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Entrevista

Adelmário Coelho acha que 2º carnaval na Copa é prejudicial ao São João e critica forrós de letras vulgares

Por Marcela Gelinski

Adelmário Coelho acha que 2º carnaval na Copa é prejudicial ao São João e critica forrós de letras vulgares
A defesa do Nordeste é uma das bandeiras levantadas pelo forrozeiro baiano Adelmário Coelho, que procura inserir a cultura regional na maioria de seus projetos. Com opiniões concretas, ele defende que o segundo Carnaval proposto pelo prefeito ACM Neto, como atrativo para a Copa do Mundo, é um equívoco e que o dinheiro deveria ir para investimentos no São João. Fã de Roberto Carlos, o artista acredita que a mistura de ritmos é muito bem-vinda, desde que não perca a essência. Coelho fala ainda da vulgarização dos ritmos através de algumas bandas do chamado “Forró de Plástico”. "Existem algumas dessas bandas, não todas, que você não teria coragem de estar com seu filho do lado assistindo. Você acaba vendo uma cena sexual em cima de um palco quando você foi para lá ouvir alguém cantando, falando de coisas bonitas, alegres e atuais", critica. Segundo ele, o São João é mais lucrativo que o Carnaval. Adelmário também contou um pouco mais de suas influências musicais, expectativas e opiniões. Confira o bate-papo na íntegra:
 

Fotos: Marina Sampaio/Divulgação
 
Bahia Notícias - Você lançou o CD “Abrindo o Baú de Luiz Gonzaga” em homenagem ao Rei do Baião, em 2012, no ano do seu centenário. Qual a influencia de Gonzaga na sua carreira e no forró, de um modo geral?
 
Adelmário Coelho - Acho que ele foi o grande batuteiro mesmo, o grande desbravador. Uma pessoa que realmente conseguiu criar para o país uma página cultural que fica mais presa ao Nordeste, à própria vocação nordestina. Luiz Gonzaga foi uma pessoa que teve muitas dificuldades e conseguiu sair de Exú para ir para o Rio de Janeiro, em um momento complexo e até preconceituoso que as pessoas tinham com o forró. Era um momento muito difícil e ele conseguiu realmente deixar para a nação um projeto realmente extraordinário. Claro que Luiz Gonzaga influenciou aqueles forrozeiros e seguidores, como eu, que o admiram bastante. Mas a minha referência musical sempre foi o Trio Nordestino. Três baianos que têm um significado extraordinário dentro do forró. Eles foram também o divisor de águas de minha carreira, pela admiração mesmo. Mas Luiz Gonzaga, evidentemente, que até hoje é uma referência, sim, muito grande para todos os forrozeiros, inclusive pra mim.
 
BN - Eu li em seu site, inclusive, que um acidente com um carro que transportava as cópias de seu primeiro disco teria favorecido na sua promoção pelo Brasil afora. Como você acha que é a sua recepção, um nordestino, forrozeiro, nas demais regiões do país?
 
AC - Lembro que realmente houve essa contrapartida favorável ao acidente, que foi a divulgação. Estava na rádio de Porto Seguro e um locutor me contou que recebeu da mão de uma senhora o meu CD. Com relação à recepção nos demais estados, eu graças a Deus e me conforto em ter o apoio da minha casa e é uma coisa valorosa você ter o apoio do seu estado, da sua casa. E quando você sai com o apoio da sua casa para os outros estados, evidentemente que fica, de certa forma, mais confortável. Principalmente por ser da Bahia, por sua importância dentro do país. De reconhecer o trabalho do filho mesmo, que começou batalhando aqui dentro. E nós temos uma penetração bastante confortável no Nordeste. No Sul, precisa-se fazer alguma coisa, mas fazemos também projetos pontuais. Não é uma atividade regular como é no Nordeste e principalmente na Bahia, que hoje é um dos melhores mercados de forró no Brasil. Dá emprego para muita gente e os próprios colegas de fora reconhecem isso. 
 
BN - Você fala do mercado baiano em si?
 
AC - Ah, sim. É o melhor mercado de forró do Brasil, tanto quantitativamente como qualitativamente. A Bahia paga cachês maiores que os demais estados. Sempre houve essa pujança. Eu acho que esse aporte financeiro que é dado representa muito. Os colegas artistas que vêm pra cá reconhecem isso. Você tem um estado com 417 municípios e quase todos eles festejam no mês de junho e quando não, seus povoados [festejam]. Na minha região, por exemplo, Curaçá é a sede, mas Barro Vermelho, que é onde eu nasci, tem uma festa de São João muito mais empolgante do que a própria sede. E quantos não têm dentro desse universo? Sem falar a geração de riqueza que essa festa representa realmente para o estado, para o Nordeste e para o Brasil. Não tenha dúvidas disso. Estatisticamente, o São João só perde financeiramente em injeção nos cofres baianos, e consequentemente o Nordeste, para o Natal.
 
BN - Superaria inclusive o Carnaval?
 
AC - Supera e supera longe. Porque você veja o seguinte. O Carnaval é feito em Salvador. Claro, recebemos aqui milhares de turistas. Mas quando você vai para o interior todo e a partir de agora, com a injeção que esse governo, justiça seja feita, o governo de Wagner, a Secretaria de Turismo através de Domingos Leonelli têm dado ao São João. O poder público tem que fazer sua obrigação de reconhecer a importância dessa cultura. Nós temos 15 dias de São João em Salvador, coisa que nunca aconteceu. Eu tenho 19 anos como profissional e mais alguns anos como consumidor, e nunca vi isso. 
 
BN - Em 2011, você fez uma turnê internacional, levando o forró para Europa. Como surgiu essa oportunidade? Como foi a aceitação do público estrangeiro?
 
AC - Outros forrozeiros também fazem isso. E eu fico muito contente quando vejo a caravana de forrozeiros levando esse projeto para fora do nosso país e é uma amplitude significativa que você dá a essa cultura, esse cenário. Uma cultura que com certeza vai ficar para meu neto porque ela tem realmente consistência. E agora eu fui com o apoio do governo do Estado fomentando principalmente a vinda dessas pessoas para a Bahia. Dizer para eles que aqui acontece a maior festa regional do Brasil. Que a Copa das Confederações vai ser um momento ímpar para que eles venham aqui. Então eu fiz uma convocação muito firme e direta a todos que venham aqui para a Bahia, conhecer a grandiosidade desta festa que é o nosso São João. Acho que o recado foi bem dado. Claro que isso é apenas uma contribuição. O próprio governo e a mídia entram nesse processo.
 

 
BN - Você representa o estilo mais tradicional do forró nordestino, utilizando ainda instrumentos como a sanfona, o triângulo, a zabumba. Qual a importância você acredita que tem em manter o estilo tradicional para a cultura nordestina?
 
AC - Eu acho que, sem perder a evolução, você tem que estar muito sintonizado com o que acontece nos movimentos, com o seu público, qual a direção que eles gostariam de ver. São elementos indispensáveis para o forró pé-de-serra. Quando Luiz Gonzaga começou, ele foi exatamente com esse formato, que é chamado “trio de forró”. O trio é a sanfona, zabumba e o triângulo. Mas evidentemente que, sintonizado com a evolução, você não vai cantar hoje para 100 mil pessoas com apenas o “trio de forró” em cima do palco, porque fica muito difícil. E ai Gonzaga agregou também a bateria, o contrabaixo, a guitarra, e outros elementos, que pessoas que o seguiram agregaram esses instrumentos. Eu faço isso hoje em cima do meu projeto. É você mudar o que eu chamo de “célula rítmica”. O que é xote, é xote, o que é baião é baião, o que é forró é forró, o que é xaxado é xaxado, o que é arrasta-pé é arrasta-pé. Somente o forró pé-de-serra conhece essa linguagem ou a pratica melhor. A diferença de forró e baião é quase imperceptível para quem tiver dançando, mas existe uma mudança significativa para quem toca.  
 
BN - Nos últimos anos, tem dominado o modelo chamado, por Chico César, de “Forró de Plástico”, que começou com bandas como Mastruz com Leite e faz sucesso hoje com Calcinha Preta e Aviões do Forró. O que você acha que esse forró de raiz é prejudicado pela predominância dessas bandas nas festas de interior?
 
AC - Os gestores, os produtores precisam estar muito antenados para isso e não desqualificar aquilo que é cultura. As pessoas que também são inteligentes vão perceber o que é mercadológico e o que é cultural, o que é aquilo que você pode deixar para seu filho, seu neto. Uma letra bonita, nada de cachaceira, não. Vai deixar uma poesia que não envergonhe, que ele ouça, que ele curta, que ele possa assistir um show, inclusive. Porque essa “plástica” é perigosa. Existem plásticas ai, não todas, que você não teria coragem de estar com seu filho do lado assistindo. Você acaba vendo uma cena sexual em cima de um palco quando você foi para lá ouvir alguém cantando, falando de coisas bonitas, alegres e atuais. Muito atuais mesmo. Mas sem ir para o apelo. Então tem bandas que eu até sou fã, como Limão com Mel, a própria Mastruz com Leite faz um trabalho bonito, que eu gosto pra caramba. Mas tem algumas outras que eu faço restrição mesmo, principalmente quando usam esse expediente dizendo que estão fazendo música. Mentira! Estão querendo enrolar o povo e ganhar dinheiro em cima de um palco sexual. Acho que isso ai, a população e a sociedade não deveriam dar aconchego porque não tem o que agregar. 
 
BN - Puxando ainda o gancho da pergunta anterior, a secretaria de Cultura da Paraíba não financia bandas de forró de plástico e duplas sertanejas durante as festividade juninas, como uma forma de incentivo ao modelo tradicional. Você acredita que a medida é válida? Deveria ser aplicada na Bahia também?
 
AC - Chico César enquanto secretário de Cultura enxergou que para João Pessoa, ou toda a Paraíba, não sei esse dado, esse modelo de reconhecer a cultura prioritariamente fosse uma coisa indispensável para o poder público. Eu não diria que fossem retiradas as oportunidades de as bandas se apresentarem. Eu acho que, como falei, tem bandas com belos trabalhos e não são contextualizadas dentro da cultura tradicional. É outra forma que o Brasil aceita muito. Quando você enxerga o público vendo isso, abraçando, tudo bem. Evidentemente que eu tenho restrição àquilo que eu falei anteriormente. Mas acho que cada gestor pode inclusive, sem grandes traumas, fazer esse filtro. O que muito me deixa descontente é a agressão à boa música. Não é possível que você tenha necessidade de fazer uma coisa absolutamente fora do que você está se propondo para poder fazer sucesso. Eu não entro nessa. Graças a Deus, meu público tem me apoiado a levar esse projeto. 
 
BN - Ultimamente, está havendo uma mistura de ritmos, principalmente nos festivais de música pelo país. Forrozeiros que cantam arrocha e sertanejo, duplas sertanejas tocando forró, e ai por diante. Você acha que o forró de raiz pode acabar se perdendo nessa nova onda de sertanejo, já que o público tende a confundir os estilos?
 
AC - Eu me atrevo. Por exemplo, no repertório desse ano estou me admitindo cantar uma música de quem admiro pra caramba e sou fã, Roberto Carlos. Agora, eu canto Roberto Carlos porque sei que é uma poesia maravilhosa, dentro do meu ritmo. Então a pessoa escuta a letra dele, aprecia uma bela canção, mas eu a coloco dentro daquilo que as pessoas estão habituadas a ouvir e a dançar, inclusive. Então eu me permito isso. Acho que essa mistura não é tão prejudicial e nem assim considero. O que eu acho desconectado é você buscar coisas que não têm uma boa imagem, um bom exemplo. Isso ai é que fica danoso.
 

 
BN - Ainda com relação a essa mistura de ritmos, a maioria das festas juninas pelo interior da Bahia têm cada vez mais inserido o axé, o sertanejo e até o pagode na programação, em detrimento até do forró, que fica com uma pequena parcela dos grandes eventos. Você apoia este tipo de escolha? De que forma isso pode influenciar na cultura junina nordestina?
 
AC - Eu acho que aí precisa ter um cuidado. Enquanto está falando de cultura, é cultura. E eu acho que, nada contra ninguém, não sou desses que levanta bandeira contra A e B, mas é uma questão de enquadramento. Estou aqui no meu quadrado defendendo o que é cultura e acho que isso tem que ser levado em consideração. Eu ouvi sobre o possível segundo Carnaval em Salvador. Nada contra, mas não seria muito mais lógico que o São João tivesse um investimento muito maior, considerando a Copa das Confederações? Porque é uma cultura que, quem vem de fora, não conhece ainda. O Carnaval, o mundo conhece. A Bahia representa muito bem. E é o momento de o São João ser conhecido também. E que você possa agregar mais pessoas, conhecendo essa grande festa. Temos dois produtos turísticos extraordinários, o Carnaval e o São João. Eu sei que o governo do Estado está com essa bandeira e eu gostaria que a Prefeitura também estivesse. Então quando você fala de ritmos diferentes, se eles predominam a maioria das grades, em um momento onde o público espera que o forró esteja ali, acho que há um impacto desfavorável. Imagina se você pega o São João total e joga no Carnaval. Não pode! Todo mundo admite que outros ritmos estejam ali, mas tem o carro chefe que é o axé. Os gestores têm que ter cuidado nessa dose.
 
BN - Agora que passou o Carnaval, o público já coloca o foco todo no São João. Como vai ser sua programação? Quais novidades o público pode esperar?
 
AC - Esse ano, ainda estou finalizando o disco inédito, mas já gravei quatro músicas que estão sendo lançadas e já escolhemos como músicas de trabalho. O nosso projeto esse ano é exatamente preparar o DVD para a comemoração de 20 anos de carreira no ano que vem. Vamos fazer uma preparação para “cortar o bolo” e comemorar com esse DVD, se Deus quiser. Ano passado lançamos o livro “Adelmário Coelho e a Cultura Nordestina”, que veio dar uma contribuição a nossa cultura, falando da nossa trajetória, mas também dos fatos que acontecem no nosso Nordeste. Existem manifestações tão valorosas que eu percebo que aos poucos elas vão se perdendo e cada momento que não se faça registro, não se deixa história. É importante olhar para trás e saber como caminhamos.