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Encosta a lona e deixa a chuva passar

Por José Trindade

Encosta a lona e deixa a chuva passar
Como vem sofrendo Salvador no ano de 2015! Não bastasse o tornado na economia, deixando de pernas pro ar sua atividade produtiva e ampliando, ainda mais, a condição de líder no ranking do desemprego, a nossa querida capital tem sido fustigada incessantemente pelas chuvas desde meados abril.
 
O saldo até o presente momento foi trágico: 22 pessoas perderam suas vidas. Havia bastante tempo que não se registrava mortes em decorrência das chuvas em Salvador. Talvez fiado nesse histórico, a atual gestão municipal, decorridos mais de dois anos e meio no poder não apresentou um plano sequer para contenção de encostas e realização da macrodrenagem da cidade. A atuação se dá sempre no plano emergencial: lona preta e aluguel social. A cidade das lonas. Pretas, talvez, em face do luto por aqueles que sucumbiram ao total descaso. Bolsa tragédia, em forma de “aluguel social”, benefício este, que nem sei mais se os contemplados estão a receber, pois as reclamações eclodem diariamente.
 
É bem verdade que todo município sofre escassez de receitas, porém, até poucos dias atrás, a atual gestão gabava-se de possuir em caixa um bilhão para gastar com investimentos. Prioridades elencadas: reforma da Barra, do Rio Vermelho, recapeamento asfáltico, BRT e tudo mais que for belo. Sim, são obras importantes, mas onde ficaram as obras em áreas de risco, aquelas que são caras e não dão voto? De forma a ajudar na priorização, pondero que, deixar na lona não é uma bela imagem. Pleitear verbas ao Ministério das Cidades para construção de encostas é simplesmente lavar as mãos, como de igual forma Pilatos agiu. Apostar que o Governo do Estado da Bahia está investindo milhões de reais na contenção de encostas em Salvador é faticamente “encostar-se” nas ações dos outros entes federativos. O município pode e deve fazer a sua parte. Gestões passadas assim fizeram e talvez, por isso, ficamos algum tempo sem tragédias. Se não existe dinheiro para obras de contenção, faça valer o poder de polícia de modo a coibir que tais áreas sejam ocupadas. Contudo, é preciso agir de forma a evitar mortes. Em relação aos desabamentos deste ano, não houve novidade: o barro desceu onde já era previsto descer.
 
Todos têm ciência que o problema é mais que antigo. Desde o século XIX que o poder público tenta coibir a ocupação das encostas de Salvador em face dos riscos envolvidos. O fato não é privilégio nosso e a explosão demográfica da cidade só fez agudizar o quadro. Ora, se o problema é secular é porque ele não foi devidamente atacado. Por não ser tarefa fácil necessita de coordenação, estruturação, priorização e continuidade de ações. A coordenação cabe ao poder municipal, pois é da sua competência zelar pela ocupação e o uso do solo urbano. Recentemente, atestamos a tragédia com as chuvas em Teresópolis, no Rio de Janeiro, em que ao final do drama, os recursos alocados foram desviados, sequer alcançando os envolvidos. Infelizmente, como neste caso, quando a tragédia surge e o holofote também, surge a pantomima oficial, que é esquecida à medida que o desastre amarela-se nos jornais.
 
Numa conexão de ideias, diríamos que lona remete a circo e circo remete a picadeiro. Parodiando o estonteante filme estrelado por Jeremy Irons em 1988, tratar-se-ia de uma mórbida semelhança? Acho que não. Uma gestão pública representativa não pode ser acometida de insensibilidade. Ao contrário, abomina qualquer circo de horror. Assim, professo a crença de que, certamente, amanhã será um novo dia, assim que a chuva passar, assim que o céu se abrir.
 
*José G. Trindade é vereador na cidade do Salvador, Engenheiro Civil, Administrador de Empresas e pós-graduado em Administração Pública (FGV/BSB)

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias