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Entrevista

Jorge Almeida fala sobre o impacto dos denuncismos e das manifestações de junho de 2013 nas campanhas eleitorais deste ano - 29/09/2014

Por Fernando Duarte / Francis Juliano / Rebeca Menezes

Jorge Almeida fala sobre o impacto dos denuncismos e das manifestações de junho de 2013 nas campanhas eleitorais deste ano - 29/09/2014
Fotos: Cláudia Cardozo
Jorge Almeida é professor de Ciência Política e doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Em entrevista ao Bahia Notícias, ele fala sobre o impacto dos denuncismos e das manifestações de junho de 2013 nas campanhas eleitorais deste ano e analisa como a morte do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, mudou os rumos da campanha presidencial. Para Almeida, o crescimento do PSB nas pesquisas não representa uma quebra da polarização PT x PSDB, como tanto anuncia a campanha socialista, mas sim uma disputa de candidaturas que pouco mostram os projetos para questões essenciais. “O grosso das divergências que aparecem são muito mais de ordem de um debate sobre competência pessoal, capacidade gerencial, honestidade, ética... E você não vê aparecendo projetos claros, definidos”, avalia. Sobre a corrida eleitoral na Bahia, o professor acredita que Lídice da Mata (PSB) não conseguirá capitalizar os votos de Marina Silva, e que o governo de Jaques Wagner foi tão frágil que não conseguiu construir uma marca que alavancasse o candidato petista. “Não é atoa que, após oito anos de governo, a campanha continua sendo feita em torno do time de Lula. O que é incrível, porque depois de quatro anos um governador tem que se apresentar como seu próprio time. [...] Isso mostra um auto reconhecimento de que o governo estadual não tem um prestígio social, político e eleitoral para apostar na sua própria imagem”, conclui.

Bahia Notícias: As eleições 2014 tiveram uma situação inédita na história do país, que foi a morte de um presidenciável no meio da corrida eleitoral. O que mudou a partir disto? São duas eleições, uma antes e outra depois de Eduardo Campos?
Jorge Almeida: Eu não diria que são duas eleições. As forças políticas principais estavam colocadas e continuaram colocadas. A diferença fundamental é que, com a saída de Eduardo Campos e a entrada de Marina Silva, Marina tinha um expressão pessoal já avaliada anteriormente – seja na campanha anterior, quando teve 20% dos votos, seja em pesquisas realizadas quando ainda existia a possibilidade dela ser candidata –, o que mostrava que era uma candidatura forte. Mas, sem dúvida, ia criar problemas na base do PSB, já que boa parte do partido aceitou a contragosto, porque ela não era do PSB nem de confiança dos socialistas. Mas ela deu uma expressão muito mais significativa do ponto de vista eleitoral e social. Agora, a candidatura que aparecia como principal, de Dilma Rousseff (PT), sem dúvida foi atingida, o Aécio Neves (PSDB) também – que esperava ir para o segundo turno e com a entrada de Marina realmente passou a ter uma menor possibilidade, como está se configurando.
 
BN: Marina quebrou a bipolaridade entre PT e PSDB, que já durava 20 anos?
JA: Do ponto de vista de candidaturas, eu diria que quebrou, mas do ponto de vista de projeto, efetivamente eu acredito que não. Em primeiro lugar, é difícil você dizer que realmente existe uma bipolaridade, porque as questões mais essenciais, que poderiam mostrar uma diferença mais clara, não aparecem. O grosso das divergências que aparecem são muito mais de ordem de um debate sobre competência pessoal, capacidade gerencial, honestidade, ética... E você não vê aparecendo projetos claros, definidos. Inclusive, logo que surgiu a candidatura de Marina, foi ventilado por diversos grupos, até mesmo na imprensa, que estaria se repetindo a situação de 1989 entre Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva, e eu acho que há uma diferença muito grande nas duas situações. Naquela época você tinha uma diferença de projetos muito clara, em que se tinha uma esquerda toda unificada no sentido de Lula e uma direita toda ao lado de Collor. Você tinha o empresariado todo contra o petista e os movimentos sociais a favor dele. Foram projetos diferentes que realmente mobilizaram a sociedade, o que fez com que houvesse uma campanha conflituosa do ponto de vista programático e também alto grau de disputa ideológica e emocional. Dessa vez, a direita não está unificada, e sim dividida entre Marina, Aécio e Dilma, algumas das principais figuras políticas da época que eram contra Lula hoje estão ao lado dele, como José Sarney, o próprio Collor, Paulo Maluf, Renan Calheiros, que era braço direito de Collor... O empresariado também está dividido. Não é à toa que Dilma tem o maior financiamento de grandes empresas. Depois, tem outro elemento importante a considerar: em 89, você tinha um governo muito fraco, de Sarney. Não é a toa que ele nem podia dizer quem ele apoiava e, mesmo que setores do governo federal se mobilizassem em torno de Collor, não era uma coisa ostensiva. Do ponto de vista do prestígio político, esse governo não entrou em cena. Agora, apesar de vivermos uma situação de crise econômica, que não foi levada em conta pelos governos Lula nem Dilma de uma maneira mais rigorosa, e ter um certo grau de crise social e política, não é a mesma coisa do período de Sarney. O governo Dilma continua muito forte do ponto de vista de uma máquina administrativa que atua de forma unificada, com um bloco de forças muito complexo. Por isso, eu não vejo como a mesma situação. Nem do ponto de vista político, nem administrativo, nem das forças sociais e econômicas.
 
BN: É mais uma discussão de discurso do que de projetos?
JA: Há uma diferença de discurso, sem dúvida, e há elementos de projetos que são secundários, não são essenciais. Então pode ter um apelo maior, de última hora, para questões de classe, feito por Dilma para obter uma marca, um histórico de base social do PT, dos outros partidos de esquerda, a retomada de discurso contra as elites... Especialmente nos horários gratuitos de televisão, que são importantes porque ali os candidatos definem o que vão falar, editam seus programas, ninguém pode dizer que não foi bem isso ou aquilo. A questão está mais nisso. Fala a verdade ou não, fez ou deixou de fazer. Cada um querendo explorar obra dos governos federais e estaduais, capacidades pessoais. Não são projetos em conflito.
 

 
BN: Para você, a situação nacional é similar à estadual?
JA: Eu acredito que neste caso tenha uma diferença, porque aqui não apareceu essa terceira candidatura alternativa.
 
BN: Apesar de Lídice da Mata (PSB) se colocar como tal.
JA: Se pregar como tal, mas sem ter uma força social significativa. Eu acho que ela realmente tinha aquela intenção de voto que podia chegar aos 10%, mas dificilmente poderia ultrapassar isso. Nem o apelo ao apoio de Marina impacta, porque o problema não é apoio ao prestígio social – que ela de certa maneira tem aqui na Bahia, tanto que ultrapassou Aécio mesmo tendo menos inserção político-organizativa e administrativa. Mas não basta esse prestígio, ainda mais para você transferir o voto. Uma transferência que Lula e Dilma conseguem para Rui Costa (PT) como conseguiram para Jaques Wagner, por exemplo. Isso é um investimento de máquina do Estado, apoios empresariais que permitem campanhas muito caras e, portanto, máquina eleitorais muito fortes. Então não basta você ter tempo de televisão. É preciso que venha toda uma sustentação em torno disso. Isso é o que fez com que Marina tivesse um pico imediato e depois fosse voltando às intenções de voto que ela tinha antes. Pelo menos no primeiro turno, ela se aproxima dos 27%, que foi o máximo que ela teve. Como ela não consegue transferir seus votos aqui, volta aquele velho debate entre PT de um lado e DEM do outro. Aí com forças agregadas, o PT perdeu uma parte das alianças que teve nas eleições anteriores e o DEM conseguiu agregar um setor significativo da oposição. Mesmo assim eu acho que, tanto a nível nacional como estadual as coisas ainda não estão resolvidas, porque a meu ver ainda há uma certa demora de maturação em parte do eleitorado baiano, que ainda está indeciso. É possível, ainda, que haja um segundo turno. Lá na frente, quando Rui estava com apenas 10%, ainda havia uma faixa de indefinição muito grande, que era o eleitorado pró-PT que ainda estava sem saber quem era o candidato desse campo político e isso foi sendo resolvido. Mas eu acredito que a situação aqui no estado talvez seja mais difícil do que em âmbito nacional e, se Dilma não entrar bem para o segundo turno, isso pode se complicar ainda mais. As eleições estaduais ainda são muito atreladas ao processo nacional. Não é atoa que o discurso de Rui, no início, era muito repetitivo não só sobre ter o apoio de Lula e Dilma, mas também de dizer “vou fazer isso com Dilma” como se ela já estivesse eleita. E depois que reverteu tudo, ele tirou essa parte do discurso porque como a reeleição não está garantida, esse discurso pode prejudicar do ponto de vista eleitoral. Mas as coisas ainda podem mudar, já que parte do eleitorado ainda pode migrar para o PT, que tem uma máquina federal e estadual muito forte na Bahia desde a primeira eleição de Wagner. O governo Wagner foi frágil, ele não conseguiu construir uma marca. Não é a toa que, após oito anos de governo, a campanha continua sendo feita em torno do time de Lula. O que é incrível, porque depois de quatro anos um governador tem que se apresentar como seu próprio time, mas ele continuou como time de Lula. Até o último candidato a prefeito, Nelson Pelegrino, ainda era do time de Lula. O que mostra um auto reconhecimento de que o governo estadual não tem um prestígio social, político e eleitoral para apostar na sua própria imagem.


BN: Tanto no âmbito estadual quanto no federal Lula ainda é o grande eleitor?
JA: Eu acho que é Lula junto à máquina do governo federal e tudo que está perto. Eu não diria que é só uma pessoa. Tem o PT, que eu diria que é o partido mais enraizado, mais organizado, mesmo com todos os problemas. Tem a máquina do governo federal agindo plenamente. Mesmo que alguns órgão principais da mídia tenham uma posição mais clara contra Lula, ele ainda tem apoio de uma parte desse setor. Tem a inserção do PT em organizações sociais, que mesmo burocratizadas, como a CUT, a UNE, ainda têm uma importância nesse processo. E esse apoio grande de parte do empresariado que está aí, bancando uma campanha caríssima. Então é tudo isso congregado. 
 

 
BN: A série de denuncismo da campanha eleitoral tem reflexo nas urnas?
JA: Essa é outra questão polêmica. Na minha opinião, denuncismo e o problema da corrupção no processo eleitoral do Brasil só funciona quando o candidato é fraco do ponto de vista eleitoral e está com avaliação administrativa muito ruim. Então as coisas se articulam e agrega negatividade. Quando um governo está relativamente bem, quando está sendo aceito ou tido como razoavelmente bom – ou menos pior, que é o que eu acho que acontece com Dilma, em que as pessoas votam porque tem medo do que Marina ou Aécio vão fazer – o impacto das denúncias de corrupção é bem menor. Haja vista a reeleição de Lula, que ocorreu logo após a história do mensalão. Nós tivemos agora, de novo, todo o julgamento do mensalão e não teve grandes impactos. A meu ver, o que mais prejudicou a imagem de Dilma foi o fim de um ciclo de políticas econômico-sociais que vinha dando resultado, mas que com a crise mundial eles não conseguiram responder a isso. Parou de haver um aumento na renda média, parou de crescer o emprego e aumentou o desemprego... Esses fatores e a dúvida do futuro em torno disso gerou o desgaste. Além disso, tiveram as manifestações de junho, que originalmente não foram uma mobilização contra a corrupção, apesar de Marina e Aécio explorarem isso. Esse foi um elemento que apareceu. Havia, evidentemente, uma insatisfação difusa com a prática dos políticos, mas eu diria que elas foram motivadas por uma insatisfação em relação às políticas públicas, com questões sobre mobilidade, saúde, educação. Como a situação social não piorou muito – está pior do que estava, mas ainda dentro de um certo grau de tolerância –, o elemento “corrupção” acaba pesando menos. A grosso modo, o comportamento político das pessoas, particularmente no Brasil, é uma combinação do que eu chamo de voto por valores, no sentido ideológico amplo, de aproximação da direita ou da esquerda de uma forma mais genérica; e do que eu chamo de racionalidade pragmática, que é uma avaliação de custo-benefício de que retorno material concreto para a sua vida vai ter. O eleitorado que tende mais para um voto por valores é aquele que mantém uma certa fidelidade a um grupo político, que vota mesmo quando a situação do governo está ruim. Outra parte flutua com o voto pragmático, racional. Mesmo o eleitor de pouca informação não deixa de ter uma racionalidade do voto. Eu não concordo com essas ideias de que as pessoas votam em Lula por causa do Bolsa Família, porque são ignorantes ou analfabetos. Esse era o mesmo argumento que o PT usava contra Fernando Henrique Cardoso na época do Plano Real. Eu acho que o povo de modo geral tem uma racionalidade na sua opção, a gente concordando ou não. Quando há uma polarização política maior, como a gente teve em 89, a tendência é do voto por valores predominar, porque as pessoas vão mais atrás de um projeto que elas acreditam, de uma mudança mais significativa. Quando o plano da divergência política está rebaixado, como está agora, a tendência é ir mais para o voto pragmático, já que as coisas são mais parecidas.
 
BN: De que modo as manifestações de junho conseguem qualificar o voto nessas eleições? Qual dos candidatos foi mais beneficiado com esse movimento?
JA: Eu acho que manifestações ajudaram a desgastar Dilma, muito mais do que os governadores, que também tinham responsabilidade. Da maneira como está parecendo, com uma candidatura que seria novidade, com um passado vinculado à questão ambiental, Marina capitaliza mais isso. E ela capitalizou os 20% da eleição anterior e a última pesquisa feita a mostrou com 27%. Logo ela ganhou um pouco mais. Candidaturas mais de esquerda que estão na disputa, de Luciana Genro (PSOL) e Zé Maria (PSTU), poderiam capitalizar se tivessem uma organização partidária e um enraizamento social maior, que não têm ainda. Eles têm uma posição respeitada, mas ainda têm dificuldade de conseguir esse voto porque não são vistos como uma alternativa que tem condições de ganhar. Evidente que isso é legítimo e é importante que existam essas candidaturas, que têm tido um papel de contraponto nesse processo da campanha, mas eles não conseguem capitalizar. Então uma parte acabou indo para Marina, que consegue uma coisa incrível, que é agregar uma certa opinião pública mais crítica e, ao mesmo tempo, setores da igreja evangélica e do fundamentalismo mais conservador possível. Por isso que ela tem dificuldade de ajustar o discurso. Mas eu acredito que, se ela for para o segundo turno, a tendência é que a direita como um todo e os setores mais conservadores se agreguem à ela.