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Sinais dos tempos

Por Adilson Fonseca

Sinais dos tempos
Foto: Acervo pessoal
E Lula, heim! Na terra do Axé, onde se dizem que mais de 70% da população é afrodescendente, e justamente no bairro-símbolo dessa afrodescendência, a Liberdade, e no Dia da Consciência Negra, o ex-presidente Lula tomou uma vaia como nunca se viu “nestepaiz”.

Não foi uma claque. Não foi um grupo organizado. Não foram os “direitistas”, “coxinhas”. Foi o povo, que da sacada das casas, no meio da multidão que acompanhava o cortejo afro regido pela batida dos tambores do  IlêAyê, resolveu mostrar uma face da baianidade que  o ex-presidente não conhecia. E o que se viu foi Lula meio atônito de riso amarelo. Uma militância meio surpresa. Como? Na Liberdade? No Curuzu? E em Salvador, que sempre acolheu o PT de braços abertos e que nas quatro últimas eleições deu-lhes uma vitória arrasadora?

Das reações as mais diversas, sobressaiu-se a do ministro da Cultura, Juca Ferreira, que disse que tudo não passo de uma minoria, que o povo estava machucado, e por isso mesmo se deixava contaminar pelas notícias publicadas pela imprensa. Na visão do ministro, os males do Brasil atual são culpa da imprensa e o povo, esse cordeiro,por estar machucado e sem saber direito que são os culpados, vaia o ex-presidente e tudo o que ele representa, ou seja, o atual governo.

Nos últimos anos, em que pese as retóricas das políticas de combate ao racismo, à intolerância religiosa, e à luta contra os desníveis sociais, o que se viu foram acirramentos do “nós contra eles”, iniciado com Lula e ainda mantido por Lula. O Brasil, se não dividido geograficamente, ficou dividido  e aprofundou a divisão social. Qualquer expressão contrária, de contestação ou simplesmente não-alinhada com o pensamento de esquerda, vira motivo para ser qualificada como conservadora no seu pior sentido, retrógrada, racista e discriminatória.

E isso parece ter cansado muitos brasileiros que se sentem, sim, discriminados, porque são tolhidos nas suas expressões, taxados de “golpistas”, “coxinhas” – uma clara discriminação contra os paulistas, de onde advém o termo. Ser branco, rico, virou sinônimo de algo que deve ser banido do convício social. Vestir verde e amarelo fora dos jogos da Seleção virou sinônimo de direitista e golpista. O Brasil parece ter se cansado da retórica de luta do branco contra o negro.

Inflama-se o orgulho de se pertencer à favela, mas não se briga para que a favela deixe de ser favela, e se discrimina quem mora em bairros classe média e alta. Ser negro é uma auto-afirmação. Mas ser branco não pode ser crime. Ter o cabelo crespo é auto-afirmação da ancestralidade. Mas ter o cabelo liso, olhos verdes e pele branca também fazem parte da nossa brasilidade. Somos mestiços na sua mais completa acepção da palavra.

Ser pobre não é mérito. Ser rico não é demérito. Mérito é ser trabalhador, ser honesto. Demérito é quem rouba e quem corrompe e corrói os valores sociais. A cor da pele não é determinante na elevação ou queda do indivíduo. Mas sim os valores que este mesmo indivíduo professa. Essa dualidade que se forja nos discursos, em vez de apaziguar acirra as diferenças. E parece que o brasileiro está se cansando de ser chamado de “coxinha”, “golpista”, “elite”. Não quer ser rotulado em nome de alguns, como também não quer ser jogado contra outros.

Na terra do Axé, da afrodescendência, as vaias ao ex-presidente Lula não foram das “zelites de olhos azuis”, dos “golpistas” e “coxinhas”. Foram de baianos. Negros, brancos, olhos castanhos ou azuis. Cabelos crespos ou lisos. Mestiços, como somos, enfim. Mas acima de tudo, gente de todas as cores, de todas as camadas, de todas as ideologias. Gente que se cansou de ser chamado para uma luta social do “nós contra eles”.


* Adilson Fonseca é jornalista