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A Tarde, morte anunciada

Por Francisco Viana

A Tarde, morte anunciada
Foto: Acervo pessoal

Jornais não vivem sem independência econômica. Jornalistas não apenas divulgam fatos. Opinam, interpretam, apontam contradições dos governos e personalidades, enfim, fiscalizam o poder. São, pelo menos é assim que  deveria ser, libertários, liberais e  herdeiros do Iluminismo. Numa época em que todos podem ter seu próprio "jornal "- afinal, o que são as redes sociais? - esses predicados precisam ser realçados, não serem anulados. Se não se diferenciam pelos predicados essenciais, não conseguem conquistar a necessária credibilidade, perdem leitores, anunciantes e agonizam em público,- até a morte. 

 

Tem sido assim na imprensa brasileira. Agora, o drama se repete com a centenária A TARDE. Ironicamente, o jornal fundado por um enérgico conservador, Ernesto Simões Filho, tornou-se um símbolo de jornalismo livre e defensor das grandes causas da Bahia. Certa vez um adversário político gritou em público: " que morra Simões Filho." Simões Filho retrucou com plenos pulmões: " Mas que viva a Bahia." E assim era. Havia uma crença de que o baiano se tivesse de escolher entre o pão e o jornal escolheria o jornal. Hoje. A TARDE está agonizando.

 

Os sinais de que caminha para uma morte lenta soam há muito tempo. O primeiro foi a demissão do venerando Jorge Calmon, intelectual de grande envergadura, que era seu redator-chefe e conseguia equilibrar o conservadorismo do jornal e sua vocação liberal. Trabalhei em A TARDE na sua idade de ouro, digamos assim. E lembro com nitidez de Jorge Calmon. Certa vez, o Jornal da Bahia publicou uma reportagem com o seguinte título: " Deu gorgulho na estrada do feijão". Era época de um dos governos de Antônio Carlos Magalhães, em pleno regime militar. Acuado pela brava oposição do antigo JBa. o Antonio Carlos mandou tapar os buracos da estrada, que de tão esburacada lembrava um queijo suíço, e organizou uma visita da imprensa, na tentativa de desmentir a manchete de primeira página. Jorge Calmon me chamou (eu era um jovem iniciante no jornalismo)e deu as orientações:  não desmentir o Jornal da Bahia, nem dizer que o governo tinha tapado os buracos. Escrevi dizendo que faltava cercas e por toda parte, os animais colocavam em risco a vida dos motoristas que circulavam pela estrada por onde escoava a produção baiana de feijão. 

 

A reportagem foi publicada. A reminiscência Ilustra o liberalismo de A TARDE. O jornal publicava as notícias, mesmo sendo contrárias aos governos, só que com enfoque diferente. O jornal, claro, apoiou a ditadura, porém não ostensivamente. 

 

A segunda etapa da agonia do jornal aconteceu com o fim da ditadura e a legalização da esquerda. O jornal não soube se reposicionar. Bem que tentou, mas foi uma modernização conservadora, com pés de barro, baseada apenas nas demissões. Não diversificou fontes, não acompanha os vigorosos passos da historia. A internet e sua velocidade é apenas uma parte da historia. A mistura do jornalismo e dos interesses da família do fundador, também. 

 

Agora, vem uma onda final. O aguçamento das restrições à liberdade, segundo queixas do cartunista Simanca, que trabalhou 15 anos na redação e acaba de ser demitido. Mas não é preciso ir muito longe: as edições são cada vez mais minguadas e grassa o conservadorismo no noticiário. 

 

Na realidade, A TARDE vem sendo tratada como um negócio comum e a empresa jornalística é negócio, igualmente, de interesse público. Se não defende o interesse público fenece. Esse o drama de A TARDE e da imprensa regional brasileira. Sem a publicidade oficial é difícil sobreviver e com ela é difícil manter a independência. O czar hoje não permite que se frequente os jardins de inverno e ao mesmo tempo se faça oposição aos governos. 

 

Essa lição vem de longa data. Por isso, é difícil a adaptação à atualidade brasileira. Se trata, para jornais como A TARDE, de assumir integralmente o liberalismo. E modernizar o modelo de fazer jornalismo num regime que se propõe a ser democrático. 

 

*Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia (PUC-SP)

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias