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Luis Ganem: Um projeto por ano - a escravidão artística

Por Luis Ganem / [email protected]

Luis Ganem: Um projeto por ano - a escravidão artística
Foto: Montagem/ Bahia Notícias

Esse ano, diferentemente dos anos anteriores, acabei indo ao evento Salvador Fest. Primeiro, pelo convite dos produtores da festa, Marcelo Brito e Wilson Kraychete, e ademais, pelo fato da festa estar comemorando dez anos e por ter ouvido o boato que teria sido feito uma grade diferenciada, que não ficaria devendo nada aos grandes eventos Brasil afora. Lá fomos nós.

Está aí uma festa que realmente precisava ver. Bem estruturada, com áreas e preços para todos os gostos. Com a divisão de palco das atrações – palco Principal, palco Pagodão e Arena Funk – com alguns problemas, lógico, o que é mais que comum, em se tratando de uma grande festa, mas com uma qualidade, que muito difere, da primeira que foi feita – e que fui – diga-se de passagem, há dez anos.

Uma coisa que percebi nos atuais eventos que tenho ido, e que tem virado referência em grandes festas feitas na Bahia, principalmente em Salvador, é que todas acabam convergindo para uma mescla de sons e ritmos que agregam todas as tribos. No Salvador Fest mesmo, passou desde a galera do forró, representada por Aviões e Safadão, ao Olodum, que levantou a multidão, e que está trazendo de volta o Samba Reggae (se liguem!). A “patroa”, Ivete Sangalo, que era a comandante mor da festa e finalizando com o Harmonia, Leo Santana e Igor Kannário, a quem aqui quero abrir um parêntese: O cara fez um show que surpreendeu. Do domínio completo da massa, a consciência de evitar maiores confusões, Kannário se portou como deve se portar um artista de grande porte. Me impressionou muito o fato de suas músicas serem todas cantadas em um único som pelas pessoas ali presentes. Se existe algo que possa falar do show dele é dar os parabéns! 

Mas, falando da festa como um todo, um fato, justamente no show de Ivete Sangalo, me levou a divagar um pouco de como funciona no momento a nossa indústria musical e como o mercado consumidor, de tanto que a indústria fonográfica espremeu os artistas como uma laranja (sugando até o ultimo sumo e deixando apenas o bagaço), assimilou essa nova ordem. 

Logo no começo do show da cantora, estava eu no espaço reservado para os convidados dos produtores da festa, e dos artistas, quando ouvi um casal que conversava ao meu lado, reclamando muito, que Ivete ainda não tinha lançado a sua música nova, e que já estava perto de outubro (na data do evento ainda faltava, mais de uma semana para chegar o mês citado) logo me lembrei da época do vinil, quando o artista antes de lançar o chamado disco cheio, que continha música dos dois lados do produto esférico, colocava na prateleira, um single, (que era o mesmo disco de vinil apenas em tamanho menor e que continha quase sempre duas músicas, uma de cada lado) para à apreciação do mercado, para, daí, sim, lançar, caso fosse boa a aceitação, um disco cheio.

Lembrei disso porque, mais uma vez, baseado na conversa alheia que escutei no evento – escutei porque o casal, em claro estado etílico elevado, praticamente gritava, meio que com raiva da cantora - fiquei me perguntando se dentro nesta convicção que o mercado consumidor tem, de que o artista precisa lançar um CD por ano, não seria mais interessante para a indústria lançar faixa a faixa, até todas serem usadas, independente do tempo que leve.

Olha, é impressionante como certos comentários, expõem, de forma clara uma certa escravidão que o artista passa a ter quando se torna sucesso, e no caso de Ivete, um sucesso Brasil afora.

Imagine, e é louco imaginar isso, que do trabalho atual se usa apenas um ou duas músicas, chegando até três, sendo que as demais são descartadas em um primeiro momento, porque o mercado consumidor, entende que no ano seguinte deva haver, um novo trabalho e que não se possa, eventualmente, continuar a divulgar mais músicas, do anterior, pois são consideradas velhas.

Fico me perguntando, qual a lógica mercadológica desse modelo, já que em sua maioria das vezes, bons sucessos passam ao largo e se tornam o tal “lado B” e que teriam tudo para ser o “lado A”.

Nego-me a entender, como me disseram alguns, que por questões de custo é mais “em conta” preparar um trabalho completo a um single. Eu, particularmente, discordo. Não creio que essa seja a melhor resposta, vejo como a resposta mais fácil.

Desse episódio todo, o que tirei de missão é que somos – todos nós – egoístas em julgar um trabalho como ultrapassado, somente pelo fato do artista, tentar. Eu disse: tentar apresentar toda uma obra ao invés apenas de ficar em uma faixa. Um trabalho é fruto de muito estudo, de horas e horas ouvindo centenas, milhares de músicas para se chegar a um denominador final. Envolve emoção, estratégia, lágrimas até, e é preciso que as pessoas que consomem essas obras, entendam como tudo acontece.

Quando voltei para o espaço que me permitia ver o show, fiquei meio que olhando para Ivete, e imaginando que aquela moça ainda tinha tanta faixa do mais recente trabalho para mostrar, que era um absurdo o comentário que tinha ouvido. E se existe algo de bom no comentário que ouvi, foi aumentar ainda mais o meu respeito por essa galera que leva alegria com a arte mundo afora.