem sido feito. Assim nós poderemos propor soluções do estado. Isso pode comprometer a aposentadoria no futuro. As pessoas podem contribuir sua vida toda para chegar no final e não receber os valores nos moldes que foram prometidos.