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Entrevista

Geraldo Reis fala sobre crise hídrica e dos desafios ao assumir a Secretaria de Meio Ambiente - 05/06/2017

Por Estela Marques / Luana Ribeiro

Geraldo Reis fala sobre crise hídrica e dos desafios ao assumir a Secretaria de Meio Ambiente - 05/06/2017
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Após ter passado dois anos na Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), Geraldo Reis assumiu em janeiro deste ano a Secretaria de Meio Ambiente. A troca de pasta resulta em novos desafios: diversos problemas ambientais distribuídos em um território de grande extensão. O destaque, nos últimos tempos, tem sido a crise hídrica. “Ao mesmo tempo, em função da crise hídrica, tivemos que mediar vários conflitos, porque nós temos regiões onde há uma tradição de produção agrícola que faz uso de irrigação, e nós tivemos verdadeiros conflitos entre a opção de água para consumo humano ou para produção”, relata Reis. O novo secretário também tem entre as metas ampliar o alcance do Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais, que abrange apenas 75 mil das cerca de 750 mil propriedades rurais – destas, 319 mil certificados rurais serão financiados pelo Estado, com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento e Social (BNDES). “Nós vamos ter um retrato da situação ambiental do conjunto do território baiano, no que diz respeito às propriedades rurais, e podemos acessar também aquela propriedade específica, caso a gente tenha interesse”, explicou. Reis anunciou ainda um projeto de intervenções no Parque do Pituaçu, com previsão de investimento de R$ 17 milhões, mas já refuta eventuais polêmicas: disse não saber de uma futura transferência do parque para responsabilidade da prefeitura. “Se e é, o secretário de Meio Ambiente não tem conhecimento”.

 

No que consiste exatamente os planos de bacias que a secretaria quer licitar [segundo o secretário, já há cinco planos em andamento e a Sema pretende licitar mais seis]?

Os planos de bacia visam um melhor planejamento e gestão dos recursos hídricos de determinada bacia. Inclusive com não só o acompanhamento e monitoramento da vazão desses recursos, como também a questão da revitalização; em especial das cabeceiras, matas ciliares. Mas esse é um processo que eu diria ainda incipiente. Acho que a Bahia tem muito ainda o que fazer. Na verdade, hoje temos outra ação que é o certificado ambiental. Nós estamos falando de um instrumento onde cada proprietário rural tem obrigação de repassar aquelas informações para um sistema de tecnologia de informação que temos na secretaria. É uma espécie de retrato da situação ambiental daquela propriedade. Estamos falando de 750 mil propriedades rurais na Bahia. Destas, em torno de 650 mil são pequenas propriedades, até quatro módulos fiscais. Por lei, todos os estados têm obrigação de fazer o certificado ambiental de todas as propriedades rurais. Isso traz um ganho para o proprietário: a sua propriedade fica mais valorizada e possibilita acesso ao financiamento bancário, a crédito rural. Há um teto temporal aí, se eu não me engano até o próximo ano: o proprietário rural que não tiver o certificado ambiental não terá acesso a crédito. Algumas agências, algumas redes bancárias já começam a exigi-lo. Temos hoje um convênio com o BNDES, no valor de R$ 37 milhões, para que possamos executar de forma gratuita 319 mil certificados rurais, ou seja, a metade do conjunto das pequenas propriedades. Atualmente já estamos na casa dos 75 mil certificados e queremos avançar para chegar, evidentemente, nesses 319 mil. Qual a importância desse certificado para o Estado e para a Secretaria de Meio Ambiente? Quando nós tivermos a totalidade ou próximo disso, nós vamos ter um mosaico do conjunto das propriedades rurais no nosso sistema. Então nós vamos ter, eu diria, um olhar sobre a floresta e pode ser um olhar sobre uma árvore específica. Nós vamos ter um retrato da situação ambiental do conjunto do território baiano, no que diz respeito às propriedades rurais, e podemos acessar também aquela propriedade específica, caso a gente tenha interesse. Então essa ação do CEFIR [Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais] é também muito importante para que nós possamos internalizar mais conhecimentos sobre a situação ambiental do estado.

 

E no que diz respeito à crise hídrica?

É outra questão importante. Como se sabe, nós estamos passando, alguns especialistas falam, a maior seca dos últimos 80 anos. Nós estamos falando de cerca de cinco, seis anos consecutivos de seca no Nordeste, em especial no estado da Bahia. Para se ter uma ideia, tivemos problemas de abastecimento, inclusive para consumo humano, em várias regiões, em regiões anteriormente consideradas úmidas, como por exemplo Ilhéus e Itabuna. O governo do Estado está tendo que fazer um grande investimento para garantir água para abastecimento humano; está em curso a licitação e a construção de quatro grandes barragens na região de Itabuna-Ilhéus; em Vitória da Conquista no Rio Catolé; e outra em Seabra. Ao mesmo tempo, em função da crise hídrica, tivemos que mediar vários conflitos, porque nós temos regiões onde há uma tradição de produção agrícola que faz uso de irrigação, e nós tivemos verdadeiros conflitos entre a opção de água para consumo humano ou para produção.

 

As barragens são medidas de médio a longo prazo. Que medidas de curto prazo a Sema pode oferecer? O que pode ser feito?

Nós trabalhamos dentro de uma rede dentro do governo, porque nós temos várias instâncias e competências diferenciadas. Uma coisa é o papel da Secretaria de Recursos Hídricos (Sihs), à qual está ligada a Cerb e a Embasa; a Cerb é responsável pelo abastecimento na área rural. Nós temos a Sema e o Inema – o Inema é o órgão executor da secretaria, é o órgão regulador, fiscalizador. Então nós temos várias secretarias e diferentes instituições relacionadas com a questão hídrica e a questão ambiental em geral. Esses investimentos que citei anteriormente estão se dando através da Embasa e da Cerb. Estamos falando de investimentos da ordem de mais de R$ 900 milhões. São investimentos superimportantes. Estamos falando de construção de barragens, em uma temporalidade de um ano e meio, dois, três anos. São obras importantes para garantir o abastecimento humano, entretanto estamos falando de modernização e ganho de eficácia na captação da água para consumo humano. E nós temos que nos preocupar, em especial a Secretaria de Meio Ambiente, com a reprodução da água. Ainda nessa linha, uma das áreas mais ricas em recursos hídricos no estado da Bahia é o Oeste, onde há uma grande produção de grãos – ainda este ano estamos tendo uma das maiores safras. Eu tive a oportunidade de participar ainda essa semana da abertura do Bahia Farm Show, houve uma feira de tecnologias voltadas para produção agrícola e para irrigação, e nós estamos fazendo uma parceria com a Aiba, que é a associação dos irrigantes; com a Secretaria da Agricultura; e a Universidade de Viçosa [MG], que tem larga tradição na esfera agronômica e de irrigação. Vamos fazer um estudo sobre o potencial hídrico do Aquífero do Urucuia. Essa região, além de ser cortada pelo São Francisco, tem duas grandes bacias, a do Rio Corrente e a do Rio Grande. Ao mesmo tempo, nós temos esse aquífero que se localiza de norte a sul desta região oeste; estamos falando evidentemente de um aquífero que é bem menor que o Guarani, que fica no sul do país, abarcando inclusive outros países, como Argentina, Uruguai, Paraguai, etc. Mas do ponto de vista do território do Norte e Nordeste do país, ele é altamente significativo. É um aquífero com cerca de 110 mil metros quadrados, sendo que ele abarca também Tocantins, Goiás e Minas, mas a maior parte fica na Bahia, cerca de 70 mil metros quadrados – corresponde a 15%, mais ou menos, de todo o território do estado. Qual o objetivo desse estudo, dessa parceria? Em um prazo de dois anos, a gente vai concluir esse estudo acerca do potencial hídrico desse aquífero. A depender desse potencial, poderemos aumentar ou não, por exemplo, a área irrigada do oeste da Bahia. Evidentemente, isso pode ter um grande impacto. Ainda recentemente estivemos, eu pessoalmente estive, junto com uma comitiva de empresários do oeste e esse grupo de pesquisadores da Universidade de Viçosa. Estivemos no estado de Nebraska, nos Estados Unidos, conhecendo a experiência de gestão dos recursos hídricos daquele estado, que tem um grande aquífero, tem dois grandes rios, e uma longa tradição de gerenciamento e monitoramento das águas. Por que isso? Porque nós precisamos monitorar não só as águas superficiais, por exemplo, o Rio São Francisco, o Rio Grande, o Rio Corrente, mas também as águas subterrâneas. Hoje, no Oeste, é possível que tenhamos mais de 500 poços autorizados em funcionamento. Nós estamos falando de poços de 300, 400 metros ou mais de profundidade. Primeiro nós precisamos conhecer qual é a capacidade, o potencial hídrico que nós temos nessa região. E depois temos que monitorar. É todo um esforço que estamos fazendo que diz respeito a recursos hídricos, a planejamento e gestão das bacias, dos aquíferos – em especial o do Urucuia, esse ao qual me referi, no Oeste – e há também um conjunto de preocupação em relação aos biomas.

 

Nessa semana saiu um levantamento da Fundação SOS Mata Atlântica, no qual a Bahia aparece como líder, no Nordeste, em desmatamento. E no ano passado foram retirados 12 mil hectares da Mata Atlântica. Como funciona a fiscalização em relação a isso? O que a secretaria pode fazer ou tem feito?

A secretaria e o Inema, em especial através das estruturas regionais do Inema – temos uma estrutura regional em Eunápolis e outra em Itabuna – então historicamente essas duas regionais têm feito um trabalho de fiscalização. Agora, evidentemente, nós estamos falando de uma área territorial imensa, e fica muito difícil para... Em média, a gente pode imaginar aí 20 técnicos de cada regional para dar conta desse processo de fiscalização. Nós estaremos iniciando, em primeiro lugar, reconhecer que é preocupante esse resultado; é um resultado que não pode ser subestimado. Então além de reconhecer a gravidade da situação, precisamo tomar medidas emergenciais e medidas estruturantes. Na terça-feira, no dia 6 [de junho], nós estaremos fazendo uma reunião em Porto Seguro, incorporando essas duas regionais e incorporando secretários municipais de meio ambiente dessa região; estarei convidando também representantes do Ministério Público. Já fiz contato com o comando da polícia para que coloque à disposição a Polícia Ambiental. Então nós vamos fazer uma grande força-tarefa, vamos tentar identificar quais são exatamente essas áreas, os proprietários dessas áreas. É bom lembrar, que de dois anos para cá, a crise hídrica também afetou essa região, por incrível que pareça. Nós tivemos muitos incêndios, parte deles estão relacionados à crise hídrica. Com a seca, o potencial de incêndio aumenta substancialmente. Entretanto, é possível também que tenham ocorrido incêndios intencionais. Estaremos também averiguando isso. O mais importante é que, ainda ontem, em uma reunião da Sema, começamos a discutir a montagem de um sistema tecnológico que consiga fazer o monitoramento em tempo real. Porque se você tem 40, 50 fiscais em uma região dessa, para eles atuarem aleatoriamente, a eficácia diminui substancialmente. Se eles forem enviados por um sistema inteligente, que possa induzir o local onde eles devem concentrar a fiscalização, evidentemente que a eficácia vai aumentar. O sistema que nós estamos pensando a cada 15 dias a gente vai ter um relatório, a partir de uso de imagem de satélite.

 

O senhor falou sobre os incêndios. Todo ano vemos a Chapada Diamantina sofrer bastante com essa situação. Existe algum planejamento já da secretaria em parceria com outras pastas para esse ano? Geralmente eles ocorrem no verão.

Temos. Inclusive esse ano houve uma anomalia em função da seca logo no início do ano; nós tivemos grandes incêndios, mas não só na Chapada Diamantina. Lá na região de Senhor do Bonfim, e mesmo no sudoeste da Bahia, etc, e como falei anteriormente até mesmo na região sul tivemos incêndios. Mas geralmente nossa lembrança se volta, de fato, para a Chapada Diamantina, que aliás, é onde temos uma base de monitoramento, temos uma equipe, temos um helicóptero apropriado que faz esse monitoramento todo dia, exatamente esse trabalho de prevenção. No início do ano nós chegamos a utilizar cinco aeronaves de combate a incêndio ao mesmo tempo. Em três meses, gastamos aproximadamente R$ 5 milhões em ações de combate a incêndio. Mas já tivemos situações piores. Em 2015, o Estado, em um determinado momento, tinha 10 aeronaves em ação apagando incêndio. Portanto, há que se reforçar também o trabalho de educação ambiental, porque muitas vezes esses incêndios ocorrem por um cigarro que é jogado na beira de uma estrada, uma fogueira que um trilheiro acende inadequadamente. Ou também por prática de agricultores, que tem a tradição de fazerem as chamadas “queimadas”. Mas também a forma que nós temos também de conviver com a seca e com as enchentes, às vezes também temos que conviver com o fogo, por mais que nós tenhamos um planejamento, por mais que montemos a estrutura. Agora mesmo estamos abrindo uma licitação exatamente porque, até então, temos contratos emergenciais com as empresas que fornecem esses aeronaves e outros equipamentos. Estamos abrindo uma licitação para um contrato mais permanente, mais estruturante, e que possibilite exatamente um trabalho de prevenção e de monitoramento para amenizar o trabalho de combate a incêndios.

 

Na segunda-feira, a prefeitura de Salvador lançou o plano Salvador 360 e um dos pilares é a sustentabilidade. A intenção é fazer com que Salvador seja a capital da Mata Atlântica. Já chegou à secretaria a proposta de alguma parceria, já existe algum projeto entre a esfera municipal e estadual para alcançar mesmo esse objetivo?

Até agora não tenho informação. Não tenho conhecimento de que tenha chegado uma proposição de parceria ou algo assim.

 

O Estado foi considerado recordista na produção de lixões. Qual a medida que a secretaria tem tomado ou tem que tomar para corresponder ao que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos?

Mais uma vez vamos ter que estabelecer as devidas competências, porque a Secretaria de Meio Ambiente não é responsável por gerir lixões ou resíduos sólidos diretamente. Ela colabora na parte de fiscalização, de orientação, etc. Cabe à Secretaria de Desenvolvimento Urbano a cota maior de responsabilidade no que diz respeito ao planejamento e à orientação de gestão de lixão ou de outras formas de alocação de resíduos sólidos. Há um prazo estabelecido legalmente, esse prazo está para vencer, e ainda temos muitos municípios que não cumpriram sua parte. Há também o surgimento de tecnologias aparentemente novas que diz respeito à queima, incineração dos lixões; mas há uma preocupação que essa tecnologia também não seja adequada, inclusive do ponto de vista ambiental. Em uma reunião, o Ministério Público expressou essa preocupação. Então nós estaremos sentando com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano para fazer esse acompanhamento.

 

Existe uma previsão de quando essa discussão acontecerá?

Eu já pedi à superintendência competente esse planejamento junto com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano. O prazo ao qual me referi é o que tem na legislação para que todo município se adeque a essa nova legislação. E temos conhecimento de que muitos ainda estão longe de se adequarem.

 

A cultura da coleta seletiva seria uma alternativa? O senhor considera essa possibilidade até para estimular e fomentar esse tipo de descarte?

A coleta seletiva e a reciclagem, em termos de perspectiva de futuro, é uma grande alternativa. É um caminho que demanda uma consciência maior por parte do usuário, da pessoa comum, do homem e da mulher comum, dos condomínios. Mas por enquanto ainda não é uma alternativa em larga escala. Mas acho que pode vir a ser um caminho. Mas tudo isso implica em uma mudança de mentalidade, em uma nova visão de um modo de vida, de estilo de vida, de sociabilidade. Eu diria que é um processo de uma transformação mais ampla, para além da questão do manejo, do lixo.

 

É uma bandeira que a secretaria pretende levantar? Fomentar essa cultura, essa mudança de hábito?

É. Acho que temos lá uma área específica de educação ambiental e formação, mas acho que está faltando. Temos muitos cursos, presenciais ou mesmo à distância, mas já para formadores de opinião. Acho que precisaríamos de um processo de alcance de massa. Infelizmente nossa situação financeira ainda não permite isso. Acho que a formação ambiental dirigida a grupos específicos é importante. Por exemplo, representantes de um determinado comitê de bacia: é importante que aqueles representantes sejam qualificados para poder assumir a sua condição de corresponsáveis pela gestão de recursos hídricos. Mas isso atinge um grupo muito pequeno. Então eu acho que seria necessário, quando tivermos condições, campanhas educativas, coisas com alcance maior.

 

Existe um burburinho, nos bastidores, que o Estado quer repassar para a prefeitura alguns parques, como o de Pituaçu, do Abaeté, e o do Dique do Tororó. Isso é verdade?

Se é, o secretário de Meio Ambiente não tem conhecimento. Temos hoje, sob responsabilidade do Estado o Parque de Pituaçu, a Lagoa do Abaeté – que na verdade é o entorno, não chega a ser a lagoa em si, porque quase a totalidade da lagoa em si faz parte de uma área privada. Mas ali tem toda uma tradição cultural. Então Pituaçu, Abaeté, e o Parque de São Bartolomeu, que é hoje responsabilidade da Conder. E temos também responsabilidade quanto ao Zoológico, que é um equipamento de outra natureza, mas que no seu entorno também tem toda uma área verde. Não existe, não tenho conhecimento [de transferência para a esfera municipal]. Nós estamos com algumas medidas em relação ao Parque de Pituaçu, mas que são ainda paliativas. Temos um grande projeto de intervenção no Parque de Pituaçu, claro, sem transformá-lo, na sua essência, sua característica de área de preservação. Temos um projeto de uma grande intervenção, algo na ordem de R$ 17 milhões. Já me reuni com o governador logo quando assumi a secretaria, há um pouco mais de 90 dias, e o governador tem um compromisso com essas intervenções. Inclusive tinha na semana passada uma agenda com o chefe da Casa Civil, Bruno Dauster, que viajou para a China, a agenda caiu, e um dos pontos de pauta era exatamente esse projeto (saiba mais).