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Nagé, um herói popular

Por Francisco Viana

Nagé, um herói popular
Foto: Acervo pessoal

O texto é mágico como se o autor possuíse uma caixinha de palavras. Dele emergem a capoeira dos valentões e fascínoras, a capoeira marginal, a capoeira da barra pesada, a capoeira dos “malditos esquecidos “ , arte dos “arruaceiros” , de “capangas e valentões” , a capoeira da luta de classes,  da resistência social, como define o autor. Nagé, o homem que lutou capoeira até morrer, livro póstumo do economista Frederico José de Abreu (Barabô Editora) resgata a história do homem que foi um” assombro de valentia”. Ou, o homem que “bota o diabo com o rabo entre as pernas”. 

 

Conhecido em todo o Recôncavo como “formidável na arte de jogar capoeira” e homenageado na ONU por Gilberto Gil, Nagé ou Najé - o autor considera o “g” mais sonoro e estético - viveu até 1958. O livro é uma narrativa da presença da “brava gente desordeira” nas origens da capoeira que, como o subdesenvolvimento, muitas vezes é folclorizado ou simplesmente apagado da história. Como se a malandragem não tivesse suas raízes na pobreza ou em “ causas sociais desumanas”. 

 

Segundo Abreu, a tradição da desordem na capoeira é uma “ expressão voluntária de rebeldia e indignação do capoeira turbulento. Ele também é sujeito da história. E no caso da desordem, podia ser réu ou vítima. Muitos deles ostentaram com glória a fama de valente, de valentão . Não é necessário limpar a barra histórica deles,  nem tampouco suas folhas corridas nas delegacias de policia com a finalidade de torná-los aptos à grandeza da capoeira. Afinal de contas já se foi o tempo em que se achava que cultura de marginal é artesanato de presídio exposto à venda em quermesse de Natal". 

 

Nagé, nascido José Anastácio de Santana,  de “ cara carrancuda”, é emblemático dessa realidade. Viveu cerca de 35 anos e morreu assassinado, a facadas, em Góis Calmon, enquanto lutava capoeira com cinco homens para defender a vida. A briga começou por causa de um pandeiro e um berimbau. E terminou com Nagé sem vida. Outros detalhes relevantes: o autor coloca a capoeira no contexto das condições de vida dos negros, “as piores possíveis, sempre descalços e submissos aos senhores”.  E da “vadiagem” como sinônimo de liberdade, uma “ reação à ordem social escravista e exploradora da mão de obra”. 

 

O livro foi organizado pela filha e o filho do autor (que morreu em 2013), Elza e Zeca de Abreu, e lançado no Forte da Capoeira, em Salvador. É ricamente ilustrado. Houve roda de capoeira  e a presença de familiares de Nagé. “ Meu pai foi um lutador e morreu lutando”, disse orgulhosa com a homenagem Marileide, filha de Nagé. Houve ainda debates em torno das origens africanas da capoeira e da prática da sua arte pela barra pesada da antiga “ malandragem”. Havia alegria. 

 

O livro de Frederico José de Abreu é pura magia. Como o gingar do capoeira e a maestria de um golpe bem aplicado. Das suas páginas, Nagé salta como um herói popular,um símbolo de resistência. 

 

*Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia Política ( PUS-SP)

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias