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Entrevista

Pezzoni reflete sobre crise no carnaval de SSA: ‘É triste perder blocos tão tradicionais’

Por Júnior Moreira

Pezzoni reflete sobre crise no carnaval de SSA: ‘É triste perder blocos tão tradicionais’
Foto: Luiz Fernando Teixeira / Bahia Notícias

O Carnaval de 2017 será o quarto de Felipe Pezzoni no comando da Banda Eva, uma das mais tradicionais da folia baiana, responsável por fortalecer nomes como Ivete Sangalo e Saulo Fernandes. Além disso, o bloco Eva também foi importante para catapultar as carreiras de Luiz Caldas e Durval Lelys.  Para Pezzoni, este é o momento mais importante do ano, pois trata-se do "ápice da nossa estrada e visibilidade", mesmo vivendo período não tão abundante para os representantes do Axé. Além da atual crise financeira, responsabilizada por tirar blocos tradicionais como Nana e Cheiro das ruas este ano, os baianos têm encontrado dificuldades para liderar trios elétricos em outros estados do país. Em São Paulo, por exemplo, o prefeito João Doria (PSDB) estabeleceu uma taxa de R$ 240 mil para atrações de fora. Já no Rio de Janeiro, o Eva virou notícia nacional ao encontrar resistência de blocos tradicionais que fizeram manifestações solicitando a não participação do grupo na festa. Em entrevista ao Bahia Notícias, Pezzoni comentou sobre as polêmicas envolvendo a música baiana, além de dar sua opinião sobre as músicas de Carnaval, dificuldades em substituir Saulo e os próximos passos da banda.

Felipe, o Carnaval já está batendo na porta. Como anda a preparação? 
Correria louca e tá bem puxado. Agenda cheia e a gente tá muito feliz com os eventos assim. Ao todo, serão 23 shows nesse período, entre o Furdunço no dia 19, Pipoca do Eva abrindo o Carnaval na Barra, Bloco Eva na sexta e sábado no circuito Barra – Ondina, além desse projeto especial que é o 'Bloquinho do Forte', na Praia do Forte, no domingo (26).  É legal porque muitos turistas que estão por lá para fugir de Salvador poderão aproveitar a festa também. Vamos deixar o público bem confortável.    

Este é o momento mais aguardado do ano? 
Sem dúvida. A gente meio que se prepara o ano inteiro para o Carnaval. É a nossa final de Copa do Mundo; nosso ano só termina e recomeça durante o Carnaval. É o fechamento de tudo; é o ápice da nossa estrada e de visibilidade. 

Muitas bandas têm o foco na disputa da música de Carnaval. Como é isso para o Eva?   
Não focamos muito nisso. Primeiro porque achamos que não iremos ganhar mesmo. Depois, nossas músicas são voltadas mais para o amor e, pelo histórico natural, as que ganham têm mais o apelo para dança. Não é que a gente não queira ganhar, só não é muito nosso foco. Porém, acho massa essa competição. A gente fica na torcida de qual música vai levar. É sadio e válido.  

Bom, da última vez que conversamos, questionei sobre as manifestações contrárias de alguns blocos tradicionais do Rio de Janeiro a participação do Eva no Carnaval carioca e você classificou como medo de perda de patrocínio (relembre aqui). Acredita que foi isso mesmo? 
Eu acho que eles têm medo que o Carnaval do Rio vire o de Salvador . Então, os donos de bloco não querem perder a boca ali, que ainda não é uma organização como temos aqui. Montamos uma grande operação aqui e funciona de forma muito organizada. Lá não. É uma manifestação que lembra o início da nossa festa, sabe? Pessoas de faculdade fazendo seus bloquinhos. É uma coisa meio amadora ainda, sem a força que já temos. Esses proprietários temem perder o espaço, temem virar coadjuvantes. A partir do momento que entra uma banda que já lida com esse tipo de festa, acho que dá esse tipo de medo.  

Pra você, a mudança da saída do trio para um espaço fechado teve relação com esse receio dos donos dos blocos? 
Acho que sim, pois tomou uma proporção muito maior do que esperávamos, né? Acredito que de alguma forma eles estão certo também. Vai que acontecesse algo de errado, colocariam a culpa no prefeito e no secretário. Então, acharam melhor não pagar pra ver. 

Com a mudança, vocês enviaram uma nota informando que não teriam mais o interesse em participar. Esse foi o real motivo? 
Iriamos nos adequar a esses moldes dele lá. Era uma coisa que queríamos dar para cidade do Rio de Janeiro em troca de todo carinho que recebemos. É lógico que tinha toda uma questão de visibilidade pelo público bacana que estará por lá nesse período, mas para gente era interessante estar naquela manifestação de rua mesmo. Ai quando mudaram para um local fechado, percebemos que não tinha nada haver. Queríamos aquela 'muvuca'.

Foi frustrante perceber que não iriam mais participar?  
Estávamos com muita com vontade de fazer, mas ali na praia; naquele formato que a gente vê. 'Frustrante' acho que não é a palavra. Agradecemos ao pessoal pela atenção, pois cumpriram a palavra, só que o local não se adequava ao esperado.  

Algumas atrações baianas, como Brown e Daniela, podem não participar do Carnaval de São Paulo por causa da taxa de R$ 240 mil que o prefeito João Doria (PSDB) decidiu cobrar para os blocos de fora da cidade (veja aqui). Como você percebe essa ação?  
Não é recíproco, né? Recebemos todos artistas aqui de braços abertos. Essa taxa é meio abusiva e parece que tão pedindo para a gente não ir, apesar de não saber de que forma chegou a esse valor. Claro que existe custo para colocar o bloco na rua, então, prefiro não emitir uma opinião a respeito disso, até porque não entendo de como são pensadas as taxas.  

Acha que atitudes assim fogem do espírito do Carnaval?  
Foge no sentido do espírito da democracia; de você fazer música para todo mundo. Estamos indo com esse propósito lá, né? De levar algo bom; de levar música, cultura... 

Em contrapartida, aqui em Salvador, cada vez mais os circuitos são tomados por atrações de fora, como Anitta, que este ano vem pelo Governo do Estado. O que pensa sobre isso?  
A gente tem que fazer nossa parte da melhor forma possível e, por isso, somos o maior Carnaval do país. Sabemos receber, independentemente de qualquer coisa. O Carnaval tem que ser democrático e plural. Quem ganha somos nós com a vinda deles. Temos a maior vitrine justamente por receber todo mundo bem e ser o espaço para todos.  

Porém, com mais artistas de foras, blocos tradicionais daqui acabaram ficando de fora esse ano, como o Nana, Yes e Cheiro... 
É lamentável você não ver o Cheiro na rua; não ver o Nana. Como eu também gostaria de fazer o Carnaval inteiro aqui. Porém, temos que ir para fora, pois só conseguimos dinheiro mesmo em outras festas. A gente faz aqui porque amamos e é importante participar, mas é triste perder blocos tão tradicionais.  

Atribui à crise financeira? 
É a crise do entretenimento; é uma mudança nesse cenário. O público está exigente e, cada vez mais, as pessoas buscam o conforto e o camarote traz isso, né? Porém, sair no chão é uma sensação única. Inexplicável. A gente vende bloco só para aquelas pessoas que gostam mesmo.  

O documentário "Axé: Canto do povo de um lugar" abordou também o lado menos conhecido desse movimento musical, a exemplo de empresários que boicotavam cantores após saírem de suas bandas. Acredita que essas atitudes contribuíram para essa baixa atual do Axé? 
Sabemos que aconteceu dos empresários pisarem em contratantes quando estavam por cima da carne seca e agora que o seguimento deu uma assentada e outros estilos cresceram, eles estão recebendo o retorno desses contratantes. É o momento que o Axé está passando, mas não no caso do Eva. Sempre fomos bem vistos no mercado, até pela própria relação com os outros cantores que passaram por aqui, porém o seguimento inteiro está pagando por esse posicionamento do passado. Não cabe mais esse tipo de comportamento. É bom para renovar.  

Você assumiu o Eva há quase 4 anos e vem enfrentando esse momento mais delicado. Qual a maior dificuldade? 
A dificuldade maior foi naquele momento de transição; bem ali no iniciozinho. Depois, a coisa começou a fluir. Não corro de trabalho nem nada. Assumimos sabendo o que queríamos fazer musicalmente. Se fosse outro setor, ficaria com medo, mas ali estava lidando com a coisa que fiz a vida inteira. Já sabia o que queria propor musicalmente, o caminho a seguir. Lembro que no primeiro ano, fazer show em São Paulo era difícil, pois o Axé estava saturado lá; existia visivelmente um preconceito com o ritmo e isso diluiu hoje. A aceitação já está completamente diferente. Acredito que fomos desbravadores na mudança de chave, sabe? Exceto os grandes nomes, como Ivete e Claudinha, ninguém estava fazendo shows por lá e a gente foi reconquistando essa espaço e agora temos um trabalho bem sólido por lá.  

O que passava na sua cabeça naquela época quando assumiu o Eva? 
Primeiro, você não assimila. Fica tão preocupado de fazer um bom show que nem digere a grandiosidade do peso que é de representar um nome como o Eva. A ficha só caiu uns três meses depois. Aí comecei a entender que estava tudo junto na forma de um conjunto. Não dava tempo para parar e avaliar o que era tudo ali. É como entrar no carro em movimento e buscar seguir.  

Substituir Saulo foi uma tarefa fácil?  
É engraçado, pois o pensamento imediato é de achar que estamos perdendo um artista. Mas não é. O mercado ganhou uma pessoa nova; deu mais uma oportunidade para alguém mostrar seu trabalho, sendo que Saulo continuou brilhantemente o trabalho dele; na função dele. Então, quem ganha é o público e a música baiana, que passam a ter duas opções. Não vejo como substituição, estamos dando continuidade ao trabalho que todos que passaram pelo Eva deixaram. 

Qual sua avaliação desses quase quatro anos? Faria algo diferente? 
Rapaz, acho que estamos indo num caminho muito positivo. O pessoal do Eva tem expertise nisso aí. Eles são especialistas. Acredito que não tenha nenhuma banda no país com esse histórico de tantos vocalistas e que permaneceu trabalhando com o nome forte.  Tá tudo certo. Algumas vezes, a ansiedade pode ser um ponto de mudança. Nossa geração é muito ansiosa, né? Quer tudo na hora.  

Por fim, quais serão os próximos passos do Eva?  
A gente tá pretendo gravar algumas música até chegar um CD. Depois, copilando esse trabalho, queremos fazer um DVD com essas canções que o público já terá tido acesso. Tem um outro projeto que é o Sarau Sessions, que é disponibilizar as gravações do Sarau do Eva, um evento que fazemos sentadinhos, em que tocamos músicas de outros artistas; de pessoas que admiramos, mas bem lado B mesmo. Não é só Axé. É tão bacana que vamos soltar na internet com a nossa pegada. E que futuramente pode virar um CD ou DVD.