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Entrevista

Agostinho Branquinho fala sobre as estratégias do Estado português para superar a crise - 02/10/2015

Por Renata Farias / Fernando Duarte

Agostinho Branquinho fala sobre as estratégias do Estado português para superar a crise - 02/10/2015
Fotos: Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata

Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social de Portugal, Agostinho Branquinho esteve em Salvador para participar do XI Congresso Internacional das Misericórdias e do 25º Congresso Nacional das Santas Casas de Misericórdias, entre os dias 23 e 25 de setembro. Em conversa com o Bahia Notícias, o secretário falou sobre as estratégias do Estado português para superar a crise, após dois anos consecutivos de crescimento da economia. “Não é o governo que cria empregos. Essa é uma ilusão. Nenhum governo no mundo cria empregos. Quem cria empregos é a economia. São as empresas”, defendeu Branquinho. Sobre a crise dos refugiados, o secretário reforçou o caráter de “solidariedade e fraternidade” português e ainda comentou o posicionamento do país sobre a recepção de refugiados da Síria. Leia a entrevista completa!
 
Durante o discurso, o senhor falou sobre a ajuda que as santas casas deram para que Portugal pudesse superar a crise. Quais foram as outras estratégias utilizadas pelo país nesse período de crise? O que foi mais importante?
O mais importante era nós estarmos confrontados com uma crise econômica e financeira e deixarmos resvalarmos essa situação para uma crise social. Aliás, nós hoje vemos que em outros países, infelizmente, quando nós não conseguimos controlar coesão social depois torna-se muito mais difícil. Toda a recuperação econômica tarda a fazer. E, portanto, quando nós assinamos o plano do justo ambiente financeiro com as instituições financeiras da Troika, do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, nós de imediato no nosso país aprovamos um plano de emergência social. Exatamente para fazer com que a sociedade civil se mantivesse unida e não houvesse problemas de coesão social. E aí as misericórdias tiveram um papel fundamental, quer no aparecimento de novas propostas, como cantinas sociais, quer no fato de alargarmos as respostas no serviço de apoio domiciliar, quer também na área de saúde, conforme o que foi referido, de nós termos a possibilidade de entregar a gestão das misericórdias um conjunto de unidades de saúde, pegando o estado pelo menos 25% do que estava antes. As misericórdias e as instituições da rede solidária tiveram esse papel relevantíssimo para evitar que essa coesão social fosse colocada em questão. Se nós tivéssemos procurado uma ruptura social em Portugal, muito dificilmente nós estaríamos na situação em que estamos, em que os dados macroeconômicos começam a aparecer, o desemprego está baixando de forma muito sustentável, já estamos em níveis que só existiam antes da crise financeira mundial. Nós hoje temos um crescimento econômico já consecutivo durante dois anos e, sobretudo, temos a possibilidade de ir aos mercados internacionais buscar o financiamento que o país necessita com ratings de dívida muito mais favoráveis. Portugal paga hoje de dívida em cinco anos pouco mais de 1,5%. Isso foi importante, nós conseguirmos e a coesão social deu um passo muito importante. Obviamente que outras medidas tiveram que ser tomadas. Nós tivemos que ajustar o país a capacidade que o país tem de criar a sua riqueza. Tivemos que olhar para a despesa pública e perceber que nós tínhamos que fazer alguns ajustes. Mas sempre salvaguardados naquilo que são as funções sociais do estado: educação, saúde e ação social. Essas áreas foram sempre preservadas. Portanto, naquilo que o estado tinha que fazer, nós otimizamos os custos, por exemplo, na área dos transportes, tivemos que otimizar os custos em outros setores que eram altamente deficitários e que tinham necessidade de grande financiamento público, abandonamos um programa megalômano de infraestruturas que estava a ser desenvolvido exatamente para podermos sair da crise difícil que nos encontrávamos. Privatizamos muitas companhias que não faziam sentido nenhum estar no estado. Coesão social juntamente com essas medidas de caráter econômico permitiram que Portugal esteja vivendo hoje a viver um outro momento, um ciclo de prosperidade como não conhecíamos a pelo menos sete ou oito anos.
 
Apesar dessa tentativa de se recuperar da crise, Portugal ainda registra uma emigração muito grande. Segundo o relatório Perspetivas das Migrações Internacionais, apresentado na última semana, em quatro anos emigraram 485 mil pessoas...
Eu não conheço esse número e não sei... Eu vi o relatório, mas não sei qual é a adesão que esse número tem da realidade. O que é fato: é que houve muita gente que emigrou. Mas agora temos que perceber o seguinte: Portugal é um país de migrantes. Nós estamos nas sete partidas do mundo. Sempre foi assim na nossa história. Mesmo em períodos de crescimento econômico houve sempre muita migração. Os jovens hoje, muitas vezes... Por que programas educacionais como o Erasmos, de mobilidade estudantil, são um sucesso em Portugal? Porque nós temos essa vocação histórica da nossa cultura de migrar. Depois não podemos esquecer que as empresas portuguesas competem hoje nos principais mercados mundiais, sobretudo as empresas das áreas de construção civil, que é uma área que busca muita mão de obra. E essas empresas, quando Portugal deixou de fazer investimentos públicos faraônicos, tiveram que procurar novos mercados, na Europa, no Médio Oriente, na América do Sul. Quando as empresas procuraram esses novos mercados, obviamente muitas pessoas que estavam a trabalhar em Portugal para essas empresas, pelo conhecimento que tinham, vieram para esses novos mercados. Portanto, não temos dúvidas nenhuma, é fato, que nós tivemos uma emigração muito forte nos últimos anos. A mercê da crise. Agora não sei se ela tem essa dimensão desses números, mas com toda sinceridade eu espero por números oficiais. Isso em si, tem uma parte positiva, porque muitas famílias continuaram a ter a sua renda assegurada com essas pessoas. Isso também é relevante. Obviamente que quando o país tiver agora melhor preparado, tiver mais recurso, puder fazer um planejamento mais adequado para quais são as obras públicas necessárias, algumas dessas pessoas vão regressar novamente para Portugal. Sempre foi assim. Nós temos ciclos de emigração fortíssimos. No século XX tivemos dois. Para além de todas as décadas, o fenômeno migratório existiu e esse foi o primeiro fenômeno migratório relevante no século XXI. Há de ser sempre assim com Portugal. É um país pequeno. O importante é nós percebermos quais são as razões para essa emigração e algumas são culturais, são normais, resultam da forte capacitação que os quadros técnicos portugueses têm. E outros resultam da globalização da economia, que obriga que as empresas portuguesas tenham que operar em outros mercados que não em apenas um país que é muito pequenino na escala mundial.
 
Mas crise foi um fator para essa emigração muito grande...
Com certeza que a crise deu um contributo a isso. As pessoas não ficaram no sofá em casa, a espera que a crise passasse. Elas tinham as contas para pagar e tiverem que ir a procura de oportunidades.
 
Agora o governo está tentando criar oportunidade dentro do próprio país para que as pessoas consigam se manter lá?
Não é o governo que cria empregos. Essa é uma ilusão. Nenhum governo no mundo cria empregos. Quem cria empregos é a economia. São as empresas. O governo tem que fazer é criar condições para que as empresas possam operar sem obstáculos, sem condicionamentos, sem custos de contextos desnecessários. E são as empresas que estão a criar empregos. Repara que nós, nos dois últimos anos, apesar da crise, nos dois últimos anos, já criamos mais de 200 mil empregos em Portugal. E o setor social é em contra-ciclo com a crise, criou nos últimos quatro anos mais de 50 mil empregos em Portugal. Há este apelo para que as empresas e o governo tudo tem feito para criar condições objetivas, criar credibilidade nos mercados financeiros para que as empresas possam financiar, criar condições para que custos desapareçam porque são as empresas que criam empregos, não são os governos que criam empregos.

 

Uma medida recente que Portugal tomou foi a expansão para que netos de portugueses pudessem conceder a seus filhos, cônjuges e netos a cidadania portuguesa. Isso é uma tentativa também de atrair pessoas para o país?
Com certeza. Nós não podemos esquecer a nossa história. Nós somos um país de migrantes, foi assim que fizemos a primeira globalização. Foi liderada por um povo pequeno, num país pequeno, que foi Portugal. Foi a primeira vez que houve um fenômeno de globalização no mundo. E obviamente que um país que andou por todas essas terras do mundo tem que ter uma política de nacionalidade que respeite a nossa história e a nossa cultura. E, portanto, nós entendemos que desde que exista alguma ligação a Portugal, que esses netos de portugueses, que migraram para outras geografias possam, se assim o entender, solicitar a nacionalidade portuguesa. Portugal é um país que está – como todos os países da Europa – a envelhecer rapidamente. E essas pessoas podem também dar um contributo para que Portugal tenha também um índice de rejuvenescimento geracional mais acelerado e que isso é bom para a economia do país, é bom para a sustentabilidade da segurança social do nosso país. É uma medida muito relevante, que vai na linha do espírito de tolerância, de abertura que Portugal tem, face a seus fenômenos migratórios.
 
O mundo tem prestado muita atenção nessa questão dos refugiados, principalmente vindos da Síria. Há cerca de dois dias, o ministro Miguel Maduro afirmou que Portugal tem condições de receber 4.500 refugiados. Como vai ser esse processo?
É interessante, porque nós estamos exatamente nessa política de diálogo e de parceria com as instituições sociais. Nós exatamente na terça-feira da semana passada (há três semanas, no caso), tivemos com elas a discutir como é que nós podíamos receber pessoas refugiadas da Síria. Receber refugiados da Síria não é apenas trazer para Portugal e pô-los numas tendas em Portugal. Essa recepção tem que ser uma recepção que permita a integração dessas pessoas na nossa vida, para não pormos em causa ainda mais a dignidade da pessoa humana. E as instituições sociais têm um papel relevantíssimo porque têm acolhimento, têm lares, têm residências, depois têm uma atividade na área de educação e é importante que esses refugiados possam, por exemplo, aprender a língua portuguesa para se comunicarem enquanto estiverem no nosso país e, sobretudo, possam fazer ações de formação profissional, de capacitação profissional, para que, se assim o entender, possam continuar em Portugal ou, quando regressarem a seu país, quando a situação por ventura vier a normalizar, tenham mais competências profissionais. Aqui é um trabalho que não é apenas receber esses refugiados e aloja-los em condições menos dignas. É elogiar essas pessoas em lares, em casas, dar-lhes a oportunidade do reagrupamento familiar. Nós falamos com as instituições sociais e elas estão exatamente terminando no final de setembro (a entrevista foi concedida no dia 23) a listagem instituição por instituição, qual é o número de refugiados que elas podem receber. E nós estamos convictos que Portugal tem capacidade para responder a cota que foi definida.

 

Qual o posicionamento do governo de Portugal com relação a tantos países que estão se recusando a receber esses refugiados?
Nós achamos que a solidariedade e a fraternidade são valores da nossa cultura. A Síria vive hoje um problema dramático. Outros países já viveram n’outros momentos da história e, quem sabe, infelizmente outros países poderão passar por isso. É uma obrigação ética, moral, nós recebermos os refugiados, ajudarmos quem mais precisa. E essa tem sido a posição que o governo português tem defendido em todas as instâncias internacionais, nominalmente na Comissão Europeia, onde temos defendido que temos que ter uma atitude proativa. Obviamente que há problemas que temos que resolver. Há situações que não são fáceis de resolver, com estes refugiados neste caso em questão. Mas não é fazendo de conta que o problema não existe que nós vamos pensar que o problema vai desaparecer. E a Europa tem a obrigação de olhar para o problema sírio. Eu julgo que prefiro a ideia de que a Europa deixou atrasar-se um pouco para olhar para o problema sírio, mas que ainda teremos tempo de recuperar e a Europa que criou o status social moderno, que sempre teve uma preocupação de fraternidade e solidariedade, tem a obrigação de ter uma atitude positiva e esse movimento migratório que está a ocorrer.