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Coluna

Rômulo Moreira: O estatuto da OAB e a portaria do sistema penitenciário – quem dá mais?

Por Rômulo Moreira

Rômulo Moreira: O estatuto da OAB e a portaria do sistema penitenciário – quem dá mais?
Foto: Divulgação
A Diretora do Sistema Penitenciário Federal, extrapolando de suas atribuições administrativas, expediu a Portaria DISPF nº. 04, de 28 de junho deste ano de 2016, “estabelecendo regras para advogados aos presos custodiados nas Penitenciárias Federais do Sistema Penitenciário Federal do Departamento Penitenciário Nacional.

Basta uma rápida leitura, para observar que esta norma fere, em vários dispositivos, a Lei nº. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), pois viola as prerrogativas dos Advogados, e a Constituição Federal (em razão de embaraçar o exercício da ampla defesa e do contraditório - sim, do contraditório!), razão pela qual deve ser urgentemente questionada pela Ordem dos Advogados do Brasil ou pelo Ministério Público.

Logo no início da Portaria, no art. 2º., limita-se o atendimento ao preso há apenas uma vez por semana, salvo comprovada urgência e, ainda assim, após autorização da Direção da Unidade. Indago-me: como se daria esta comprovação da urgência pelo advogado do preso? Obviamente, que nem sempre será possível esta demonstração sem que, na maioria das vezes, haja algum prejuízo para a defesa. Mais grave: neste mesmo dispositivo restringe-se o atendimento a apenas um advogado, ainda que o preso possua mais de um profissional como responsável pela sua defesa. Suponhamos então que ele tenha constituído dois advogados pelo fato de estar sendo acusado por mais de um crime e cada um dos profissionais seja especializado em uma determinada área. Neste caso, a defesa estará flagrantemente prejudicada. Aqui também há uma outra afronta à referida lei federal e à Constituição, pois o atendimento está limitado em até, no máximo, uma hora. Ora, nem sempre será possível discutir todas as estratégias de defesa durante este período. Imagine-se um processo complexo, com vários réus e diversas acusações, várias teses defensivas e tantas outras versões. Tornar-se-á verdadeiramente impossível para o Advogado levar ao seu cliente todas as possibilidades de defesa, e mesmo traçar as respectivas estratégias defensivas.

Também não me parece consentâneo com a Constituição, tampouco com a lei de regência, a limitação imposta no mesmo dispositivo de que o Advogado apenas poderá se comunicar com no máximo três clientes por dia, ainda que defenda os interesses de mais algum. A justificativa de que tal imposição restritiva visa a propiciar “aos demais internos a entrevista por seus advogados” não me convence, pois cabe ao Estado propiciar as devidas condições para que seja possível o pleno exercício da ampla defesa.

Ainda neste art. 2º. outra cláusula causa-me espécie: a exigência de que o advogado, ainda que munido de uma procuração que indique o número do respectivo processo ou procedimento investigatório, comprove “no prazo de trinta dias ou na entrevista seguinte a sua efetiva atuação no processo indicado na procuração.” Esta exigência é absurda, pois se há um instrumento de mandato (e, a bem da verdade, nem precisaria tê-lo, pois, como se sabe, no processo penal a mera indicação do nome do causídico supre qualquer outra formalidade), é óbvio que o advogado está atuando no processo ou nos autos da investigação criminal. Qual seria, então, o sentido de o réu ter subscrito aquele documento? Em segundo lugar, pergunta-se: e se não houve qualquer atuação concreta do advogado naquele interstício em razão da inércia do Magistrado que não deu a devida movimentação ao procedimento marcando, por exemplo, uma determinada audiência?

Por fim, dispõe o último parágrafo do art. 2º., que a procuração do Advogado ainda não constituído, antes de ser enviada diretamente ao preso para apor a sua assinatura, deverá tramitar pelo Núcleo Jurídico da respectiva Penitenciária Federal (sic!). Este trâmite não se justifica. É uma bisbilhotice indevida do Estado. Quem deve analisar os termos de uma procuração, após a sua juntada aos autos, é o Juiz do processo e não o funcionário de uma penitenciária, ainda que bacharel em Direito.

O festival de ilegalidades e inconstitucionalidades continua, agora no art. 4º., ao proibir que o Advogado, ao ser recebido pelo seu cliente, esteja portando qualquer material, folhas, apontamentos, canetas, relógios, entre outros. Segundo a Portaria, no parlatório, serão fornecidos apenas papel e caneta e o material referente ao processo “ou outras consultas jurídicas de interesse do preso, nos termos do art. 41, XV da LEP, deverão ser encaminhadas, mediante correspondência, via correio (como se ainda estivéssemos no século passado), para análise no setor competente e posterior deliberação da Direção da Penitenciária Federal para a entrega.” Imaginem o absurdo: o Advogado sequer pode entrar, por exemplo, com o Código Penal ou o Código de Processo Penal. Tampouco, apontamentos... E o relógio? Qual o sentido da proibição? “Entres outros objetos”... Quais seriam? O cinto da calça, porventura, poderá ser proibido? E as abotoadeiras, a pulseira, os anéis, alianças, os ansiolíticos? Tudo é muito ridículo!
                                                          
Também no art. 8º. mais uma impropriedade da Portaria, ao permitir que o Diretor da Penitenciária suspenda, cancele ou reduza as visitas do Advogado, caso o preso tenha cometido falta disciplinar. Sabe-se que a prática de falta disciplinar, após apuração administrativa e com decisão definitiva, já está devidamente sancionada pela Lei de Execução Penal (Lei nº. 7.210/84), não podendo uma mera Portaria inovar em suas consequências. Isso é matéria reservada à lei ordinária em sentido formal, jamais possível de ser objeto de uma norma de caráter administrativo.

Neste mesmo artigo, proíbe-se (pasmen!) que o Advogado, “de forma verbal, escrita ou por qualquer forma não audível, inclusive mímica, de transmitir quaisquer informações que não possuam relação direta com o interesse jurídico processual do preso”, ainda que não ”dirigidas à prática de atividades ilícitas.” Inviabilizou-se, portanto, e de forma preconceituosa, a advocacia criminal do mudo ou do surdo-mudo que queira se comunicar com o seu cliente pela sua linguagem. Aliás, estará também proibido o Advogado de, por exemplo, comunicar que a mãe do preso está em estado terminal ou que veio a óbito, ou que seu filho nasceu!

A Portaria, portanto, além de violar flagrantemente a Constituição Federal (pois limita a ampla defesa e impede o exercício do contraditório, ainda que a ser exercido posteriormente), agride frontalmente o art. 7º., da Lei nº. 8.906/94, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.

São direitos do Advogado, dentre outros, exercer, com liberdade, a sua profissão em todo o território nacional, comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração (quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis), ingressar livremente nas salas e dependências de Delegacias e Prisões (mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares), bem como em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado.

Também é prerrogativa do Advogado examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, (também) mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital, e assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração. A única ressalva feita no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil refere-se aos elementos de prova (sic) relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência (idem), da eficácia ou da finalidade das diligências.

Segundo dispõe esta lei federal, alterada recentemente pela Lei nº. 13.245/16, a inobservância a estes direitos implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa.

Espero que a Ordem dos Advogados do Brasil ou o Procurador-Geral da República atente para a grave ofensa aos direitos da defesa consubstanciados na Portaria e cumpram o seu dever: chamar à responsabilidade o Supremo Tribunal Federal. Bem, aí já é outro assunto...

Para concluir uma última e (im) pertinente pergunta: na Portaria houve alguma restrição às prerrogativas do Ministério Público? Respondo: nenhuma! Pode tudo o membro do Ministério Público, inclusive coagir o preso a aceitar uma delação premiada, em plena madrugada, e depois de meses encarcerado.