Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias
Você está em:
/
Entrevistas

Entrevista

Afonso Florence avalia que Temer não deve abandonar Dilma e Palácio do Planalto

Por Alexandre Galvão / Rebeca Menezes

Afonso Florence avalia que Temer não deve abandonar Dilma e Palácio do Planalto
Fotos: Luiz Fernando Teixeira / Bahia Notícias

O deputado federal Afonso Florence assumiu recentemente a liderança do Partido dos Trabalhadores na Câmara, mas já começa o trabalho tendo inúmeros desafios pela frente. Entre os pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff e as denúncias contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT ainda enfrenta o racha dentro do PMDB, principal partido aliado da chapa governista. Mesmo assim, Florence minimiza a polêmica e garante que a sigla do vice-presidente Michel Temer não deve deixar o Palácio do Planalto. "O PMDB tem uma responsabilidade nacional atribuída a ele pelo eleitorado brasileiro. Portanto, independentemente do que possa acontecer em 2018, com a legenda fazendo parte da nossa coligação ou com uma candidatura própria, o fato é que hoje nós temos que governar juntos", avaliou, durante entrevista ao Bahia Notícias. O líder do PT aproveitou, ainda, para negar que haja qualquer afastamento de Dilma da legenda, mesmo com a sua ausência na comemoração de 36 anos da criação da legenda, e defendeu que a volta da CPMF não precisa atingir, necessariamente, os mais pobres. "A volta da CPMF é um dos tributos sobre ricos. R$ 10 mil em 0,03%, que é a proposta do governo, dá R$ 300. A minha posição pessoal - que ainda não é a do PT -, é de colocar uma faixa de isenção de até R$ 3 mil, R$ 4 mil", sugeriu.

O senhor assumiu a liderança do PT na Câmara dos Deputados. Qual será o seu maior desafio?

Enterrar o golpe, que tem a forma institucional de pedido de impeachment. Apesar da previsão constitucional e legal, o pedido acatado por Eduardo Cunha, num jogo de chantagem pública, não tem nenhum fundamento jurídico. E é golpe também porque ele vem colado não só no desrespeito à Constituição, alheio à vontade popular que elegeu Dilma [Rousseff, presidente], mas lidera um ataque às conquistas sociais no último período. Então o primeiro ponto é derrotar o impeachment. O segundo ponto é defender as nossas lideranças e o patrimônio do PT. O ex-presidente Lula está sendo atacado a pretexto de um procurador que tenta encontrar indícios para investiga-lo. Não vai conseguir nunca. Não tem um fundamento que possa sustentar a acusação de que Lula é proprietário do apartamento no Guarujá ou do sítio. Porque ele não é. Apesar disso, o procurador antecipa que vai indiciar. Esse é um ataque político e nós vamos defender o presidente Lula. E essa defesa tem a dimensão de defesa da democracia, porque as pessoas, na democracia, tem direito à ampla defesa e a presunção de inocência. Essa é uma disputa política pra atacar o PT. Por último, trabalhar a aprovação das medidas necessárias para ajudar o Brasil a sair da crise, preservando as conquistas sociais e os direitos econômicos dos trabalhadores obtidos nesse último período. Essa é a nossa tarefa.
 
O ano de 2015 foi difícil para o governo na Câmara dos Deputados, seja por projetos que não foram aprovados ou que foram votados duas vezes, contra os interesses do governo. Recentemente, a situação melhorou um pouco. Como o senhor vê o ano de 2016. O que pode acontecer?
O que já vem acontecendo é o deputado Eduardo Cunha, com a bancada do PMDB ligada a ele, e partidos como PSDB e DEM continuando a jogar pra desestabilização política e as chamadas pautas-bomba, pra criação de gastos exorbitantes, inexequíveis. Ao mesmo tempo, ele manipula o orçamento pra evitar ser investigado, trabalha pra alterar as relações de força no Conselho de Ética e trabalha pra por na pauta temas que tragam exposição, mesmo que seja como CPIs artificiais e a não criação, eventualmente, de CPIs importantes. A pauta do plenário sempre é artificial, de conflito, com o governo e com a institucionalidade, sem que matérias importantes sejam pautadas prioritariamente. Então é uma disputa política intensa do governo e do PT pra tentar fazer com que sejam votados os projetos importantes. O PT vai perseverar na orientação de trabalhar pela estabilidade política, independente das disputas que sejam mantidas. A gente tem que ter a tranquilidade de que a lei vale. E, ao mesmo tempo, o partido vai defender junto ao governo, que é de coalizão, e junto à sociedade suas propostas de saída da crise, que podem ser resumidas na tributação dos muitíssimo ricos, nos multimilionários. O PSDB, o DEM e Cunha sempre defendem os milionários a pretexto de não aumentar a carga tributária. Ao mesmo tempo, o prefeito de Salvador aumentou a carga tributária e governa só pros ricos. A Barra está toda metralhada. E não é por denúncia do PT, é pelo Ministério Público. É uma prefeitura de salão de beleza. É a cara do prefeito: um governo almofadinha. Mas nós vamos trabalhar para que o governo federal consiga executar o orçamento com as prioridades, como o Minha Casa, Minha Vida.
 
A eleição de Leonardo Picciani como líder do PMDB deu alguma tranquilidade para o PT, já que ele tem uma relação mais amigável com a presidente Dilma?
O PT estava preparado, assim como eu, para trabalharmos com qualquer líder do PMDB. O PMDB tem uma responsabilidade nacional atribuída a ele pelo eleitorado brasileiro. Portanto, independentemente do que possa acontecer em 2018, com a legenda fazendo parte da nossa coligação ou com uma candidatura própria, o fato é que hoje nós temos que governar juntos. E apesar da legislação brasileira ser capaz de produzir um candidato a vice na chapa de Dilma e vários candidatos a senador na chapa de Aécio [Neves] nos estados, isso atribuiu uma contradição natural de agenda, de programa político. Mesmo assim o PT, independente de quem fosse o eleito como líder do PMDB, trabalharia para buscar a unidade. Unidade na diversidade. É um governo de coalizão. Cada partido tem sua posição. A presidente inclusive tem dito para que eles levem propostas para debate. Para nós é fato que Picciani tinha uma atuação respeitosa, mesmo naquele momento em que o PMDB não tinha Cunha com um candidato próprio ou que Michel Temer não tinha se aproximado do DEM e do PSDB - agora parece que ele tenha recuado. Assim como Hugo Motta tinha conosco. Quem assiste à TV Câmara sempre vê o presidente da Casa rasgando o regimento de uma forma acintosa, desrespeitosa, de acordo com o padrão de conduta dele. Mas nós não tínhamos previsão de uma conduta diferente do PT, independente de quem fosse.
 

 
O senhor falou de uma saída da crise que seria o imposto sobre as grandes fortunas. Ao mesmo tempo, a presidente parece ter uma ideia diferente, que é a volta da CPMF. Há um descompasso entre o pensamento do PT e o de Dilma?
Não, nenhum descompasso. A volta da CPMF é um dos tributos sobre ricos. R$ 10 mil em 0,03%, que é a proposta do governo, dá R$ 300. A minha posição pessoal - que ainda não é a do PT -, é de colocar uma faixa de isenção de até R$ 3 mil, R$ 4 mil. Como é movimentação financeira, é passível de identificação bancária. O banco fornece uma declaração do recolhimento da CPMF até aquele patamar. E em uma declaração de Imposto de Renda, que passaria a ser necessária para todos os correntistas, seria possível ter restituição daquele valor. Enquanto isso, quem faz uma movimentação de R$ 10 mil, paga R$ 300. Imagina R$ 100 mil, R$ 1 milhão. A gente poderia até colocar uma alíquota maior para os mais ricos. No projeto do governo, isso vai pra Previdência. E agora os prefeitos e governadores reivindicam que vá pra Saúde, inclusive os de oposição. Então essa cantilena da oposição de que tem que ser contra a CPMF como se fosse um imposto pra pobre pagar não é verdade. Imposto pra pobre pagar Salvador está fazendo. ACM Neto é o prefeito que mais majorou imposto, está colocando Zona Azul, se aliou aos shoppings pra cobrança de estacionamento. Dependendo da unidade habitacional, um morador de bairro popular está pagando um IPTU parecido com um prédio de classe média alta. Foi a mesma coisa que FHC fez, que Aécio fez em Migas Gerais, que Alckmin fez em São Paulo. Eles fazem discurso contra imposto e aumentam o imposto, pra continuar a prestar mau serviço público.
 
Recentemente teve a comemoração dos 36 anos do PT no Rio de Janeiro, mas a presidente Dilma não foi. Ficou alguma desconfiança? O senhor acha que a presidente precisava estar nesse momento, mais próxima do partido?
Eu fui ministro em 2011, tinha sido secretário de Jaques Wagner. Todas as vezes que houve uma viagem internacional, uma agenda difícil do presidente Lula ou da presidente Dilma pra chegar no Diretório, todas as vezes eu via essa pauta. No congresso aqui da Bahia a mesma coisa. Não tem nada disso. Ela estava trabalhando, no Chile. E no caso da Alemanha, caiu uma parte da agenda, no caso do Chile, uma agenda pendente se confirmou. Estaria ela errada se ao invés de aproveitar a oportunidade de estar no Chile e cumprir toda a agenda de presidente, derrubasse parte dela para vir pro encontro do PT. Ela estaria sendo criticada, seria um escândalo ter feito isso. Claro que nós do PT queríamos que ela estivesse, porque pra nós é sempre uma honra, uma oportunidade de debater. Porque ela preside o país em uma coalizão que não tem só o PT. Ela ouve o PMDB, ouve o PCdoB e ouve o PT. Então ela ir no diretório é sempre uma oportunidade de aprofundar o debate. Aprovamos no diretório uma proposta de política econômica. Além da tributação dos mais ricos, nós consideramos importante o incentivo ao desenvolvimento. E parte disso é não ter tanto corte de gasto. Nós achamos que se o recurso for liberado do orçamento para investimento, os benefícios sociais, roda a economia, gera emprego, retorna como tributo. Nós defendemos também a redução da taxa de juros. A presidente Dilma foi muito criticada no início desse ano porque o Conselho de Política Monetária e o Banco Central não aumentaram a taxa de juros. Os analistas de mercado queriam que aumentasse. Nós achamos que foi acertado não aumentar e consideramos que convém uma redução dos juros, porque há dois tipos de endividamento das famílias: aquele em que a pessoa compra uma geladeira e paga três e aquele em que ela compra uma geladeira, uma televisão e uma máquina de lavar, com o mesmo preço. Então nós queremos que rode a economia, até pra população conseguir consumir mais, ter mais bens e serviços à sua disposição.
 
Indo para o plano municipal, o seu nome chegou a ser cogitado como pré-candidato à prefeito de Salvador esse ano. O que aconteceu? O senhor saiu da disputa ou foi retirado?
Eu tenho uma tarefa nacional. Quando o meu nome foi cogitado, eu fiquei lisonjeado e agradecido de quem lembrou, mas já estava mais ou menos desenhado que havia possibilidade de eu assumir a liderança do PT. Além disso, eu tenho relações no meu partido com inúmeros pré-candidatos a prefeito no interior da Bahia. Então considerei que não era oportuno, naquele momento, antecipar uma possibilidade que era muito remota. Eu pedi às pessoas, nos locais onde eu ia, que a gente fosse com mais parcimônia. Eu sou uma pessoa que já me notabilizei por não ter uma compulsão por projeção de cargos futuros. Todo mundo sabe na Bahia que eu, em 2014, fui candidato e apoiei vários candidatos a deputado federal. Eu participei de uma divisão da base que tinha nos apoiado em 2010. Portanto eu sou dedicado a um projeto político. Na minha compreensão, naquele momento, eu tinha a tarefa de concluir esse propósito que não era só meu de ser líder. Tanto que eu fui líder por consenso. O PT tem candidatos com muita densidade política, com história: o deputado Valmir Assunção, o vereador Gilmar Santiago e o ministro Juca Ferreira, que são os nomes colocados até então. Claro que tem muita água pra rolar por debaixo da ponte. Acho que o PT não pode adiar por muito tempo. Eu sou um cara de tarefa. A princípio eu acho que não está desenhada essa possibilidade.
 
Você tem algum preferido? Você é da mesma corrente de Gilmar...
Eu sou do PT. As correntes políticas contribuem com o debate interno. Meu candidato será aquele que eu achar que preenche os principais requisitos pra enfrentar a disputa eleitoral liderada pela oposição e pelo prefeito ACM Neto. Na base aliada já há candidatos importantes, respeitados como Alice Portugal (PCdoB), Edivaldo Brito (PTB) e o Sargento Isidório (Pros). São pré-candidatos com uma história política que os habilita a postular a candidatura. O prefeito ACM governa maquiando a cidade, não tem obra estruturante, é um filho da elite. Eu acho que as candidaturas do PT tem um componente forte. Valmir é um negro, dirigente do MST, deputado federal com expressiva votação, uma trajetória política de combate e defesa dos direitos sociais e de pautas importantes apoiadas pela população, apesar da tentativa da direita de demonizar os movimentos sociais em geral, e o MST em particular. O vereador Gilmar é nascido na periferia, peão, trabalhador de água e esgoto da Embasa, com uma trajetória de combate unificada, que entra na periferia, um negro que assim como Valmir tem a cara da cidade. Diferente do prefeito de Salvador, que é a cara da elite e faz um governo elitista, discriminatório, preconceituoso, muito ruim. Mas como ele tem apoio de determinados seguimentos da mídia, ele consegue ir enganando o povo. E o ministro Juca Ferreira, com uma longa história de luta pela democracia, um gestor experimentado e aprovado na cultura. Foi vereador de Salvador, conhece a cidade, participou da luta pela implantação de uma política nacional de cultura, que reconhece a diversidade, que reconhece o protagonismo do povo negro. Então todos os pré-candidatos do PT preenchem esse requisito fundamental que é encarnar por natureza uma polarização em relação à prefeitura almofadinha da elite. Qualquer uma das escolhas será oportuna pra nós apresentarmos o nosso programa pra cidade.
 
 
Algumas pessoas têm uma imagem da presidente Dilma de alguém que está sempre alheia ao que está acontecendo, sempre falando coisas que ninguém entende. O senhor foi ministro da presidente e conviveu diretamente com ela. Qual a imagem que o senhor tem de Dilma?
Antes de ser ministro, eu fui secretário de Desenvolvimento Urbano do governo Jaques Wagner e convivi com ela como ministra da Casa Civil. E ela foi decisiva pra nós conseguirmos abrir precedentes importantes pro PAC. Foi com ela que conseguimos abrir exceção. Porque na primeira etapa do PAC fui eu quem levou os projetos de habitação, de coleta e tratamento de esgoto... O critério era de cidades com mais de 150 mil habitantes, regiões metropolitanas e capitais. Só pra se ter uma ideia, além de Feira de Santana, nós conseguimos colocar todo o Recôncavo baiano no PAC. Hoje você tem coleta e tratamento de esgoto em uma região que causava impacto no Rio Paraguaçu e na Baía de Todos os Santos, que ainda têm muitos materiais orgânicos. Nos fizemos todas as cidades que nós conseguimos apresentar os projetos. Obras de R$ 60 milhões, de R$ 10 milhões, em Cachoeira, São Félix, Maragogipe...Todo o Recôncavo, que não estaria no PAC, entrou. Eu convivi com ela. Dilma é uma gestora resoluta, decidida, com muito compromisso social e uma leitura sistêmica. Ela foi economista, ministra da Casa Civil, secretária de Minas e Energia... E tudo isso com sensibilidade. Apesar dela ser muito firme, quando o pleito é legítimo, ela flexibiliza. Ela tem fama de durona. Claro que por ser governante, corresponder aos interesses da Globo, tem um ataque. O programa que ela representa não corresponde aos interesses dos grupos conservadores que dirigem parte importante da mídia brasileira. É muita má vontade, uma tentativa de desconstrução da imagem. Um deslize que ACM faça dificilmente aparece nas mídias comerciais. Um aparente deslize já vira escândalo com Dilma. Eu acho que ela é uma presidente séria, digna, correta, honesta, comprometida com o povo, boa gestora... Claro que acertos e erros todo mundo tem. Ela mesma teve a oportunidade de dizer que demorou de identificar o quão prolongada era a crise internacional e que deveríamos ter cessado os incentivos fiscais e o crédito subsidiário do BNDES antes. Ela reconheceu um erro. Eu acho que isso é da natureza da democracia, um gestor tem que estar aberto ao diálogo, à crítica, reconhecer, acertar... Diferente do que a prefeitura de Salvador faz. E isso não é uma alfinetada não, é uma oposição de conteúdo, de mérito. É claro que o governo de Salvador não colocou no orçamento contenção de encostas e limpeza de canal. Gastou R$ 3,5 milhões no Subúrbio e só na Barra foram R$ 60 milhões em seis quilômetros. Ele poderia fazer dezenas de creches, que o dinheiro está disponível no governo federal e não faz uma. Aí acerta para a iniciativa provada fazer três. E faz uma propaganda enorme disso.