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Entrevista

Naomar Almeida explica que UFSB aposta em ensino descentralizado - 01/06/2015

Por Fernando Duarte / Luiz Fernando Teixeira

Naomar Almeida explica que UFSB aposta em ensino descentralizado - 01/06/2015
Foto: Luiz Fernando Teixeira/ Bahia Notícias

Reitor por duas gestões da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Naomar Almeida Filho assumiu a missão de instalar a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), caçula da rede pública de ensino superior no estado. Sem estruturas previamente estabelecidas, a nova unidade aposta num ensino descentralizado, com colégios universitários para interiorizar o ensino superior. O resultado são 12 pequenas cidades com a capilaridade da UFSB. “Já tem 18 universidades brasileiras com esse modelo, a diferença é que nós interiorizamos e colocamos a extensão nos municípios”, defende Naomar. E muito disso baseado na tecnologia. “Decidimos investir o recurso que seria para a construção de prédios na rede digital”, sugere. Veja a entrevista completa!
 
Vamos começar falando sobre a proposta da Universidade Federal do Sul da Bahia. Ela tem uma proposta diferenciada, até os métodos de avaliação diferenciado. Como o senhor explica o funcionamento desse novo modelo de universidade, proposto pela universidade?
É um modelo que já foi tentado várias vezes no Brasil. Na década de 1930, Anísio Teixeira fez a Universidade do Distrito Federal, que tinha um modelo de entrada único, os alunos entravam na universidade e depois faziam escolhas. Aí a ditadura Vargas reprimiu fortemente esse modelo. Ele mesmo, em 1961, criou a UNB [Universidade de Brasília], junto com Darci Ribeiro, que também tinha esse conceito, do aluno entrar na universidade e somente depois fazer as escolhas. Mas aí o regime militar em 1964, na verdade em 1965, com praticamente o fechamento da UNB, desmontou esse sistema. E as universidades brasileiras consolidaram um formato que é do século XIX, que obriga as pessoas a escolherem o curso antes de entrar na universidade. As universidades americanas e europeias, canadenses, sudeste asiático, o mundo, digamos, industrialmente desenvolvido não existe isso. Ninguém entra direto numa formação de carreira sem ter conhecido do que é essa formação. Então, aqui no Brasil, recente, duas universidades iniciaram esse modelo, que foram a Universidade Federal do ABC (em São Paulo) e a Universidade Federal da Bahia. Entre 2006 e 2008, foram implantados os bacharelados interdisciplinares. Aí o que fizemos: levamos esse modelo para a Universidade Federal do Sul da Bahia. Os alunos não precisam fazer as escolhas cruciais de cada carreira antes de saber o que é a formação. E, lá no sul, a gente pode até aperfeiçoar um pouco mais esse formato, ajustando ele à interiorização, com os conceitos dos colégios universitários. Então, lá no sul, os alunos fazem o Enem, submetem ao Sisu e escolhem quatro bacharelados interdisciplinares em grandes áreas, ciências, arte, humanidades ou saúde. Ou podem entrar na universidade sem escolher área nenhuma, chamada área básica de ingresso. Depois de um ano, eles, com essa área básica de ingresso, podem passar para um dos quatro bacharelados ou escolher nas licenciaturas também interdisciplinares, que são cinco, as quatro áreas do Enem e as artes. Esse é o sistema. Uma vantagem da área básica de ingresso permite, por exemplo, que a gente descentralize esse primeiro ano da universidade, isso que a gente chama de formação geral. E estamos fazendo isso. Temos oito colégios universitários, em municípios menores, com mais de 20 mil habitantes e que tenham mais de 300 egressos do ensino público, a gente está abrindo uma unidade descentralizada da universidade chamada colégio universitário. Já temos em Coaraci, Ibicaraí, Ilhéus, Itabuna, Cabrália, Porto Seguro, Itamaraju, Teixeira de Freitas e estamos abrindo em Posto da Mata, Eunápolis e Itajuípe. E, posteriormente, vamos cobrir toda a região com uma capilaridade municipal, para que os alunos entrem na universidade sem precisar sair de onde moram, que outro grande obstáculo, mais até do que o obstáculo econômico, que é a distância. Se o jovem vive numa cidade pequena, completa o Ensino Médio púbico e não tem recursos para se mudar, e as pessoas pobres têm essa grande dificuldade, por mais talentoso que seja, por mais motivado, tem um obstáculo territorial, tem uma exclusão territorial. E aí esse sistema permite uma integração, uma capilaridade municipal.
 
Como manter o mesmo nível de ensino em todas essas unidades capilares?
Aí a solução tecnológica é eficiente. Hoje qualquer pequeno município do interior já tem acesso a redes de televisão, celulares, smartphones, etc. Essa tecnologia possibilita que a gente tenha participação de corpo docente e de alunos em todo o território. Decidimos investir o recurso que seria para a construção de prédios na rede digital. E isso está dando muito certo. Nós estamos com sinal muito forte em municípios pequenos e nas sedes estamos com a banda realmente que está permitindo interação, como o pessoal chama tecnicamente em tempo real, onde nós temos atividades – algumas são aulas, outras são laboratórios e oficinas – com participação em localizações múltiplas. Eu dei uma aula no quadrimestre passado que atingiu 400 alunos. Isso fazendo com que um sistema de mediação pedagógica e tutoria permita a interação, a participação. Isso é diferente de educação à distância, que, nesse caso, nós estamos multiplicando presença, então a gente está chamando de um sistema metapresencial, que tem muito sucesso em algumas áreas e outras a gente está tendo que fazer até uma certa reeducação do professorado para aprender a utilizar essas tecnologias. Essa saída tecnológica permite também uma economia enorme de recursos pela otimização dos processos. Uma aula nunca fica perdida. Se ela for uma boa aula, ela pode ser continuamente recuperada. E, ao mesmo tempo, se a gente tiver um professor atuando em um pequeno município, o que ele fizer lá, ele pode disponibilizar para toda a rede. O importante, nesse caso, é dar também para os alunos a condição, inclusive de domínio dessa tecnologia. Por exemplo, os alunos na nossa universidade aprendem a codificação, a programação, um componente chamado “Introdução ao ensino computacional”. E é impressionante com a rapidez que eles adquirem essa competência e passam a usar bastante as plataformas digitais. Essa é a solução, usar a tecnologia a favor dessa inclusão social e territorial.

 

Por enquanto a Universidade Federal do Sul da Bahia possui os cursos interdisciplinares e depois vai passar a ter o que chamam de progressão linear. Como vai ser o processo de migração do bacharelado interdisciplinar para outros cursos? Como será o critério de avaliação?
É semelhante ao modelo que já está sendo empregado na federal do ABC e na própria Ufba. Utilizamos o coeficiente de rendimento do aluno. No nosso caso, são três coeficientes de rendimento, um da formação geral, aqueles componentes que todos compartilham, em geral no primeiro ano. Mas pode também ser distribuído no bacharelado interdisciplinar. Vale o peso 1. Tem os componentes da grande área, por exemplo, todos os cursos da área de saúde. Ou os cursos da área de ciências ou os cursos da área de humanidades ou de artes. Esses componentes da grande área valem 1,5. E os componentes da área de concentração, aqueles que já são focalizados para os cursos do segundo ciclo. Esses têm uma ponderação 2. Aí os alunos terão um coeficiente geral de aproveitamento, que se compõe desses três coeficientes de rendimentos específicos, com a sua ponderação nesse caso respectiva. O aluno com esse escore se inscreve em três opções do segundo ciclo. Se seu escore lhe permitir entrar na primeira, tudo bem. Se não, ele irá para a segunda ou na terceira. Esse escore não sendo suficiente para aprova-lo nessas três primeiras, o sistema fecha, preenche todas as vagas e aquelas não preenchidas são novamente anunciadas. E aí, numa segunda chamada, o aluno terá novamente três opções.
 
Não existe a opção do estudante ficar fora do segundo ciclo?
Só se ele quiser ficar fora do segundo ciclo. Porque a oferta de vagas equivale a totalidade dos que ingressam.
 
Isso seria uma ideia para revolucionar o ensino superior no Brasil a partir da Universidade Federal do Sul da Bahia?
Não, porque já tem 18 universidades brasileiras com esse modelo, a diferença é que nós interiorizamos e colocamos a extensão nos municípios. A grande diferença entre a federal do ABC e a nossa universidade é que a federal do ABC tem concentração em dois campi, na área industrial, em Santo André e São Bernardo. E nós estamos numa área de economia rural e estamos já em 15 localidades. Essa é a diferença básica. A estrutura é mais ou menos a mesma. É um sistema que a gente acha que vai crescer porque ele tem uma qualidade de inclusão social que não é incluir no modelo antigo, é um modelo que a própria estrutura dele permite. Por exemplo, que a seleção de sujeitos não se faça num dia, num único momento para os cursos específicos.

 

Como foi feita a avaliação pela universidade para saber quais localidades receberiam os colégios universitários? Quantos vocês pretendem implantar ao final do processo?
Usamos o critério demográfico, 20 mil habitantes. A região tem 48 municípios. Desses, 29 municípios têm mais de 20 mil habitantes. E o segundo critério é a quantidade de alunos do ensino médio, que concluem na rede pública. Em geral, esses municípios só tem escolas da rede estadual. Os maiores é que têm escolas do setor privado, que complementam. Esses dois critérios que nós aplicamos. Agora, alguns municípios menores se uniram a outros. Aí fizeram consórcios municipais. Por exemplo, já tem um consórcio municipal com um colégio universitário, que é Coaraci, Almadina e Itapitanga. Nenhum dos três tem 20 mil habitantes, mas somados eles são 36 mil habitantes. E eles juntos dão 350 egressos do ensino médio. Então isso habilitou esse agregado a apresentar uma proposta. E é um dos colégios mais bem avaliados e mais bem instalados. O total que estamos planejando no nosso projeto é de 36 colégios universitários, em 29 municípios, e também em quilombos – tem um grande quilombo na região chamado Elvécia, em aldeias indígenas – estamos prevendo dois colégios universitários em aldeias – e em assentamentos do MST, também que tenham concentração de alunos do ensino médio. Então serão 36 em 2020. E a gente está dentro do plano. Abrimos oito, chegamos a 12 e dentro de mais dois anos 16 e depois, a cada ano, vai acrescentando.
 
Atualmente são quantos alunos na universidade?
São 1.610 alunos. A primeira turma entrou ano passado, em setembro, com 800 alunos, e agora mais 830 e as matrículas confirmadas 1.610. Até o final do ano serão 2.160.
 
E a progressão linear começa quando?
Em 2017 já teremos os cursos de progressão linear. Nós fizemos um primeiro bloco de aprovação, são seis engenharias, de processo (alimentos e biotecnológica), florestal, duas ambientais, sanitária e agrícola, e temos também dois cursos de áreas científicas, ciências biológicas com ênfase em botânica, e oceanologia. Temos também quatro cursos aprovados na área de humanas e ciências sociais, que são direito, administração com foco em gestão pública, e economia com foco em economia criativa, e temos também o curso de antropologia, com foco em patrimônio e conservação. E mais dois cursos da área da saúde, que são saúde coletiva e medicina. Estamos estudando design e o curso de psicologia. Isso faz um elenco de 15 cursos de segundo ciclo. Além disso, cinco licenciaturas interdisciplinares, as áreas do Enem e mais artes e suas tecnologias. Isso dá um repertório de 20 cursos de profissionalização, agregados, articulados ao bacharelados interdisciplinares, com a possibilidade de dupla titulação.

 

A Universidade Federal do Sul da Bahia tomou a frente do consórcio de universidades que, de alguma forma, vai colaborar com o governo do estado no que o governador Rui Costa chamou de Pacto pela Educação. Como vai funcionar esse consórcio e como a universidade pretende contribuir na comunidade em que está inserida?
O tomou à frente é bondade, é generosidade sua. Na verdade, a ideia, inclusive, foi do reitor da Unilab, que foi reitor da federal de Minas Gerais e agora foi reconvocado como reitor pro tempore da Unilab, que tem campus em São Francisco do Conde. Quando o secretário [Osvaldo] Barreto nos convidou para discutir a proposta de um fórum de universidades, vieram 10 instituições, aí o reitor Tomás relembrou que quando ele foi reitor da federal de Minas uma proposta semelhante tinha aparecido e ele descobriram o formato consórcio, que é mais robusto do que o fórum. E descobrimos que o modelo de consórcio permite uma integração entre diferentes níveis: setor estadual e setor federal. Já tem alguns exemplos, mas nenhum tão amplo como este que está sendo proposto aqui. A ideia é simples: que as universidades nessa cobertura do território da Bahia possam contribuir na execução de três campos de políticas, cultura, ciência e tecnologia e educação. Na educação, é a participação no Pacto pela Educação. Aí nesse caso específico, o que eu acredito que é a nossa contribuição é essa rede de colégios universitários se ajustar ao desafio. Então cada colégio universitário nosso nós estamos propondo a secretaria da universidade assumir a escola de ensino médio onde ele se situa. E assumir do ponto de vista de gestão pedagógica, mantendo toda a estrutura institucional já existente, corpo docente, cargos, as diretorias. Mas a universidade assume o controle de qualidade, a coordenação pedagógica e, em contrapartida, essas escolas se tornam os nossos centros de formação de professores nas cinco licenciaturas interdisciplinares. Praticamente laboratórios de pesquisa pedagógica e centros de formação de professores. Atuando em um formato multiturno, de maneira que as escolas se transformam em escolas de educação integral. Nós estamos montando o tipo de termo de acordo que será feito entre a universidade e o governo estadual para que essas responsabilidades e investimentos necessários sejam compartilhados entre as duas instituições. O conceito é que as escolas continuarão na rede estadual e, no nosso caso, teremos um acordo para que possamos fazer os investimentos para que aquelas escolas ganhem esse status de ensino médio integral. Esse é o plano que está proposta e, no nosso caso, uma etapa importante é a negociação desse modelo com as comunidades de professores das próprias escolas. Não vamos impor. É um sistema que deve ser por adesão. Já apresentamos em cinco das seis escolas que estão candidatas a participar desse programa e duas delas já temos resposta muito entusiasmadas das escolas.