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Novas fronteiras para comunicadores

Por Francisco Viana

Novas fronteiras para comunicadores
Foto: Acervo pessoal

"Se pudiéramos vernos al modo que nos ven los outros o al modo que nos verían se  lo supieran todo, seria inevitable una reforma general."
Adam Smith, Teoría de los sentimentos morales

 

Diante das denúncias da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, como fica a imagem da Friboi? Em grego, a palavra imagem, Eidolôn, significa irrealidade. Mas seria esse o sentido da intermitente campanha protagonizada pelo ator Tony Ramos? Contemporaneamente, a imagem tem vários significados: em termos literários, significa metáforas; em termos do cinema, significa movimento; na psicanálise pode ser um vasto campo do inconsciente e do consciente, segundo Freud, e a linguagem estruturada do inconsciente, segundo Lacan. Sartre, num livro antológico, L’ imaginaire, define a imagem como a linguagem da verdade do real, só que num determinado momento, numa situação determinada. Na comunicação contemporânea, a imagem se afirma ou se dissolve no dia a dia da interatividade.  

 

Esse é o risco. O choque dos mundos reais. E como a imagem se constrói, a ruptura se dá rapidamente, mesmo com um ligeiro confronto com a realidade. Há uma fusão indissolúvel entre a imagem-identidade-reputação. Como a instantaneidade na Galáxia da Internet dá o tom à realidade, a imagem e percepção se misturam e torna-se extremamente complexo separá-las. Por isso, as empresas e governos recorrem a celebridades para fazer sua propaganda. A voz das celebridades tem a forca , sem exageros, das Sagradas Escrituras. Se uma celebridade come carne e recomenda, todo seguem o mesmo caminho, num incrível efeito manada. Mas quando a separação ocorre, geralmente sobram apenas cacos para recolher. Basta ver o que vem acontecendo com a imagem dos envolvidos na Lav a Jato ou, se recuarmos no tempo, com a imagem, por exemplo, dos generais-presidentes do regime militar.

 

É cedo para dizer que a imagem das  campanhas da Friboi estão se dissolvendo, mas a empresa terá muito trabalho para recuperá-la, o que significa restaurar a credibilidade junto ao público consumidor e aos clientes internacionais. Existe muita tensão e desconfiança no ar e não é com argumentos de retórica que os problemas se resolverão. Quando a imagem positiva se rompe, o julgamente  da opinião pública, vale lembrar, não comporta recursos. Leva tempo. Essa a chave da percepção superficial. Quando cede lugar à percepção em profundidade, vem a reflexão e, com ela,    a desconfiança, a decepção, a revolta. Por isso, não se brinca com a opinião pública.

 

Durante a revolução Francesa, Maria Antonieta foi acusada de ter comprado um colar magnifico,– que de tão caro teve que ser desmembrado para que fosse vendido – e, por  causa disso, terminou na guilhotina. Nao adiantou dizer que fora vítima de um ardil e era ( ela nunca sequer viu o colar) , mas o clima era adverso e terminou por tragá-la. No caso da Carne Fraca, se tem acusado a PF de ter feito acusações desmedidas. Suas ações não têm sido sempre mediáticas. Por que o silêncio nas operações anteriores?

 

Guardadas as proporções no tempo e na história, criou-se no país um ambiente de intolerância para com a corrupção. Internacionalmente, também. É um clima, como na França de 1789, em que há pouco espaço para defesa, pouca audiênciapara se provar que é inocente. Sobretudo, com argumentos retóricos. Mais do que nunca é preciso de provas irrefutáveis.

 

E não é apenas a Friboi que não escapará ilesa. É o conjunto da agroindústria. Existe uma conspiração norte-americana em marcha para que a carne produzida nos Estados Unidos ocupe espaços?  Esse  é um argumento que se propaga. E as provas? O setor precisa vir a público e se expor, trazendo a luz pontos fortes e fracos. Porque o edifício da agroindústria está ameaçado no seu alicerce mais frágil: a  credibilidade.

 

No Império, o Brasil disputava cabeça a cabeça com os Estados Unidos os capitais da imigração. A Alemanha disseminou na Europa que o país era um país de escravos. Ninguém disse nada. O imperador ficou calado. Talvez, porque o país era assim mesmo, um país de escravos. E o resultado foi que o fluxo migratório foi canalizado para a América do Norte, também um país racista, mas que sabia melhor fazer sua propaganda. Perdemos oportunidade de crescer, prosperar, atrair capitais.

 

Agora a história estaria se repetindo com a disputa do mercado internacional? Se for isso,  é preciso agir. Ficar inerte é consentir. Na verdade, a crise da carne inaugura nova fronteira de trabalho para comunicadores. Eles precisam fazer parte da alta direção das empresas. E assim conhecerem as políticas, as decisões mais secretas, e não serem apenas mensageiros de informações de segunda mão.

 

O tempo dos “bombeiros”, que apenas tentam apagar os incêndios das crises,  acabou. Se inicia o tempo dos estrategistas. Dos que são capazes de ler o tempo antecipadamente. E intervém nas estruturas.  Os verdadeiros guardiões das marcas, das reputações.

 

As organizações são julgadas o tempo inteiro e, por isso, precisam mudar. Mudar no sentido profundo das suas estruturas. É a hora da comunicação agir e intervir nas percepções das pessoas. Quebrar os moldes que dão vida às organizações e criar novos, adaptados aos novos tempos digitais. Criar a percepção de que as empresas têm um papel social, que geram empregos e renda. E isso exige mudança de atitudes.

 

Adam Smith, o pai da economia moderna, escreveu no século XVIII, o efervescente século das Luzes. A Teoria dos Sentimentos Morais, entre outros méritos, valorizou, já naquela época, a questão da reputação. Smith, também autor de Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações, o seu livro mais importante, percebeu que os comerciantes de melhor reputação mereciam mais e melhores créditos.

 

Hoje, na época da reputação na velocidade do pensamento, corresponde a maior ou menor confiança. Investigadas ou não pela PF, as empresas do setor de carnes pagarão caro pela desconfiança. O que vira depois? Crises custam caro. O remédio para a perda da reputação é amargo. O pano de fundo é a questão da imagem. Ela deve transmitir autenticidade. Caso contrário, não dura muito na sociedade em rede. É só querer ver para se dar conta que Adam Smith apenas estava a frente do seu tempo. Na época em que escreveu grassava o analfabetismo e a desinformação. Agora, afinal, o tempo das suas ideias chegou. Todos sabem de tudo, em tempo real.

 

*Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia Política (PUC-SP)

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias