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Entrevista

Campeãs mundiais da vela, baianas Juliana Duque e Amanda Sento Sé sonham com mais

Por Leandro Aragão

Campeãs mundiais da vela, baianas Juliana Duque e Amanda Sento Sé sonham com mais
Foto: Júnior Moreira / Bahia Notícias
No último dia 29 de agosto, no Campeonato Mundial Feminino de Snipe, disputado na cidade medieval de Bracciano, perto de Roma, na Itália, ao cruzar a linha de chegada no lago Bracciano, a velejadora Juliana Duque virou para a parceira Amanda Sento Sé e disse: “Eu acho que a gente ganhou o campeonato”. Amanda então respondeu: “É, Jú. Eu acho que a gente vai ganhar”. “Não, eu acho que a gente ganhou agora”, respondeu Juliana. O diálogo entre as duas baianas foi interrompido pelo bote, no qual trazia o pai de Amanda e o técnico Rafael Martins, que também é noivo de Juliana. Eles pulavam e apitavam com as bandeiras do Brasil e do Yatch Clube da Bahia dizendo que elas tinham conquistado o mundo naquele exato momento. “Aí a gente virou o barco e foi aquela felicidade toda”, lembrou Amanda. E para gringa nenhuma botar defeito, elas foram campeãs com uma regata de antecipação. As duas velejadoras são crias do Yatch Clube e apesar da pouca idade, Juliana tem 20 anos e Amanda tem apenas 15 anos, já colecionam títulos brasileiros, sul-americanos e o mundial, tanto na classe Snipe, quanto na classe laser, dupla mista. Um pouco tímidas no início da entrevista, contaram um pouco da rotina delas de treinos, as viagens, os custos para praticar o esporte e foram se soltando quando começaram a dar aula sobre a modalidade que elas praticam e demonstraram determinação quando falaram onde elas querem chegar na vela. Além dos olhos brilharem quando contaram da recepção na chegada a Bahia com o título Mundial na bagagem.

Com que idade e como vocês começaram na vela?
Juliana Duque: Eu comecei na vela com 11 anos. Minha família já tinha barco quando eu era mais nova, então já gostava do mar, já nadava, sempre fiz esporte. Aí eu estava no Yatch Clube e teve uma colônia de férias lá. Fui experimentar, gostei e estou até hoje.
Amanda Sento Sé: Basicamente a mesma coisa, só que minha família não tinha barco. Com 12 anos eu entrei na colônia de férias do Yatch, aí fiz três colônias, gostei e entrei na escola de vela. Aí continuei e comprei meu barco.
 
Tiveram influência de alguém?
JD e AS: Não.
JD: Só gostamos e entramos mesmo, sem ter ninguém em especial que fizesse a gente praticar o esporte.
 
Como vocês se conheceram e como formaram a dupla?
AS: A gente sempre se conheceu do Yatch, porque todos os velejadores de lá se conhecem. Aí teve esse Campeonato Mundial na Itália, que é feminino. A gente se acertou em fazer a dupla, há quatro meses atrás, aí treinamos bastante.
JD: Treinamos duro!
 
Como são os treinamentos de vocês? E as suas rotinas?
JD: A gente treinava entre quatro e cinco vezes por semana, malhava quatro vezes por semana. O treino começava 14h e ia até 15h30.
AS: Treino na água.
JD: E 15h30 ia malhar até 17h.
AS: Segunda, terça, quinta e sexta.
JD: E as vezes tinha regata sábado e domingo.
 
Vocês estudam?
AS: Sim, eu estudo no Colégio Anchieta pela manhã, estou no 1º ano.
JD: Eu faço faculdade de Engenharia Ambiental na Unifacs. Estou no quinto semestre. Nesse ano mudei para a noite, por causa dos treinos durante o dia. Saio dos treinos e vou para a faculdade.
 
Vocês treinam no Yacht Clube, não é isso? A estrutura de lá é boa?
JD: A estrutura de lá é muito boa. A gente tem apoio de um treinador específico, que é Rafael Martins, de Filipe Alcantara, nosso preparador físico. Daqui a um mês, provavelmente, o clube vai disponibilizar psicólogo, fisioterapeuta e nutricionista pra gente. Então é muito bom, isso contribui para alcançarmos bons resultados nas regatas.
 
Vocês pagam para treinar ou recebem algum auxílio do clube?
JD: Eles apoiam a gente financeiramente, apoiaram a nossa viagem. Então é o melhor apoio possível.
AS: Eles que mandaram a gente para a Itália. Eles pagaram tudo, menos a alimentação.
JD: O Yacht não patrocina a gente, nós não recebemos um salário. O clube nos ajuda em alguns itens de viagem.
 
Tem outro lugar além do Yatch, com boa estrutura para praticar o esporte?
AS: No Yacht Clube de Aratu e, talvez, na Ribeira.
JD: O Yacht de Aratu tem algumas regatas lá. A estrutura parece ser boa.
AS: Mas o da Ribeira, eu não conheço não.
 
E o apoio ao esporte? Vocês só tem apoio da família?
JD: Nessa viagem pro Mundial, o clube ajudou bastante. Mas nas outras não.
AS: Normalmente, eles apoiam com uma parte.
JD: Nas outras é um ‘paitrocínio’. A gente tem que treinar às vezes. Viajar, fazer clínica (do esporte). Mas a maioria das coisas são meus pais que pagam.
 
E para as competições, são vocês mesmas que bancam as viagens?
JD: Tem alguns campeonatos específicos que o clube ajuda. Tipo, Campeonato Norte-Nordeste, ele paga o transporte e a inscrição do barco. Aí o resto é por nossa conta. Só o Mundial que eles pagaram quase tudo, menos alimentação. Nos outros campeonatos, eles dão ajuda de custo mesmo.
AS: É, eles pagam um ou dois itens e o resto fica com a gente.
 
Como é o transporte do barco para as competições?
JD: Quando é um lugar próximo a gente pode levar rebocando de carro ou na carreta rodoviária. Ou é de caminhão quando são mais barcos.
AS: No caso do Mundial que foi na Itália, a gente rebocou um barco.
JD: Foi o Yatch que pagou o transporte do barco.
 
Como foi a conquista do título mundial na Itália?
JD: A clássica pergunta! (risos). É uma pergunta tão simples, mas é difícil responder.
AS: Foi uma sensação maravilhosa! Foi a resposta de todos os nossos treinos.
JD: De tudo que a gente teve que abrir mão.
AS: Foi! A gente queria muito, aí nos esforçamos muito e conseguimos.
JD: A gente ficou muito feliz. Tecnicamente falando, lá a gente pegou um barco que é diferente do nosso, então a gente teve que se acostumar. Viajamos três dias antes para se adaptar ao barco. Era um lago de água doce, então o barco anda mais afundado, é diferente de mar, não tem onda. São condições um pouquinho diferentes, então a gente foi lá antes e se adaptou. 

Foto: Divulgação / Giuseppe Amato
 

Além do mundial, quais outros títulos vocês conquistaram? A dupla, individuais e com outras duplas.
AS: Em dupla a gente só tem esse Mundial.
JD: Individual, eu fui campeã Sul-americana de Opmist feminino em 2010. Fiquei em terceiro no Mundial feminino de Snipe, depois quarto. Aí agora campeã mundial feminino de snipe. Sou campeã sul-americana de Snipe atualmente e campeã brasileira de snipe misto, atualmente também.
AS: Segundo misto no Campeonato Brasileiro de Snipe. Campeã Sub-16 no laser, em 2014. Campeã no Sub-17 e femino laser 2015.
 
Recentemente, Martine Grael (25 anos) e Kahena Kunze (25) conquistaram a medalha de ouro na vela. Quando vocês viram essa conquista, se imaginaram sendo campeãs olímpicas também? Elas são uma inspiração para vocês? Já tiveram a oportunidade de conhecê-las?
JD: Esse é um sonho que eu tenho já faz um tempo, mas é meio complicado, porque financeiramente, o custo é muito alto, então precisaria de patrocínio e apoio. Os barcos são muito caros. É um sonho que eu tenho, mas eu preciso de ajuda para conseguir realizar.
AS: Também seria um sonho ir. Mas tem que ver todo um planejamento e concretizar. Eu tenho que conciliar ainda com o colégio, ainda não estou na faculdade para poder trancar.
JD: Eu conheço Martine. A gente velejou numa regata aqui em Salvador, na classe Skipper 21.
AS: Eu conheci Kahena na Copa do Brasil no ano passado. Foi lá no Rio de Janeiro, na raia olímpica. Elas duas são muito boas!
 
A classe de vocês, a Snipe, não é uma classe olímpica. No entanto está nos Jogos Pan-Americanos. Acredito que dificilmente estará nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020. Vocês acreditam que um dia essa classe possa aparecer em Jogos Olímpicos?
JD: É uma classe Pan-americana. Eu tenho dois objetivos paralelos. Um é o Pan-americano de Snipe, que faço uma companha hoje com Rafael Martins, que foi meu técnico do Mundial. Então a gente treina para classificar para esse campeonato, que agora parece que vai ser misto, tem que ser um homem e uma mulher. E para as Olimpíadas, eu penso em velejar para a classe 470. A de Martine e Kahena é a 49er Fx.
AS: Atualmente eu velejo na classe Olímpica que é a laser, mas para conseguir vaga nessa classe é muito difícil. É uma classe muito grande. Aí eu não sei para qual barco eu iria, se fosse para ir pras olimpíadas.
 
A Classe Snipe é uma das mais técnicas da vela. Vocês já imaginam mudar para alguma classe olímpica? E quais seriam as dificuldades?
JD: Cada barco tem seus macetes. Então, cada barco tem uma coisa nova que você tem que aprender. Não é tão simples, é como se você começasse de novo quando muda de classe. Tem que treinar bastante.
 
Vocês podem explicar as diferenças da classe Snipe para as outras?
JD: Por exemplo, a que Martine ganhou é uma classe skiff, então o barco anda muito rápido. É um barco instável, onde os dois tripulantes anda num trapézio, que é um cabo de aço que puxa do mastro até o corpo da pessoa.
AS: A pessoa fica pendurada para fora do barco.
JD: É um barco que voa, tem balão. E o Snipe é um barco mais lento, mas ele é muito técnico e os tripulantes não ficam presos num trapézio, eles escoram o barco. Ficam sentados puxando para fora, sendo presos por uma fita.
AS: A gente fica com o corpo para fora do barco para fazer o contrapeso. É basicamente isso.

Foto: Divulgação / Giuseppe Amato


JD: Para a categoria que eu quero mudar para disputar as Olimpíadas, o barco da classe 470 é mais rápido do que o Snipe. A partir de um vento ele já começa a planar, no contravento. O proeiro, que é a pessoa que fica na frente, usa o trapézio e o timoneiro, que seria eu, escora com a fita. O 470 tem três velas, a grande, a buja e o balã. O snipe só tem a grande e a buja. Eu fiquei sabendo por esses dias que a confederação vai me dar um barco para essa classe, para eu fazer a campanha. Mas continua sendo muito difícil financeiramente, por causa das muitas viagens que tem que fazer. As dificuldades dessa categoria é que o barco é muito técnico e as pessoas que já estão na classe, já estão há oito anos, sei lá e eu estou começando agora nessa classe. Vou ter que trabalhar duro, principalmente agora nesse começo.
AS: Na minha, o barco da classe laser é individual, só tem uma vela. O biótipo ideal do velejador desse tipo de barco é que seja alta e forte. Tem que fazer muita força nesse barco. Meu biótipo se enquadra nesse requisito. O barco é rápido também, um pouco mais rápido do que o snipe, mas não tão rápido quanto o 470 de Jú e o 49er FX que Martine e Kahena ganharam.
JD: No 470, o ideal é que o proeiro seja alto e o timoneiro seja leve.

Quais são os planos de vocês para o futuro?
JD: Para mim é o Pan-americano e as Olimpíadas.
AS: Por enquanto, agora mês que vem, vou tentar classificar para o Mundial da classe Laser, que vai ser em dezembro na Nova Zelândia. Por enquanto é isso, depois eu não sei.
 
Eu li uma nota do Colégio Anchieta e tem uma declaração sua, Amanda, dizendo que não pensam em seguir no esporte futuramente. Por que? Tem alguma profissão que você sonha exercer e por isso, a carreira profissional na vela tem prazo curto de validade?
AS: Não, não pensava no esporte olímpico, por causa das dificuldades no colégio. Provavelmente eu vou seguir velejando, só não sei se eu vou conseguir fazer uma campanha muito séria, tipo olímpica, porque o Colégio Anchieta exige muito e quero fazer medicina.

E você, Juliana?
JD: Eu faço engenharia ambiental, mas eu tenho vontade também de fazer uma carreira olímpica. Eu pararia minha faculdade para fazer isso. O problema é só a parte financeira, porque é muito caro para bancar a campanha para ir para os Jogos Olímpicos.
 
Vocês frequentam a escola e a faculdade. Como é que foi o primeiro dia na escola e na faculdade, pós-título mundial? Passaram a ser assediadas por fãs? Vocês se tornaram populares por causa disso? Os colegas te encheram de perguntas sobre o título e a competição?
JD: Então, eu já conhecia as pessoas, não eram desconhecidos. Todo mundo me deu parabéns, mas nada assim que fizesse a gente se sentir assediada. As pessoas desconhecidas não chegavam para falar não, só quem já conhecia.
AS: No colégio, o Anchieta me deu aquele abraço caloroso, sabe? Todo mundo, de todas as séries, de todas as salas, todos os professores falando comigo. O colégio fez uma faixa para me receber no aeroporto. Foi isso, foi felicidade.