A arte da antecipação
É elementar no relacionamento com a mídia: antes de falar é preciso pensar.
Não foi o que fez a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois. Apresentou pedido ao governo para acumular salário de 61 mil reais mensais e foi obrigada a recuar por pressão da sociedade. E o que é pior: recuou com indisfarçável arrogância, querendo justificar sua atitude, segundo áudio divulgado no Jornal da Globo.
Isto afetará, em muito a sua reputação. É fora de dúvida.
O constrangimento poderia ser facilmente evitado. Bastaria pensar e se antecipar à crise. Primeiro, porque o teto do funcionalismo é de R$ 37, 7 mil. Como nenhum servidor pode receber mais do que um ministro do STF, a ministra é descontada do salário em mais de R$ 27 mil, recebendo pouco a mais de três mil reais para exercer o cargo. Depois porque ela ao solicitar a complementação de salário, que excederia em muito o teto, argumentou que trabalhar sem receber o valor devido pela atividade seria uma situação semelhante à do “trabalho escravo”. Foi duramente criticada. Uma simples simulação revelaria os pontos vulneráveis do posicionamento dessa desembarga dora aposentada que sonhou em acumular os dois salários. O escravo é um escravo: não tem direito a nada. Sequer um mísero centavo. Um ministro, em hipótese alguma pode ser comparado a um escravo.
Ou a ministra desconhece o significado do position paper e das perguntas e respostas? Ambos fazem parte do mídia training. O position paper são os posicionamentos que se renovam ao longo do tempo; as perguntas e respostas devem anteceder as entrevistas . Ambos ajudam o entrevistado a errar menos, a pisar com mais segurança em terras incógnitas. Pois é assim a entrevista, seja para qual veículo for, da mídia impressa à televisão e as mídias digitais.
Antecipação é um conceito dos filósofos estóicos, que mediaram a transição da antiguidade para a era cristã e foram muito influentes na antiga Roma. É muito útil na vida moderna. Grande parte das crises de comunicação não ocorreriam se houvesse a prática da antecipação, que é a mesma coisa que a prevenção. Crises custam caro. E podem ser evitadas se forem antecipadas preventivamente. A ministra bem que poderia ter feito a coisa certa. Não comprometeria sua reputação. Nem o exercício do cargo.
* Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia Política (PUC-SP)
* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias