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Entrevista

Jeniffer Nascimento comemora debates raciais na Globo: ‘Sociedade precisa evoluir’

Por Júnior Moreira

Jeniffer Nascimento comemora debates raciais na Globo: ‘Sociedade precisa evoluir’
Foto: Reprodução / Rede Globo
A novela "Êta Mundo Bom!", de Walcyr Carrasco, exibe seu último episódio nesta sexta-feira (26).  A trama foi um grande sucesso de audiência e um dos responsáveis era a família da fazenda, com as confusões lideradas pela Conegundes, papel da veterana Elizabeth Savalla. Dentre os destaques do núcleo, a jovem Jeniffer Nascimento chamava atenção com a sua Dita, que começou mais observadora e aos poucos levantou debates sobre racismo e abuso de poder por parte dos patrões. Filha de soteropolitana e namorada do ator baiano Jean Amorim, Jennifer, apesar dos seus 23 anos, é atriz, cantora e conhecida dos musicais brasileiros. Sua voz potente abriu portas para muitos projetos, como a banda Girls, idealizada pelo produtor Rick Bonadio, e a aproximou mais ainda de Salvador ao participar do Sarau do Brown e cantar com Ivete e Saulo no Carnaval de 2016. "Gosto de música pop, mas meu encanto pela música brasileira e afro é imenso e, por isso, é impossível dizer que os três não são referências musicais pra mim. Quero sempre poder voltar ao Carnaval de Salvador, de preferência no Campo Grande, local onde se encontra a verdadeira cara da cidade". Em entrevista ao Bahia Notícias, a artista contou detalhes da novela, relembrou a personagem Sol de "Malhação Sonhos", falou de projetos, vida pessoal, empoderamento negro e racismo. Confira: 

Jeniffer, o último capítulo de "Êta Mundo Bom" vai ao ar nesta sexta-feira (26). O que ainda podemos esperar da Dita e da novela como um todo?  
Na verdade, a Dita é o tipo de personagem que teve a história resolvida no meio da trama. É a coisa do "felizes para sempre", pois ela casou, teve filho, deixou de ser empregada e virou parte da família. Porém, acho que o legal da novela é que nosso núcleo virou um só e acaba que a história de uma personagem influencia na do outro. Então, nessa reta final, muitas coisas acontecerão na fazenda; coisas que talvez o público não esperasse. Não posso adiantar senão perde a graça (risos). Além do mais, o Walcyr faz suspense até para nós do elenco; acaba que cada ator só recebe a sua cena.  

E o processo de construção da Dita? O que ela tem em comum com a Jeniffer?  
A Dita é uma personagem muito diferente de mim. Na verdade, acho que eu e ela não temos nada parecido. Foi uma escolha, procurei fazer o mais distante para me explorar como atriz, diferente da Sol [papel que ela interpretou na temporada de Malhação Sonhos, 2014] que tínhamos as personalidades mais ligadas.  Então, no começo, busquei fazer uma personagem mais observadora, com muitas caras e bocas e as pessoas me paravam para falar: "Nossa, você e sua tia podem não ter falas, mas conseguimos entender tudo. Vocês estão muito presentes em cena". E esse é o maior desafio quando o núcleo é muito grande. Todos têm seu momento, mas você não pode deixar o clima cair quando estiver no outro, mesmo sem falas. A princípio, o mais difícil da Dita foi o sotaque, pois ela era a única da fazendo que vinha de outro lugar. Depois, a trama foi trazendo alguns desafios: ela teve uma virada, deixou de ser a "quietinha e recatada" para bater de frente com a Conegundes. Eu e a Savalla conversamos muito sobre isso, pois o preconceito ainda é uma realidade. Era preciso encontrar um caminho para não passar por cima e só. Depois, ela teve um filho; a cena do parto foi muito forte e foi uma experiência desafiadora para mim que ainda não sou mãe.   
 

Foto: Reprodução / Rede Globo
 
Foi sua primeira novela de época, gostou da experiência?   
Adoro novelas de época, principalmente porque venho do teatro e gosto de representar. Na televisão, você não pode parecer que estar representando; tem que ser muito natural, mas "Êta Mundo Bom!" possibilitava isso, sabe? De colocar bastantes trejeitos, cara, bocas, um corpo e jeito de andar diferente. É um intercâmbio cultural. É engraçado ver as mudanças que a sociedade passou ao fazer esse comparativo de datas distintas.   

Você enxerga semelhanças entre a Dita e a Sol?   
Olha, com o passar do tempo, a Dita foi se revelando de uma forma que ficou parecida com a Sol. No começo, ela aguentava muita coisa calada e depois passou a não levar desaforo pra casa. Costumo brincar que a Sol trouxe essa característica para a Jeniffer também.   

Aliás, você emendou um grande sucesso no outro. Esperava que isso aconteceria tão rápido?   
Não esperava. Quando acabei "Malhação", ainda não sabia que iria fazer a novela. Nas férias, fui chamada para o teste e só depois soube que tinha sido selecionada. Então, costumo dizer que dou meu melhor para cada trabalho. Eu me preparei a vida toda para isso, mas sou muito pé no chão. Estar na Rede Globo é incrível, porém sei que na minha profissão é assim: acabou um trabalho, tenho que correr atrás de outro. O mercado cresceu, entretanto o número de pessoas interessadas e qualificadas também. Por isso, tendo essa consciência, percebo que é muito gratificante conseguir emendar dois grandes sucessos.
 
Foto: Reprodução / Rede Globo
 
Durante "Malhação", você e o ator baiano Jean Amorim se conhecerem e depois assumiram o namoro. Hoje, vocês demonstram ser parceiros de vida. É assim mesmo? 
A gente está para o outro em todos os momentos; moramos juntos, temos os mesmos gostos pela arte. Trabalhamos muito bem unidos e, graças a Deus, as pessoas têm chamado para fazermos os mesmos trabalhos. Para mim, é ótimo, pois há uma ajuda mútua durante o processo, afinal um conhece bem o outro e entende os seus desejos enquanto artistas.   

Já estão pensando em oficializar a união e ter filhos?   
Com certeza! Brincamos que filhos só em 2025. Mas pensamos em casar, em aumentar a família, porém ainda está muito cedo, eu só tenho 23 anos e ele 22. É preciso uma doação muito grande para ter um filho, pois você passa a viver para eles, né? Por isso, vamos esperar um pouco; temos muito para viver antes de assumir cuidar de mais uma vida. Casar é um objetivo, entretanto, ainda falta conquistar muita coisa. Queremos ter condições de realizar do nosso jeito; sem pressa.
  
Você é atriz e cantora. Como concilia as duas carreiras?  
É muito difícil conciliar, ainda mais quando se está em uma novela, pois o nosso planejamento é de acordo com os capítulos que chegam por semana. Então, é difícil conseguir marcar shows, estabelecer uma agenda. Porém, vinha fazendo algumas apresentações. Tenho um projeto com Jean de gravar um CD com nossas músicas, mas é preciso ter tempo para ficar no estúdio, principalmente quando são autorais, pois há uma idealização da forma da canção e, por isso, você sente a necessidade de participar de cada detalhe, sabe? Uma música é quase um filho seu! (Risos). 

Existe uma preferência artística?   
Olha, eu penso assim: sou uma artista e hoje o artista tem que ser completo. Como sempre estudei todas as áreas desde pequena, então, pra mim, uma está ligada e depende da outra. Quando vou cantar, eu quero contar a história dela e preciso saber interpretá-la para que chegue no público. O processo inverso também acontece, uso muito a música ao me preparar para entrar em cena.  
 
Daqui da Bahia, você já cantou com Ivete, Saulo e Brown. Eles são inspirações para sua carreira?   
Então, sou filha de nordestinos. Meu pai é cearense e minha mãe é dai de Salvador. Eu sempre quis conhecer a Bahia e quando cantei no Sarau do Brown foi maravilhoso. E pra completar, no Carnaval desse ano fiz participação no trio da Ivete e do Saulo. Eu gosto de música pop, mas meu encanto pela música brasileira e afro é imenso e, por isso, é impossível dizer que os três não são referências musicais pra mim. Quero sempre poder voltar ao Carnaval de Salvador, de preferência no Campo Grande, que é o meu circuito favorito, pois é de família, local onde se encontra a verdadeira cara da cidade. Tem coisa mais linda que ver as crianças e os idosos juntos no trio do Saulo? Esse é o verdadeiro espírito da festa.

 
 

Foto: Divulgação
 
Falando em música pop, você foi uma das vencedoras do reality "Fábrica de Estrelas", idealizado pelo produtor musical Rick Bonadio e exibido pelo Multishow em 2013, e, por isso, integrou a banda Girls, que chegou ao fim em janeiro de 2014. O que Girls significou para você?  
O Girls foi muito especial na minha vida; uma faculdade. Eu já cantava em musicais, mas era diferente, pois lá emprestamos a nossa voz à personagem. Então, quis descobrir a Jeniffer cantora. Vi o reality, mandei meu material e fui pra saber como eu era no palco como vocalista. E a banda trouxe isso para mim; aprendi a me posicionar no estúdio; nos shows. Sou muito grata ao processo. Uma pena ter acabado assim, pois, acho, que o Brasil tem essa carência no pop, mas também penso que o brasileiro deveria ser mais receptivo com as nossas coisas. Na época da banda, sofremos muito preconceito; faltou um pouco de estímulo e de acreditar no projeto, entende? Ninguém começa com um CD só de hits. São acertos e erros. Não temos um projeto desse aqui, tivemos o Rouge e só. Mas, acho que as coisas acontecem quando tem que acontecer e essa experiência serviu para descobrir o que quero e o que não quero enquanto cantora.  
 
Depois de Malhação, você mudou o visual e assumiu uma postura mais natural. Como foi essa transição?  
Pra mim foi uma descoberta. Venho de uma família com a cultura de alisar o cabelo, devido a esse padrão antigo imposto. Sempre usei muita química, não tive a oportunidade de conhecer de fato o meu cabelo. Porém, quando entrei em "Malhação", fiquei um ano e meio com as tranças e meu cabelo natural cresceu e aí vi o que tinha e não pensei duas vezes em assumir. Estou muito mais feliz assim. Hoje, inspiro muitas pessoas e é muito legar ver que muitas meninas estão se sentindo representadas na televisão, coisa que não tive na infância e percebo o tamanho dessa responsabilidade. Faço questão de dar forças às meninas. A nossa sociedade precisa evoluir e sair dessa hipocrisia de dizer que não existe racismo.  

Por ser negra, você já sofreu algum preconceito? De que forma lida com isso?  
Já sofri sim. Recentemente, estava numa avenida a noite e nenhum táxi queria parar. Outra vez, ao esbarrar na bolsa de uma passageira no aeroporto, ela foi conferir se nenhum objeto havia desaparecido.  Quando estava na Malhação, postei uma foto e uma pessoa escreveu: Quer banana, Jeniffer? E eu respondi: Quero sim. Passa seu endereço que vou buscar com meu advogado. É muito difícil; é triste. Eu sou uma pessoa muito coração, sabe? Então, é muito doloroso quando isso acontece, mas hoje entendo que eles [os preconceituosos] terão que evoluir, pois estamos ganhando mais espaços e se afirmando. Quem não gosta, vai ter que engolir. 
 

Jean Amorim e Jeniffer Nascimento | Foto: Arquivo Pessoal 
 
Quais são seus próximos passos da carreira de Jeniffer Nascimento?   
Tenho alguns trabalhos que não posso falar ainda, mas eu o Jean estamos em fase de captação de um projeto de teatro. O objetivo é levar para cidades que não têm tanto acesso a espetáculos teatrais. Queremos levar para o público que curte a gente, mas que não consegue ir até os grandes centros para assistir. O interior da Bahia é um dos nosso principais focos, onde temos um grande número de admiradores, mas que, muitas vezes, as peças não chegam até lá. Entendemos a importância do teatro na formação das pessoas e, por isso, estamos batalhando para dar certo e levar essa arte para todo mundo.