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Vivemos uma era inconstitucional: uma crítica

Por Fabrício de Castro Oliveira

Vivemos uma era inconstitucional: uma crítica
Foto: OAB
Vivemos um momento difícil no Brasil. A crise é muito grande. Não me lembro de convivermos, ao mesmo tempo, com tantas dificuldades. Não se trata apenas de uma crise política, econômica ou social. Estamos vivendo uma mudança radical nos valores defendidos pela sociedade brasileira.
 
Se fizermos uma perspectiva histórica da evolução do nosso país, vamos ver que estamos caminhando para trás e abrindo mão de valores relevantes, que custaram a vida de muitos.
 
Não faz muito tempo, em 1988, foi promulgada a nossa Constituição Federal. Ulisses Guimarães a denominou de constituição cidadã.
 
Sem dúvidas, a Constituição de 1988 foi a mais democrática de todos os tempos, foi também a que mais amplamente assegurou ao cidadão direitos e garantias fundamentais.
 
Na verdade, foi a primeira que positivou os direitos fundamentais, demonstrando sua preocupação com o ser humano, que, em síntese, tem em seu bem estar finalidade do próprio Estado.
 
Destaco, aqui, especialmente os direitos fundamentais processuais. Nossa Carta Magna foi muito feliz em atribuir ao cidadão o direito a um processo justo, com ampla participação das partes, como um direito fundamental.
 
A base de todos os direitos fundamentais processuais é o princípio do devido processo legal, que está expressamente positivado no art. 5, LIV, CF.
 
Quando em 1988 o constituinte estabeleceu como direito a garantia individual ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, ele assim o fez na perspectiva de prestigiar valores tidos como invioláveis.
 
Vejam bem, porque é muito importante: nossa sociedade fez em 1988 uma Constituição que, naquele momento histórico, logo após um longo período de ditatura, reconheceu a importância do processo, a importância da defesa, de forma que atribui à ampla defesa o status de direito e garantia fundamental.
 
Mas a roda da vida desde então está girando, e passados quase trinta anos, o que vemos é o agravamento das reiteradas violações a direitos fundamentais processuais.
 
A presunção de inocência é objeto hoje de uma grande interrogação. Está lá na Constituição Federal, no art 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Mas, agora, o próprio STF, que deveria ser o guardião da Constituição, num caso concreto, disse que após o julgamento de segundo grau poderia ser iniciado o cumprimento da pena. O que é isso?
 
O direito a responder em liberdade não é mais regra. Muito pelo contrário. Acabaram com a presunção de inocência rasgando a Constituição Federal e levaram junto o direito à ampla defesa.
 
E as prisões cautelares? Estão banalizadas. Definitivamente, diante da impunidade que por anos assola o Brasil, na prática hoje a liberdade não vem sendo considerada um direito inviolável, um valor fundamental.
 
O que presenciamos hoje é uma profusão de medidas cautelares, muitas por prazo indeterminado, constituindo-se, de fato, numa antecipação da pena. Às claras promove-se uma inversão completa dos valores constitucionais, um desrespeito ao direito de defesa.
 
E diante do aplauso da sociedade, há uma tendência cada vez maior de se valorizar mais o poder punitivo do Estado em detrimento do devido processo legal e do direito de defesa.
 
Ouso dizer uma dura verdade: vivemos uma era inconstitucional, em que a liberdade e a propriedade não estão sendo mais tratados, na prática, como direitos invioláveis. São várias e reiteradas as violações ao direito de defesa, que muitas vezes está sendo sacrificado em benefício de outros valores que não têm estatura constitucional.
 
Precisamos refletir: onde vamos parar?
 
É claro que a impunidade e o combate à corrupção, por exemplo, são valores importantes que a nossa sociedade não pode abrir mão. Ao contrário, temos que exigir que esse país de fato seja passado a limpo e que a Lei seja igual para todos.
 
Mas também não podemos de jeito nenhum abrir mão de valores que são fundamentais para nossa sociedade. O respeito ao direito à liberdade e o direito fundamental à ampla defesa não podem ser abdicados. Não é possível que numa investigação policial ou num processo judicial a parte e seu advogado tenham todas as dificuldades e obstáculos possíveis e imagináveis.
 
O direito à defesa está correndo um grande risco e as pessoas neste país ainda não enxergaram o perigo disso. Hoje muitos estão achando bom porque consideram que a impunidade e o combate à corrupção precisam ser enfrentados de qualquer jeito. Mas se esquecem: amanhã será um outro dia e o pau que hoje dá em Chico, amanhã se dará em Francisco. E ai já será tarde. Viveremos num estado totalitário, sem processo, sem defesa, onde nem mesmo a corrupção e a impunidade poderão ser combatidas.


Fabrício de Castro Oliveira
Advogado. Conselheiro Federal da OAB