Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Holofote

Entrevista

'A própria indústria do axé provocou a decadência do ritmo’, avalia Ricardo Chaves

Por Bárbara Gomes

'A própria indústria do axé provocou a decadência do ritmo’, avalia Ricardo Chaves
Foto: Divulgação
Ricardo Chaves, um dos principais nomes do auge do Axé Music da década de 90, tem uma história musical marcada pela defesa dos carnavais de rua. Ele foi considerado por mais de uma vez, o melhor puxador de trio elétrico, e levou a música da Bahia para o resto do Brasil e para o exterior, ao estourar com o hit  “É o bicho”. Hoje, integrante do grupo Alavontê, mostra resistência e relembra os sucessos do passado, sem impor sua opinião. “No final dos anos 90 e início de 2000 o carnaval virou um balcão de negócios de venda de pano [abadás]. Esse processo acabou sufocando as criações que surgiram. Eu me manifestei sempre incomodado como isso, porque passou a determinar os caminhos do carnaval. Mas é como eu disse, a própria indústria do axé fez com que o axé entrasse em decadência”, analisou o artista. Ricardo Chaves concedeu entrevista ao Bahia Notícias, e falou do seu posicionamento quanto à festa carnavalesca na capital baiana, da crise do axé e de sua filosofia no Alavontê.
 
Com os 30 anos do Axé, o estilo musical voltou a ser discutido e até repensado. Como você, uma das figuras importantes desse ritmo, analisa hoje o cenário do Axé Music?
Eu vejo como um movimento musical, uma cultura. Foram três décadas. Não me lembro de outro movimento que tenha um protagonismo durante tanto tempo. No sul do Brasil sempre me perguntavam quando ia acabar e eu respondia que enquanto tivesse Carnaval de Salvador, existiria o Axé Music. Eu comecei como folião, ainda adolescente, depois como cantor. Foi uma geração, mas as coisas são cíclicas e não teve uma renovação propriamente do estilo, pois as pessoas que apareceram depois foram diferentes. Cada um do seu jeito. Até os artistas da época amadureceram e traçaram novos caminhos. Os blocos foram fundamentais pra o que aconteceu com as músicas que vieram das ruas, mas no final dos anos 90 e início de 2000 virou um balcão de negócios de venda de pano [abadás]. As músicas passaram a ter o objetivo de vender pano e perdeu-se a verdade da festa em si, reduzindo a capacidade dos artistas e compositores, para ter que agradar essa lógica.
 
Você participou do documentário de Chico Kertész “Axé: Canto do povo de um lugar”, como foi relembrar o auge do gênero musical nesse filme?
Foi uma satisfação poder participar de um material que consegue reunir e sintetizar bem a história do Axé, porque nós temos pouca coisa sobre isso. Eu assisti ao vídeo com Chico, antes de finalizar, e me emocionei. Ele tem bastante material até pra fazer outras coisas, uma série. Ficou muito bom e valoriza a história da Bahia, a partir das narrativas de pessoas que fizeram parte desse movimento.
 
Houve uma crítica veiculada na imprensa sobre esse documentário, analisando que o Axé entrou em declínio por causa da ganância e da competição. Você concorda com a análise?
Isso é uma crítica. Não é uma afirmação do documentário. Competição é natural, sempre tem em qualquer profissão. Quanto à ganância, é algo até engraçado, pois as pessoas chegam a falar da desunião no Axé como se isso fosse o motivo dele ter esfriado, mas naquela época, os sertanejos que hoje estão tocando muito, falavam que nós do Axé éramos unidos. Foi um momento, tudo tem seu tempo.

Você foi considerado o melhor puxador de Trio, e continua com essa fama animando micaretas pelo Brasil, como o de Natal. Sua relação com o folião durante os desfiles é o seu diferencial?
Eu gosto e defendo a relação com o folião, puxo o mesmo bloco todos os dias de carnaval. Quando começou em Salvador a vender os blocos em dias separados eu critiquei, mas não digo que é errado. Na época que eu deixei o bloco Crocodilo em Salvador, muitos disseram que foi por falta de público, não foi absolutamente isso. É que eu não concordo com a forma como a indústria do carnaval se consolidou. Talvez eu que esteja errado, mas se eu não acredito nessa linha eu procuro outras coisas. Em Natal eu vou completar 24 anospuxando o mesmo bloco, sozinho, e tem dado certo.

No carnaval de Salvador, há algum tempo você chegou a criticar sobre comprar vaga na avenida para o desfile. Você acha que a folia mudou muito, quanto a ser uma festa popular?
Eu tenho citado, não é de hoje,  essa questão das vendas de abadás, desse mercado que se tornou o carnaval. A indústria do carnaval se tornou mais importante do que a música em si, do que os artistas, do que a festa, do que a manifestação cultural. Esse processo acabou sufocando as criações que surgiram. Eu me manifestei sempre incomodado como isso, porque passou a determinar os caminhos do carnaval. Mas é como eu disse, a própria indústria do axé fez com que o axé entrasse em decadência.  


Foto: Divulgação

E no Alanvontê, grupo no qual participa, você chegou a dizer que poderia acabar a qualquer momento, pois é um movimento sem regras. Entretanto, já tem alguns anos de formação e apresentando inovações, como no último carnaval com o pranchão (trio) na avenida. A filosofia sem regra tem dado certo, não é?
E vai continuar assim, pode acabar a qualquer momento. O nosso propósito [junto com Magary Lord, Jonga Cunha e Ramon Cruz] é fazer festas livres e pagas, conforme for surgindo a oportunidade. Faz parte da nossa filosofia sobre a música. Nós temos, desde o início da formação, uma ideia definida por Durval, um dos fundadores: a gente se diverte lembrando nossas trajetórias como intérprete, compositor, cantor - a gente visita a história e não temos compromisso em buscar lançar canções que precisem ser tocadas, o repertório é pra nos divertir.
 
Manno Góes saiu dos palcos do Alavontê pra fazer outros projetos musicais, foi uma surpresa pra você ou foi algo programado?
Não foi de uma hora pra outra, já havíamos conversado durante um tempo sobre isso. Ele está afastado dos palcos do Alavontê para se dedicar a outros projetos. Não teve intriga, Manno é meu amigo, independentemente do grupo. Para as pessoas terem noção, em um desses jogos do Bahia, nós secamos um litro de uísque e acho que não precisa dizer mais nada sobre [falou aos risos].
 
E pro Carnaval 2017, o que tem preparado?

Vai ter o “Alavontê de Mortalha”, festa que acontece antes do carnaval, o Furdunço, na Barra, e eu também toco em outros lugares.  Fica um pouco difícil precisar a agenda do grupo já que temos projetos paralelos. Mas o público ainda pode esperar novidade para o carnaval.